As competências de um UX designer em 2088

Não raras vezes, neste ou naquele debate ou artigo, assistimos ao exercício de se tentar imaginar como será a indústria digital no futuro e mais concretamente quais deverão ser as competências dos designers, seja de UX ou qualquer outra disciplina, nessa indústria do futuro.

O passado recente mostrou que o futuro é um lugar estranho, ou melhor, no mínimo incerto. Por mais planeamento que possa existir, por mais tendências que se possam identificar, percebemos que a humanidade não está livre de enfrentar desafios só possíveis de imaginar numa produção de Hollywood.

Ainda assim, o exercício de imaginar a indústria digital do futuro e o papel que terá a disciplina do design a que chamamos hoje de UX (mas que amanhã poderá ser outra coisa qualquer), não deixa de ser um desafio importante e valioso.

Tendência para a especialização

Certezas e palpites à parte e antes de viajarmos ao futuro, com um ou outro nome, numa ou outra área mais específica do UX, assistimos a uma clara e estruturada especialização de competências mas também perfis. É difícil generalizar com algum grau de certeza, mas com uma pesquisa rápida pelos perfis de profissionais que o mercado de trabalho de UX procura hoje, vemos uma tendência nas equipas para integrarem pessoas concretas de determinadas competências.

Sejam UX Researchers, UX Writers, Visual Designers ou muitos outros perfis, é fácil perceber que o designer unicórnio é cada vez menos valorizado e cada vez mais transformado em vários perfis diferentes. Sobre o futuro e a especialização das competências, a pergunta que importa fazer neste ponto é: será que vamos continuar a assistir a uma especialização cada vez maior das competências em profissionais diferentes? Ou a dada altura, com tantos perfis diferentes, se torna impossível gerir uma orquestra tão complexa e o UX designer unicórnio voltará a ser o padrão?

Mais competências e menos títulos

A resposta a esta pergunta não é fácil (como o futuro nunca é). Tentar adivinhar o futuro, ainda para mais de uma disciplina do design tão “recente” como o UX, pode ser à partida um exercício condenado ao fracasso. Ainda assim imaginar não custa.

Assistimos até aqui a uma definição dos profissionais essencialmente pelos seus títulos, sabendo que cada um dos títulos tem por norma associadas uma série de competências e responsabilidades. São estes títulos que medeiam a expectativa da indústria face aquilo que se pode esperar de cada profissional. Títulos como UX designer, UI designer, graphic designer, visual designer, UX writer, UX researcher, product designer são bastante comuns nas equipas e nos anúncios de emprego. Por norma, é a atribuição de cada um destes títulos que diz o que podemos esperar de cada uma destas pessoas nas equipas.

Competências técnicas de UX © Nielsen Norman Group

Mas, e se o futuro nos reservasse uma indústria mais organizada pelas competências ao invés dos títulos? Os profissionais e o seu papel nas equipas poderia ser mapeado pelas suas aptidões e não necessariamente pelo titulo que pudessem envergar. A verdade é que o design é em si uma disciplina multidisciplinar. Não raras vezes vemos designers capazes de utilizar diferentes competências com um grau de excelência bastante significativo. A associação de um ou outro título, mais fechado na sua amplitude, pode deixar de lado esta versatilidade, tendendo a que as equipas formatem em demasia aquilo que são os seus talentos. No design, fará sentido chegarmos a um modelo de linha de montagem ao estilo de Ford, em que cada participante tem uma e única responsabilidade bastante circunscrita?

Talvez não. Espero bem que não. O desafio para a indústria, mas principalmente para a comunidade de designers em si, passa por estruturar-se mais em torno das competências de cada profissional ao invés dos títulos. Porque as palavras têm o valor que têm e quando assumimos alguém como “designer”, independentemente da sua formação académica e o meio para o qual trabalha, estaremos a falar de profissionais assim tão diferentes?

Vamos entrar na máquina do tempo

Chegámos a 2088. Cem anos depois do lançamento da primeira edição da obra seminal para a disciplina de UX de Don Norman, o “The design of everyday things”, o mundo, a indústria e a disciplina são hoje muito diferentes. Depois da pandemia de 2020, o mundo deparou-se com uma realidade que comprovou, de forma taxativa, três ideias muito simples mas igualmente poderosas:

  1. A tecnologia digital pode ser algo de bom, capaz de ligar as pessoas e facilitar muitas das tarefas do dia a dia, quando utilizada com ponderação;
  2. Por muita tecnologia que possamos ter (e temos) nada substitui as relações empáticas e afetivas entre as pessoas;
  3. Faz pouco sentido falar de “novas tecnologias” quando nos referimos a coisas que já são uma commodity para a generalidade da população do planeta.

Por outro lado, 2088 trouxe também consigo um desafio inesperado. Temos hoje informação a mais. A capacidade de processamento humano e o ritmo acelerado da vida do quotidiano criou um sentimento generalizado de que não tem mal nenhum não estar a par de tudo o que acontece.

Não importa muito saber tudo o que se passa com a família, os amigos, os colegas do trabalho, os colegas do ginásio, na cidade, no país ou no mundo, porque toda essa informação é impossível de assimilar. Não interessa saber tudo o que acontece. Interessa sim conseguir escolher e compreender a informação essencial, sobre as pessoas e os temas mais relevantes para o dia a dia de cada pessoa.

Esta desatualização deixou de criar uma ansiedade na generalidade das pessoas, para passar a ser um sentimento perfeitamente normal e algo com a qual se convive bastante bem em 2088.

Competências de um designer em 2088

No que toca ao design em geral e ao UX em particular, 2088 trouxe consigo um contexto um pouco diferente. O design é hoje assumido como uma disciplina mais una e coesa em si. Comparando com 2020, é raro ouvir o design subdividido em áreas como design gráfico, UX design ou até mesmo o service design.

Com a complexidade dos desafios de relação das marcas e organizações com as pessoas e a necessidade profunda de desenhar todos os aspetos das experiências (sim, em 2088 tudo é uma experiência) tornou-se impossível compartimentar a ação de cada designer, por exemplo segundo meios tão concretos como o on e o offline (outros dois termos que já nem existem em 2088).

A transformação da indústria trouxe também consigo uma metamorfose das competências dos designers essenciais para a criação de experiências capazes de envolver as pessoas de forma mais sustentável e empática possível. É certo que no mercado de 2088 existe um sem fim de competências necessárias, mas algumas tornaram-se fundamentais naquilo que são os projetos de desenho das experiências das marcas e organizações, neste cenário pós-massificação de informação e desatualização consciente.

Online research

Só o Google já não serve enquanto motor de pesquisa. Pelo aumento de informação exponencial, pesquisar informação online tornou-se uma arte. Por outro lado, a digitalização massiva de informação também fez da world wide web (ainda existe) um espaço de pesquisa muito valioso. O online research é a competência que conhece e sabe utilizar como ninguém não só o Google, mas também muitas outras fontes especializadas em busca de informação sobre as pessoas, as suas necessidades, dificuldades, anseios e sonhos.

Mindmap

Por incrível que pareça, os livros ainda existem em 2088. São hoje mais objetos de prazer do que informação utilitária. O mindmap não é apenas a competência que sabe fazer mindmaps, mas acima de tudo, é aquela que consegue explicar de forma muito simples, através de um esquema, informações muito complexas e com bastantes relações.

Agile prototype

Protototipar é uma competência fundamental de qualquer designer em 2088. Fazê-lo de forma rápida e eficiente não é apenas uma mais valia, é uma obrigatoriedade. Programas como o Sketch e o Figma fazem parte da história. O desenho vectorial uniu-se aos automatismos que o código de interface já permitia alguns anos, para criar uma nova geração de ferramentas de prototipagem que programam enquanto desenham e desenham enquanto programam, ajudando os designers a prototiparem experiências absolutamente interativas em tempo real.

Storytelling

A banalização do acesso à informação trouxe consigo infinitas vantagens, mas também um perigo. Perdeu-se a paciência pela vulgaridade. Com a partilha e repartilha da informação, copy e paste desta e daquela fonte, contar histórias credíveis, mas ao mesmo tempo surpreendentes, trouxe ao de cima um talento muito apreciado. O storytelling é a competência de saber transmitir uma informação mesmo que técnica, mas envolta numa história, capaz de cativar quem a vê, ouve, saboreia, cheira ou sente.

Experience science

A eficiência da disciplina do design na sua relação com os negócios das marcas e organizações é uma das premissas essenciais do papel do designer. Tudo na experiência pode ser avaliado em tempo real, através de métricas e aferição de metas quantitativas mas também qualitativas. A experience science é a competência no design que pode ajudar a sistematizar dados e factos que permitem avaliar a qualidade da experiência que é oferecida às pessoas e o impacto disso nos negócios.

Voltando ao presente…

Todas estas competências são um mero exercício de futurologia. Ainda assim, é bom tentar imaginar o futuro. Com todo o grau de incerteza que isso acarreta, se não soubermos para onde caminhamos, dificilmente atingiremos algum objetivo.

No que toca às competências associadas à disciplina do design, existe um desafio ainda maior, que porventura não é do futuro, mas sim do presente. A padronização do perfil do designer tem as suas vantagens. Torna mais fácil o planeamento em grande escala. Contudo, padronizar em demasia aquilo que são as competências dos perfis de designers de uma equipa, tem também o demérito de deixar de lado a capacidade de explorar o imprevisto. Misturar talentos, competências e conceitos que à partida podem parecer inusitados, criando pelo caminho novas e diferenciadoras soluções.

Nem todos os profissionais são iguais e ainda bem. É esta mistura, muitas vezes caótica, que dá ao design, seja qual for a sua vertente, agora ou no futuro, a capacidade de acrescentar valor, ver para lá do evidente e imaginar um futuro que ainda está por criar.

Fotografia © Hunter Haley (Unsplash)