AccessibilityOps e como tornar a máquina acessível

Como pode a minha empresa garantir a acessibilidade dos seus produtos e serviços digitais? Porque razão ainda não o estamos a fazer? O que é preciso fazer para que isso aconteça? É necessário um investimento avultado? De quanto estamos a falar? Não é difícil encontrar empresas com este tipo de questões sobre o tema da acessibilidade digital. É certo que existem muitas outras que ainda nem chegaram a etapa de começar a colocarem estas perguntas. Mas as que já passaram essa curva inicial, facilmente se vão deparar com uma montanha muito difícil de escalar e que pode gerar algum desânimo logo no inicio do caminho.

É importante ir por partes nesta conversa. Nada vai acontecer do dia para a noite, seja por que razão for. Mesmo que exista uma pressão legal (que existe em muitos casos) para que os produtos e serviços digitais estejam conformes a lei, a transformação não ocorrerá de qualquer maneira. É necessário uma análise cuidada do ecossistema digital da empresa e uma estratégia clara de como essa transformação pode acontecer ao longo do tempo.

Embora possamos encontrar no mercado algumas soluções mágicas, que com “apenas um clique” vão tornar o nosso website acessível, isso é um redondo engano. A acessibilidade pode e deve ser um trabalho transversal ao longo de todas as etapas do projecto e participada por todos os profissionais da equipa. Só assim se conseguirá realizar uma transformação acessível realmente fundamentada e que possa perdurar no tempo.

Aliás, quando falamos de acessibilidade em empresas de média e grande escala, este é sem dúvida um dos pontos mais importantes. Imaginemos uma empresa com dezenas (ou centenas) de plataformas e aplicações. São milhares (ou milhões) de ecrãs, fruto do trabalho de muitas equipas de projecto diferentes ao longo de inúmeros sprints. Se este contexto ainda não incorporar boas práticas de acessibilidade digital, então teremos uma bela e muito desafiante empreitada pela frente.

Primeiro os processos de trabalho das equipas

Chegados a este ponto, importa perceber o que fazer a seguir. Percebendo que muitos produtos e serviços digitais na empresa não cumprem os requisitos mínimos de acessibilidade a tendência poderá ser criar task-forces para levar por diante essas empreitadas. Eventualmente contratar reforços para as equipas. Definir planos de trabalho exigentes e calendários ainda mais apertados. Este é um caminho que pode ser seguido. Fica ao critério de cada empresa. Mas não é, pelo menos quanto a mim, o caminho mais inteligente.

O objetivo da acessibilidade não é ser conforme com a lei. Claro que isso é um requisito. Mas o verdadeiro objetivo da acessibilidade digital é ajudar a disponibilizar todos os dias, produtos e serviços digitais que as pessoas consigam utilizar. Logo, não se trata de tornar acessível a versão atual desses produtos e serviços digitais, mas sim, garantir que daqui para a frente, esta e todas as versões que se seguiram, serão acessíveis. Isto vai muito além do produto ou serviço digital em que estamos a trabalhar neste momento. Tem que ver profundamente com os processos de trabalho da própria empresa e se estes incorporam ou não preocupações de acessibilidade, em todas as etapas das suas metodologias sem excepção.

AccessibilityOps

Mais importante que tornar este ou aquele produto ou serviço digital acessível, é tornar os processos de trabalho da empresa acessíveis. Ou melhor dizendo. Garantir que em todas as etapas dos processos, participados por várias pessoas da empresa, a acessibilidade digital está presente de forma natural e não como mero requisito do caderno de encargos. A bem da verdade, se a abordagem for a acessibilidade como mero requisito técnico, muito provavelmente a maior parte das pessoas nas equipas, nem perceberá bem como a implementar na prática das suas tarefas do dia a dia.

É aqui que entra o AccessibilityOps. Os “ops” entraram na ordem do dia das equipas digitais. DevOps, DesignOps, ProductOps e por aí em diante. Na prática estas designações, mais que não são que a sustentação da importância e consciencialização das equipas, que é fundamental pensar de forma consciente e estruturada a operação destas disciplinas. Garantir que estes processos complexos são o mais otimizados possíveis e as pessoas que lhes dão corpo, percebem perfeitamente qual é o seu papel.

Assim acontece com o AccessibilityOps. Na prática isto representa a necessidade de pensar de forma consciente os processos em torno da acessibilidade. Em que etapas deve estar em cima da mesa, quem tem a responsabilidade do quê, que ferramentas podem ajudar a otimizar o trabalho, quais os processos de controlo a implementar e por aí em diante. Mais que focar neste ou naquele produto ou serviço digital, o caminho da acessibilidade em escala numa grande organização, pode passar essencialmente por tornar a “máquina” que constrói esses produtos e serviços digitais, ou seja a própria empresa, realmente acessível.

Com esta visão, em oposição ao foco circunscrito em determinados produtos ou serviços digitais, vamos garantir, com o tempo e o investimento continuado, que não só um ou dois produtos ou serviços serão acessíveis, mas sim, todos aqueles que a empresa estiver a trabalhar. O AccessibilityOps é um investimento de médio e longo prazo mas que pode ajudar e muito numa transformação mais sustentada e que perdure ao longo do tempo.

AccessFrame

O AccessFrame pode ajudar muito nesta visão de AccessibilityOps. Lançado a 18 de Maio de 2023 a propósito do Global Accessibility Awareness Day (GAAD) por Ruben Ferreira Duarte, este modelo conceptual, procura essencialmente ajudar as empresas a identificarem potenciais áreas de trabalho para a criação de uma cultura de acessibilidade em transformação digital. É um modelo abstracto que pode ajudar a mapear as diferentes vertentes de trabalho, com um único objetivo: transformar os processos de trabalho na empresa e a sua cultura de acessibilidade.

Este modelo para a transformação da acessibilidade dos produtos e serviços digitais das empresas, é constituído por 7 dimensões diferentes: avaliar, planear, promover, integrar, certificar, capacitar e otimizar. Estas dimensões não são estanques em si e devem ser tangibilizadas na vida da empresa, com iniciativas e atividades concretas que vão para lá da realidade de um ou outro projecto em específico, mas que abrangem a organização de forma transversal.

Caminho pé-ante-pé

É importante ser muito claro. O AccessibilityOps, não é uma solução milagrosa ou um remédio rápido. Para que o princípio funcione verdadeiramente, é necessário investimento continuado na estratégia. Contudo os ganhos são esmagadores, quando comparado com uma abordagem projecto a projecto. Se não existir este investimento transversal, a empresa e a realidade dos seus projectos, vão se estar sempre a debater com os mesmos problemas. Especialmente com a rotatividade de pessoas nas organizações, isto quer dizer que muito do conhecimento acumulado pode ir embora de um momento para o outro e a empresa recomeçar todo o processo de novo, sempre que alguém sai das equipas. Isto, até pela própria ótica de gestão, não faz muito sentido.

É fundamental salvaguardar a empresa disto. Garantir que a acessibilidade não está circunscrita a uma ou duas pessoas na empresa, mas está sim, no ADN da própria organização de forma profunda. Só assim, conseguiremos no curto, médio e longo prazo, garantir que a acessibilidade digital se torna num valor acrescentando e algo que possa trazer muitas mais-valias, não só para os utilizadores mas também para o próprio negócio da empresa.

Fotografia © Mike Hindle (Unsplash)