Nos tempos que correm, dificilmente alguém negará a importância da transparência na construção de relações de confiança, por um lado entre o Estado e os cidadãos, por outro entre as empresas e os consumidores, e, ainda de forma muito mais abrangente, entre qualquer tipo de organização e as pessoas. Seja qual for o contexto, uma organização transparente nos seus propósitos e funcionamento, só tem a ganhar em reputação, notoriedade e reconhecimento.
Embora seja um valor difícil de quantificar muitas vezes, a transparência não é um caminho abstrato. Não é uma palavra que fica bem nos discursos, mas que depois não se consegue concretizar através de ações concretas. Aliás, se existe coisa que a transparência não é, é abstrata. Alicerçada num conceito mais abrangente de accountability, a transparência reflete-se na sua mais simples e pragmática visão, em processos de prestação de contas por parte de quem gere algum tipo de organização, possibilitando a todas as pessoas, uma compressão através de evidências da forma como é gerida essa mesma organização.
Transparência não é uma caça às bruxas
É importante que fique claro que transparência não quer dizer “policiamento”. Não pode, nem deve, ser uma caça às bruxas à procura do erro. As organizações são, por norma, geridas por quem é escolhido ou eleito de forma idónea para o efeito. É fundamental confiar nestes processos legítimos, pois são eles o garante também da sustentabilidade do funcionamento da sociedade. Contudo, essa escolha e legitimação também não quer dizer que não seja importante prestar contas das decisões tomadas e é aqui que se torna tão importante a transparência.
A responsabilidade de gerir uma organização não é um exercício isento de erros, muito pelo contrário. Para um discurso e análise sustentada, não adianta embarcar em demagogias e acreditar que gerir uma organização, seja ela de que tipo for, será uma atividade perfeita. Aliás, gerir implica em última análise, decidir. Umas vezes bem, outras menos bem. É um processo normal a que só está sujeito quem tem a responsabilidade de gerir algo, preferencialmente alicerçando as decisões em estratégias e evidências, mais do que em opiniões.
O papel da tecnologia na transparência
Para lá da discussão em torno do conceito da transparência, a sua relevância ou implicações, a exequibilidade desta prestação de contas sobre a governança de uma organização, tende a ser mais objetiva. Para se prestar contas de algo, é necessária informação, ou melhor dizendo, dados transformados em informação. Dados em quantidade e escala suficiente para se conseguir ter uma visão completa da organização, mas também conseguir transformar esse volume de dados em informação inteligível e fácil de perceber por qualquer pessoa.
É precisamente aqui que a tecnologia pode ser uma ajuda valiosa para a transparência. O tempo do papel terminou, quer dizer, quase terminou, porque sabemos bem que nem todas as organizações fizeram a sua transformação digital. Mas, apesar disso, só com ajuda da tecnologia, dos seus algoritmos e automatismos, é que qualquer organização conseguirá recolher, consolidar e organizar o volume de dados que tem à disposição. Por sua vez, é este trabalho que permite gerar a informação que possibilita a qualquer pessoa, conhecer e compreender o rumo da governação da organização. Só com esta informação sobre a governança é possível não só avaliar o caminho percorrido até então, como permitir às pessoas também participarem na construção do caminho futuro.
Modelo para a transparência através da tecnologia
É simples de compreender neste ponto a importância da tecnologia para a transparência. Não é difícil imaginar alguns cenários, onde sem isto seria quase impossível, perceber tudo o que vai acontecendo numa organização, seja ela pública ou privada. Dependendo das perspectivas, o caminho de evolução de uma organização rumo a modelos de gestão mais transparentes utilizando a tecnologia, pode ter várias etapas diferentes.
Não existem soluções perfeitas para todos os contextos. Conforme o modelo e contexto de cada organização, este caminho pode ter vários rumos diferentes, todos igualmente válidos. Para facilitar o mapeamento e compreensão das eventuais etapas que podem estar subjacentes ao desafio da transparência numa organização, podemos tomar como referência cinco etapas diferentes.
1. Identificar e congregar as fontes de dados
O primeiro passo de qualquer modelo para a transparência deve garantir a identificação, recolha e consolidação de todas as fontes de dados que poderão ser utilizados na partilha de informação. Não raras vezes, para uma leitura mais estruturada da governança da organização é necessário recorrer a diferentes conjuntos de dados. Este ecossistema de recolha de dados deve ser mapeado e quando necessário otimizada a relação entre as diferentes fontes de dados.
Na medida do possível, este deve ser um ecossistema em constante evolução. As fontes de dados que poderão surgir são bastantes e devem refletir a governação da organização em várias dimensões, como por exemplo: orçamental, recursos humanos, negócios, etc.
2. Partilhar publicamente os dados abertos
Depois de identificadas e organizadas as fontes de dados é fundamental garantir desde logo a sua partilha pública. Embora uma das etapas essenciais para um modelo de transparência seja criar leituras simples tendo como fonte estes dados, para uma transparência efetiva é de todo importante garantir que quem queira, possa consultar as fontes originais de dados abertos e a partir disso também retirar as suas próprias conclusões.
Sobre este tópico importa ainda clarificar o conceito de dados abertos. Por dados abertos, entende-se toda e qualquer fonte de dados não tratados e sem nenhum tipo de filtragem. Estes dados abertos são por norma disponibilizados através de ficheiros de folhas de cálculo (.xls, .ods, etc.).
3. Simplificar a informação e a sua leitura
Tendo por base os conjuntos de dados abertos recolhidos e consolidados nas etapas anteriores, a etapa seguinte é porventura uma das mais relevantes. Não existe transparência sem informação que possa ser compreendida por toda e qualquer pessoa. A complexidade da informação é inimiga de uma boa compreensão, que, por sua vez, pode levar a desconfianças infundadas.
Ninguém confia em algo que não compreende. Por isso mesmo, é preponderante, mesmo podendo ter um volume bastante considerável de dados disponíveis, saber estruturar a informação em várias camadas de leitura, escolhendo pelo caminho as informações essenciais sobre cada um dos temas, mas deixando claro, sempre disponíveis as fontes originais de dados abertos.
4. Recolher e dar resposta a contributos e dúvidas
A comunicação fluida e ágil entre a organização e as pessoas é outro dos pilares essenciais de qualquer modelo para a transparência. Não basta disponibilizar os dados e a informação é necessário estar disponível para esclarecer quem consulta toda essa informação.
É natural que na interpretação da informação surjam todo o tipo de dúvidas. Estar disponível para esclarecer essas interpretações, pode significar evitar mal entendidos ou a compreensão de meias palavras, que no final do dia, pode ser o embrião para gerar uma desconfiança sem nenhuma necessidade.
5. Manter atualidade dos dados e informação
Por fim, mas não menos importante, para que qualquer organização possa efetivamente pautar a sua ação pela transparência, é necessário que isto seja uma dinâmica recorrente. Não basta parecer transparente, é necessário sê-lo efetivamente. Quer isto dizer que as preocupações pela disponibilização de dados abertos e informação inteligível têm que ser permanentes, garantindo sempre a atualização da informação em cada momento.
A transparência é um caminho que se faz caminhando, todos os dias e de forma persistente. Não é um evento isolado que legitima eternamente toda e qualquer ação de gestão. Começar é fundamental, mas continuar o caminho é ainda mais importante.
Como está a transparência da tua organização?
Sendo também um caminho de crescimento de qualquer organização, saber o ponto de evolução atual, será sempre o primeiro passo. Pode não ser uma análise fácil. Por norma, falar de transparência levanta sempre alguns receios de se encontrar coisas que possam não estar tão bem no funcionamento da organização. Contudo, é importante sempre lembrar que esta não é uma “caça às bruxas”, mas sim um contributo sincero e verdadeiro para a construção de melhores e mais relevantes organizações.
Na medida do possível, a resposta a esta questão “Como está a transparência da tua organização?” deve envolver todos os departamentos da organização numa dinâmica transversal. Tentando encontrar e definir os indicadores que possam tangibilizar uma possível resposta. Para começar pode também ser uma ajuda, percorrer as várias etapas do “Modelo para a transparência através da tecnologia” e avaliar em que ponto esta a execução de cada um daqueles objetivos.
Fotografia © Anant Jain (Unsplash)