3 Razões pelas quais os teus utilizadores te amam ou te deixam

Por mais incrível que seja o UX de um produto, será que o conseguiremos vender a quem não precisa dele? Será que a experiência é o único fator que importante nesta relação? A experiência só se torna relevante se a proposta de valor também for relevante. O UX não é só uma ferramenta ao serviço da experiência. É também uma grande ajuda para o negócio, colaborando igualmente para a construção de propostas de valor relevantes e que vão ao encontro das necessidades dos utilizadores. A necessidade é aquilo que motiva em última linha a utilizarem os produtos digitais que todos os dias ajudamos a construir.

Nenhum utilizador procura qualquer um dos produtos onde trabalhámos, simplesmente para abrir a app e dizer “mas que bela UX que esta app tem”. Os utilizadores utilizam aquilo que fazemos porque precisam de realizar tarefas concretas e que facilitam o seu estilo de vida, seja ele qual for. Descobrir a proposta de valor correta que deveríamos estar a entregar com o nosso produto digital é uma arte. Uma arte em que o UX e todos os seus métodos e ferramentas podem ajudar bastante as empresas.

Este artigo é uma tradução e adaptação do artigo original 3 Reasons Why Your Users Love (or Leave) You integrado na parceria de Educational Partner entre a Interaction Design Foundation e o DXD.

Como UX designer, queres resolver os desafios e problemas dos utilizadores. Pesquisas o teu público-alvo, fazes protótipos das tuas ideias, testas a usabilidade dos teus produtos… E, realmente, queres que os teus utilizadores finais beneficiem dos teus produtos. Afinal, qual é propósito dos teus esforços se ninguém usar aquilo que resulta deles? Até os produtos mais fáceis de usar podem ser ignorados pelas pessoas. Vamos ver as 3 principais razões pelas quais os utilizadores amam alguns produtos em vez de outros, e o que podes fazer para garantir que eles continuam a procurar-te.

Quer vendas software freemium ou estejas a gerir um blogue pessoal, vais gostar de saber quantas pessoas interagem com o que ofereces – descarregam a aplicação, subscrevem a newsletter, etc. Quando conheceres esses números, vais precisar de descobrir por que é que são como são.

Se não sabes o que está a funcionar, corres o risco de estragá-lo. E se não sabes por que é que as pessoas não interagem contigo, vais saber o que deves corrigir.

Na sua apresentação “The 3 Reasons Users Don’t Convert”, Laura Klein, a autora de “Build Better Products and UX for Lean Startups”, oferece uma framework para perceber por que é que as pessoas não convertem e o que podemos fazer para resolver os problemas. Inspirando-nos nessa framework, olhamos para 3 razões pelas quais as pessoas interagem ou não com produtos e serviços.

Índice

1. Proposta de valor

A proposta de valor refere-se aos benefícios que os clientes podem obter com os nossos produtos e serviços. Os teus produtos são o que as pessoas usam (o quê). A tua proposta de valor é o motivo pelo qual as pessoas os usam.

“As pessoas não compram produtos; compram a expectativa dos benefícios.” Theodore Levitt, autor de “The Marketing Mode: Pathways To Corporate Growth”

Por exemplo, a Netflix oferece serviços de streaming (“o quê”). Os clientes usam a Netflix para se entreterem (o “motivo”). Se olharmos para as origens da Netflix, vemos que os seus serviços evoluíram: do aluguer online de DVD ao streaming e à produção de vídeo. A sua proposta de valor, contudo, manteve-se.

Porque deves dar-lhe atenção

A proposta de valor define a direção geral dos teus esforços de UX design. Ajuda a responder à pergunta: os nossos produtos e serviços resolvem um problema ou satisfazem uma necessidade? Se a resposta é “não”, “talvez” ou “não sei”, deves dar um passo atrás e tentar ter uma visão mais abrangente. Não interessa o quão fácil de usar é o teu produto – se as pessoas não precisam dele, não vão usá-lo mesmo que seja gratuito, muito menos se tiverem de pagar por ele. Antes de fazeres o brainstorming das funcionalidades a colocar no produto, pára para examinar a proposta de valor. Que benefícios dás aos teus utilizadores? Que problema é que o teu produto ou serviço resolve?

O que podes fazer?

Observa os teus utilizadores

Descobre o que as pessoas fazem com o teu produto. Usam-no da forma que esperavas? Podes fazer isto pessoalmente, num laboratório. Idealmente, preferias observar as pessoas no seu ambiente. Outra forma de perceber o comportamento dos utilizadores é monitorizá-los ao nível do produto. Por exemplo, os utilizadores abriram a newsletter? A que landing pages acederam mais? Em que ecrãs estiveram mais tempo? Quão recorrente são as suas visitas?

Entrevista os teus utilizadores

Técnicas de user research quantitativa como questionários e estatísticas de utilização (analytics) ajudam-te a ter informação sobre o que as pessoas dizem e fazem (o “o quê”). Quando conduzes entrevistas, tens oportunidade de perguntar-lhes por que motivo usam o teu produto ou serviço (ou o da concorrência). Se conseguires apanhar pessoas que deixaram de usar os teus produtos ou serviços, vais conseguir obter conclusões muito reveladoras.

Conhece a concorrência

Descobre quem satisfaz as mesmas necessidades ou resolve os mesmos problemas que tu. Os teus concorrentes nem sempre são aqueles que fazem produtos parecidos com os teus. O YouTube oferece uma plataforma para as pessoas publicarem vídeos, enquanto a Netflix produz e distribui conteúdo em vídeo. Ainda assim, partilham a mesma proposta de valor – entreter as pessoas.

Além disso, nada pode impedir um produto existente, mesmo que não esteja relacionado, de evoluir para responder à mesma proposta de valor. No ano 2000, a Netflix entregava DVD e a Amazon entregava livros. Em 2020, as duas produziam filmes e conteúdo original e concorriam com o YouTube.

2. Comunicação

Landing pages de sites, descrições de produto nas app stores, emails e até mensagens nas redes sociais – todo o conteúdo que consigas espalhar por aí é tão parte da estratégia de comunicação como os anúncios e comunicados de imprensa.

Não só precisas de comunicar bem, como também tens de fazê-lo depressa. Ainda que não exista um número exato, estudos indicam que tens exactamente 10 segundos para “vender” a tua proposta de valor aos teus clientes.

Porque deves dar-lhe atenção

Se tens uma ótima proposta de valor, mas as pessoas não percebem o que podes fazer por elas, não vão experimentar os teus produtos nem subscrever os teus serviços.

As pessoas valorizam o tempo. Têm coisas para fazer e sítios onde estar. Quando interagem contigo pela primeira vez, é provável que tenham outras 17 janelas abertas no browser, metade das quais pode ser dos teus concorrentes. Ou talvez te vejam numa app store, no telemóvel, ou através de um anúncio ou email – repita-se, nenhum destes é um encontro isolado. Elas têm um mar de informação a concorrer pela sua atenção. E só tens alguns segundos para convencê-las de que o teu produto é o único perfeito para elas.

O que podes fazer?

Coloca as pessoas no centro

Usa linguagem a que os teus utilizadores são sensíveis. Podes sentir-te tentado para te gabares e para dizeres como és melhor do que todos os outros (e nós não duvidamos). Mas o que os teus utilizadores querem saber é o que é que ganham contigo. Diz-lhes como beneficiam contigo. Por outras palavras, fala da tua proposta de valor, não do teu produto. Aplica todas as conclusões da user research na tua comunicação.

Por exemplo, a comunicação do site do Mailchimp, em 2010, era totalmente focada nas suas funcionalidades. Escrevia-se títulos como “O Mailchimp volta a ser gratuito”. Falava de como se criar códigos QR, subscrever sem pagar e enviar 6000 emails por mês.

Em 2017, o Mailchimp mudou a sua mensagem para “Constrói a tua marca. Vende mais coisas.”. O produto é o mesmo, a empresa é a mesma, mas agora o produto fica em segundo plano. O Mailchimp sabe que o objetivo final dos seus clientes não é enviar emails, mas sim construir a sua marca. Por isso, o seu site mostra aos clientes como podem crescer com a ajuda do Mailchimp.

Ajuda as pessoas a tomar uma decisão

Para motivares as pessoas a tomar aquela ação final – descarregar a aplicação, subscrever a newsletter ou experimentar o serviço – ajuda a gerar confiança. Existe toda uma disciplina dedicada a este tema, chamada economia comportamental. Ainda que não possamos falar dela em detalhe aqui, vamos destacar algumas técnicas:

  • Diz-lhes quantas pessoas interagiram contigo para criar credibilidade.
  • Evidencia períodos de teste sem risco de forma proeminente (se ofereceres algum).
  • Usa avaliações e testemunhos de outros clientes para mostrar como outras pessoas beneficiaram.
  • Destaca ofertas promocionais temporárias.

Testa as tuas mensagens

Podes testar a tua comunicação com utilizadores para ver se percebem a proposta de valor. O teste dos 5 segundos é ideal para isto. Mostra a tua landing page (ou outras mensagens) às pessoas durante 5 segundos e faz algumas perguntas para apurar se percebem a proposta de valor. Depois, podes ajustar as tuas mensagens e repetir o teste para ver se fez alguma diferença.

3. Experiência

A experiência tem um âmbito muito abrangente. Entre outros fatores, inclui: se é fácil de aprender e usar o teu produto e se ele tem um bom valor em relação ao custo. Uma boa experiência vai levar os teus utilizadores a continuarem a interagir com os teus produtos e serviços. Uma boa experiência depende não só de como o produto é e de como as pessoas se sentem ao usá-lo, mas também do que os utilizadores esperam. Quem é novo no teu produto vai ter expectativas diferentes de quem já é utilizador frequente. E as pessoas que vieram das soluções de concorrentes vão ter um conjunto de expectativas muito diferente, comparado com aqueles que começaram contigo.

Porque deves dar-lhe atenção

Quando as pessoas usam os teus produtos e serviços, investem o seu tempo e energia a perceber como podem tirar o máximo partido deles. Se tiveres uma proposta de valor convincente, as pessoas podem dar-se ao trabalho de experimentar e aprender através de tentativa e erro. No entanto, a partir de certo ponto, as pessoas preferem não perder tempo, esforço e dinheiro num produto que é só marginalmente superior ao que tinham antes de apareceres. E se aparecer uma solução concorrente que seja mais fácil de usar, até os mais fiéis vão abandonar-te com certeza.

O que podes fazer?

Define as expectativas certas

Isto recupera o tema da comunicação. Se a tua comunicação define uma certa expectativa, o teu produto tem de cumprir.

Aligeira a transição através de onboarding

Todos aqueles que usam o teu produto ou serviço começam como um utilizador novato. Se as pessoas se sentirem tranquilas, voltam. Se se sentirem assoberbadas ou tiverem dificuldade em perceber como alcançar os seus objetivos, existe uma forte probabilidade de pararem de usar o produto. Um bom fluxo de onboarding vai ajudar os teus utilizadores a começarem a usar o produto sem esforço nem dificuldades. Aqui estão algumas formas de ajudares os teus utilizadores a sentirem-se confortáveis:

  • Sugere uma porta de entrada. Os utilizadores podem sentir-se um pouco perdidos numa nova interface. Dá-lhes pistas de onde podem começar através do microcopy.
  • Ajuda-os a importar os seus dados. Se é provável que as pessoas tenham os seus dados guardados noutro sítio, ajuda-os a importar essa informação.
  • Guia-os passo a passo. Se os teus utilizadores têm de seguir uma série de passos para completar uma tarefa, mostra-lhes o caminho e leva-os pela mão em cada passo. Podes adicionar instruções ou dicas de contexto na sua primeira interação com uma funcionalidade em particular.

Por exemplo, o Slack tem uma abordagem à comunicação no trabalho diferente dos emails. Uma combinação de tooltips e um Slackbot amigável ajuda os utilizadores a ficarem à vontade com essa forma radicalmente diferente de enviar mensagens.

Testes de usabilidade

Dá os teus produtos aos utilizadores e vê como interagem com eles. Pede-lhes que pensem alto enquanto usam os produtos para perceberes se interpretam o design como esperavas. Com pessoas que vivem e respiram produto, até o mais experiente dos designers pode criar uma falha. Os testes de usabilidade ajudam-te a ficar fora da fotografia e a assistir a utilizadores reais a usar o teu produto. Onde clicam ou tocam? São capazes de completar as tarefas que querem? Onde ficam bloqueados?

Em resumo

Vários fatores determinam se os teus utilizadores vão interagir de forma contínua com o que ofereces. De um modo geral, esses fatores estão relacionados com a proposta de valor (os benefícios que dás aos teus utilizadores), a forma como comunicas a proposta de valor e a experiência do produto.

User research qualitativa vai ajudar-te a avaliar se a tua proposta de valor se alinha com os requisitos dos teus utilizadores e a identificar como podes colmatar qualquer falha. Também podes aplicar as tuas conclusões na estratégia de comunicação para explicar melhor a proposta de valor.

Seja o que planeias entregar, uma nova funcionalidade ou uma revisão da mensagem da landing page, garante que vais testando e iterando o design, tanto quanto necessário. O teste dos 5 segundos vai ajudar-te a perceber se as mensagens funcionam, enquanto os testes de usabilidade te vão ajudar a melhorar a usabilidade dos teus produtos.

Estes fatores só são relevantes depois de conseguires atrair pessoas para os teus produtos. Ainda vais precisar de contactar com potenciais clientes e utilizadores e trazê-los até ti. Depois de teres a sua atenção, tens de seduzi-los com a tua proposta de valor e experiência do produto ou serviço digital.

Referências adicionais

Laura Klein explica 3 razões pelas quais as pessoas não convertem neste webinar divertido (aproximadamente 1 hora): The Three Reasons Users Don’t Convert.

Tudo sobre design de propostas de valor no livro: Alexander Osterwalder, Yves Pigneur, Gregory Bernada, Alan Smith, Patricia Papadakos, Value Proposition Design, 2014.

Jakob Nielsen explica os números na base da sua conclusão de que os primeiros 10 segundos são os mais importantes: How Long Do Users Stay on Web Pages?.

Para explorar mais a fundo conceitos de Economia Comportamental e como é possível persuadir pessoas a agirem, de forma ética, claro, o livro: The Process of Persuasion — How to Make a Casual Browser an Intrigued User.

Sugestões de formação

A Interaction Design Foundation pode te ajudar aprofundar este tópico. Aproveita a parceria entre a IxDF e o DXD para conseguires aceder a formações especializadas, com alguns dos melhores e mais reconhecidos profissionais da área. Para explorares muito mais a relação do UX com os negócios e as ferramentas que precisas para tirar partido dessa simbiose perfeita, aqui ficam algumas sugestões de formações sobre o tema na plataforma da IxDF.

Dossiê temático

Este artigo integra o dossiê “UX é bom para o negócio. Porquê?” uma iniciativa do DXD em conjunto com a Interaction Design Foundation. O dossiê explora essencialmente a relação e o impacto positivo do UX no negócio das empresas. Uma vez por mês o DXD publicará um artigo integrado neste dossiê, utilizando os conteúdos da IxDF e ajudando a plataforma na sua tradução para português. Consulta todos os artigos do dossiê e descobre como o UX pode ajudar os negócios e a economia.

Tradução e revisão © Filipa Moreno
Fotografia © Afif Ramdhasuma (Unsplash)