Alinhar negócio e design: todos os pontos de contacto com a marca importam

A experiência de relação de uma marca com os clientes é muito mais que um processo de venda. É claro que a venda de produtos ou serviços é uma parte fundamental dessa relação. Mas, se a ambição da marca for realmente criar uma relação, os pontos de contacto da marca com os clientes, deverão ir muito mais além do ponto de venda. Por outro lado, a identidade da marca pode e deve estar em todos esses pontos de contacto.

A dimensão intangível de uma marca vê-se também em todas as emoções que desperta nos seus clientes. Quase como se de uma pessoa se trata-se. Independentemente do ponto de contacto que o cliente possa utilizar em cada momento, é fundamental que a “pessoa” com quem se está a relacionar seja a mesma. Quer isto dizer que as marcas não podem ter personalidades diferentes num ponto de contacto ou noutro. É fundamental que a personalidade da marca seja sempre a mesma, seja em que momento for e nisto o UX pode também dar uma ajuda valiosa.

Este artigo é uma tradução e adaptação do artigo original Align business and design because all user-brand touchpoints matter! – UX Ecosystem Design Part II integrado na parceria de Educational Partner entre a Interaction Design Foundation e o DXD.

O que é um ecossistema de UX e o que é que tem que ver com o sucesso das marcas? O ecossistema de UX vai além de um simples design responsivo, na terminologia de web design. Vai mais longe do que a mera garantia de um design que se adapta nos vários dispositivos onde vive. Um ecossistema de UX abrange um conjunto de componentes discretos, mas interdependentes, incluindo diferentes formatos (físico, digital e híbrido), diferentes tipos de entidades (dados, elementos físicos e pessoas), e ainda diferentes media.

O teu objetivo, como UX designer, é desenhar um ecossistema focado no utilizador, com dispositivos, objetos e serviços nas várias plataformas, de uma maneira simples, agradável e coerente. E isso exige um entendimento das pessoas como componentes sociais, culturais e organizacionais, ligados a outras pessoas, outras tecnologias, e a grandes quantidades de informação.

Índice

Em que marca pensas ao olhar para esta imagem?

A Lego conseguiu usar o poder do UX design holístico. Desenhar uma experiência de utilizador holística significa abraçar todos os componentes da empresa como parte do todo. Nestes casos, não interessa de que mundo – digital, físico, híbrido –, a interação nem os dispositivos, tudo é considerado um ponto de contacto com a marca. Poderoso e fora do comum ao mesmo tempo! Agora, tira alguns segundos para pensar em 5 marcas que oferecem uma experiência fluída em todas as interações com elas. De certeza que só te ocorre menos de uma mão cheia de empresas.

Vamos ver: provavelmente pensaste na Apple. E fora do setor da tecnologia? Talvez a Coca-Cola e a Levi’s? Uma maneira fácil de reconhecer estas marcas é, quando vês um anúncio, e antes de reparares no logótipo, tentaram adivinhar a marca a que pertence. Ainda que isto não signifique que oferecem uma ótima experiência de utilizador em todos os pontos de contacto, certamente que têm os esforços de marca alinhados.

Como é que a Lego consegue fazer-te sentir dentro de um conjunto de blocos de Lego quando entras numa das suas lojas? Do ponto de vista da cultura da empresa, a experiência de utilizador holística só pode acontecer se existir o alinhamento da organização.

Então e a Amazon ou a Google? A realidade é que uma boa UX ao longo e em todos os componentes do ecossistema é muito difícil de alcançar e mesmo as marcas que são melhores nisso, por vezes, têm breakdowns; como quando passas vários minutos a tentar perceber como funciona o iTunes ou quando a Google lança uma nova user interface para a sua aplicação da Drive. Existem tantos elementos em tantos níveis que é muito fácil perder algum deles. Ainda assim, nesta série sobre o design do ecossistema de UX, trazemos aspetos concretos para ajudar designers.

O segredo da invenção do futuro da brincadeira

O segredo da Lego é combinar uma missão forte e clara – inventar o futuro da brincadeira – com trabalho rigoroso e research contínua sobre os pontos de contacto com os clientes e sobre como oferecer produtos inovadores. Por causa disso, a Lego tornou-se nada mais que a Apple dos brinquedos, uma empresa geradora de lucro, orientada pelo design e construída em torno de hardware intuitivo com fãs fiéis que querem sempre mais. Mas não foi sempre assim.

A palavra “lego” é uma abreviatura de 2 palavras dinamarquesas que significam “brincar bem”. Em latim, significam “eu construo”. Sabias que podes montar os teus blocos de Lego atuais com os primeiros que foram feitos em 1949 e todos os que foram produzidos entretanto? Para nós, esta é uma grande prova de uma missão sólida levada ao longo de quase 100 anos. (A Lego foi criada em 1932.)

Mas nem sempre foi fácil para a Lego alinhar negócio e design. Entre 1993 e 2004, a Lego teve dificuldade em sobreviver e em resolver 2 dos seus maiores problemas nessa altura:

  1. A Lego tinha atingido o seu ciclo de crescimento natural.
  2. A falta de ligação entre a sua inovação e os seus objetivos de negócio.

Como o negócio e as equipas criativas estavam a trabalhar em silos, cada departamento ia para diferentes direções e sem nenhum tipo de comunicação entre si.

Esta falta de alinhamento entre negócio e criatividade levou a escolhas erradas de novos produtos, como o sucesso de curto-prazo relacionado com filmes da moda, como as linhas Harry Potter e Star Wars. Ao mesmo tempo e geraram perdas e levaram a um desalinhamento entre os vários pontos de contacto da marca com o consumidor. Por outras palavras, isso fez com que a Lego perdesse o rumo. Como resultado disso, a empresa teve de dispensar 1000 trabalhadores, e Kjeld Kirk Kristiansen, filho do fundador da Lego, retirou-se para dar lugar a um novo presidente.

Construir o alinhamento de toda a organização

O ano de 2004 marcou o início de uma nova era para a Lego. Uma era que começou com o reencontro entre criatividade e negócio. A estratégia de visão partilhada (Shared Vision) da Lego – um plano com 7 anos definido nessa altura – permitiu este reencontro e colocou o processo de inovação no centro da organização. Tirou a equipa criativa do seu silo e ligou-a aos objetivos de negócio da empresa, gerando uma estratégia que abrangeu toda a empresa. Como consequência, a estratégia da Lego voltou à vida, com produtos que satisfizeram as necessidades tanto da criatividade como do negócio.

Como parte desta nova visão, a empresa criou o modelo Design for Business (D4B, “desenhar para o negócio”). Este modelo trouxe um processo de gestão único, permitindo que o design e a inovação fossem integrados de forma mais holística na organização. O que, por sua vez, permitiu que existisse uma experiência de utilizador mais holística. Uma experiência focada no utilizador e no alinhamento dos diversos pontos de contacto. Como está resumido no poster da D4B, desenhar para o negócio:

  • É melhorar o contributo do design para o negócio.
  • Através do aumento da sua eficácia e eficiência sem perder o poder da criatividade.
  • Com um conjunto de ferramentas e processos relacionados, incluindo mentoria e implementação.
  • Para as equipas de gestão, de desenvolvimento e designers.

Isto é: o design está no centro da empresa e afeta e é afetado por todos os departamentos e colaboradores para aproveitar ao máximo o poder da criatividade.

Fazer user research na selva

Em 2007, a Lego começou a conduzir estudos etnográficos de como as crianças de todo o mundo realmente brincavam. Se queres inventar o futuro da brincadeira, tens de descobrir qual é o presente da brincadeira. Portanto, seguindo a máxima “se queres perceber como vivem os animais, não vais ao zoo, vai à selva”, a Lego começou a trabalhar numa verdadeira abordagem de design thinking à inovação.

Esta research levou ao lançamento do Lego Friends, em 2011, o site de crowdsourcing Lego Ideas e o Lego Fusion. O Lego Friends – com as suas cores roxas e rosas – prestaram-se ao modo “faz-de-conta”, mais comum entre as meninas, criando assim um crescente número de clientes que queriam comprar os produtos da Lego.

O Lego Fusion foi concebido a partir de conclusões de user research: as crianças já não fazem distinções significativas entre brincar no mundo digital e brincar no mundo físico. Apesar de a coleção Fusion ter sido agora descontinuada, a empresa está a trabalhar no “One Reality”, uma linha de trabalho que enfatiza novas experiências híbridas digital-físico da Lego, que combina a brincadeira com os blocos ao mesmo tempo que um software corre num telemóvel, tablet ou computador.

O sucesso destes produtos e de outros como o Lego Architecture ou o Lego Movie são exemplos de uma empresa completamente alinhada em todos os pontos de contacto e aspetos da experiência de utilizador. Um foco claro não impede que a empresa inove em diversos produtos, mas garante que todos estão a trabalhar para o mesmo objetivo. A Lego abrange uma estratégia de UX holística suportada por user research contínua e seguida de UX design em todos os canais (cross-channel). Cada componente é desenhado como uma parte individual mas interdependente. Por este propósito, a empresa usa a conceptualização interna e muitas outras ferramentas de comunicação como o mapa da experiência de cliente (a Customer Experience Wheel da Lego).

O mapa da customer experience da Lego

Enquanto este mapa é uma das muitas ferramentas e processos da Lego, trazemo-lo aqui porque é um exemplo claro e visual do que significa a abordagem holística a UX. Este mapa representa visualmente a experiência de um executivo ao visitar a LEGO e uma ferramenta fundamental no alinhamentos dos vários pontos de contacto com a marca. Analisa-o em detalhe. Vamos dissecar este mapa com as nossas ferramentas cirúrgicas:

  • Este mapa está dividido igualmente em 3 partes. Se estivermos a desenhar para a experiência de um executivo na LEgo, por que é que estamos a olhar para a experiência no aeroporto e no hotel? E a dar ainda mais importância ao “antes” e ao “depois” juntos do que ao “durante”? Bem, porque para essa pessoa a experiência envolve todos estes passos e todos eles vão afetar como se sente acerca da visita.
  • O utilizador está no epicentro; não é a experiência de qualquer pessoa, é a experiência do Richard, que representa um perfil de utilizador específico.
  • Lacunas ou interrupções durante a experiência são notadas. Não são breakdowns, mas momentos em que o utilizador perde contacto com a marca e pode decidir ir embora.
  • O mapa é baseado em dados. Momentos para os quais existem dados são notados. Por isso, é informação real de utilizadores que alimenta o design.
  • Cada passo da experiência holística é avaliado individualmente. Podes pensar: não interessa se a experiência não é perfeita em certo momento. Bem, realmente interessa, porque uma experiência negativa é transportada para o passo seguinte e define as expectativas do utilizador para o que pode vir aí.

Tanta informação e poder impregnados num só mapa, certo? Tanta quanto uma lâmpada em forma de bloco de Lego. Reparaste neste detalhe ao olhar para a imagem da loja da Lego? Tanto o mapa como a lâmpada são exemplos de como a Lego cuida cada detalhe individualmente e também como parte do todo.

Em resumo

Como organização, a Lego é um exemplo dos benefícios do UX design holístico. Todos os pontos de contacto estão alinhados com a estratégia da empresa, sejam digitais, físicos ou híbridos. A caminhada até à existência desse ecossistema tirou a equipa criativa do seu silo e ligou-a aos objetivos de negócio.

Uma das peças dessa estratégia foi conduzir estudos etnográficos para ver como as crianças brincavam. Com isso, a Lego descobriu que as crianças já não distinguem entre digital e físico no que toca à brincadeira. Os produtos que criaram a partir daí foram um sucesso.

O mapa de experiência da Lego prova o resultado desta abordagem holística à experiência, que coloca o utilizador no centro e que descreve os seus momentos de interação com a marca. O que acontece em cada momento interessa, porque uma experiência negativa é transportada para o passo seguinte.

Referências adicionais

Mais sobre criatividade e inovação com a Lego no artigo da Smashing Magazine do autor Rafiq Elmansy.

Artigo da Fast Company do autor Jonathan Ringen e a forma como a Lego se tornou a Apple dos brinquedos

A história da Lego explicada pela própria empresa.

Primeiro artigo da série publicado na Interaction Design Foundation.

Sugestões de formação

A Interaction Design Foundation pode te ajudar aprofundar este tópico. Aproveita a parceria entre a IxDF e o DXD para conseguires aceder a formações especializadas, com alguns dos melhores e mais reconhecidos profissionais da área. Para explorares muito mais a relação do UX com os negócios e as ferramentas que precisas para tirar partido dessa simbiose perfeita, aqui ficam algumas sugestões de formações sobre o tema na plataforma da IxDF.

Dossiê temático

Este artigo integra o dossiê “UX é bom para o negócio. Porquê?” uma iniciativa do DXD em conjunto com a Interaction Design Foundation. O dossiê explora essencialmente a relação e o impacto positivo do UX no negócio das empresas. Uma vez por mês o DXD publicará um artigo integrado neste dossiê, utilizando os conteúdos da IxDF e ajudando a plataforma na sua tradução para português. Consulta todos os artigos do dossiê e descobre como o UX pode ajudar os negócios e a economia.

Tradução e revisão © Filipa Moreno
Fotografia © Kenny Eliason (Unsplash)