Que os design systems são um tópico incontornável na indústria de product design nos tempos que correm, não será seguramente novidade para ninguém. Estudos como o Mapa dos Design Systems em Portugal 2022 e outros similares a nível internacional, mostram que é quase impossível, trabalhar em product design sem que o tópico faça de alguma forma parte do dia a dia das equipas.
Por outro lado, vemos também que é cada vez mais simples encontrar online conteúdos sobre o tema. Artigos, webinares, podcasts, guias práticos, checklists, entre muitas outras hipóteses, fazem parte da extraordinária oferta que temos à disposição. Tudo isto é incrível e ajuda de muitas maneiras a indústria a crescer e evoluir. A partilha pública e online das experiências de muitas equipas é um contributo fantástico para o processo evolutivo de outras equipas.
A importância das ferramentas
Ao olharmos para todo este cenário existem alguns padrões que nos saltam à vista muito facilmente. Existe uma grande preocupação (e bem) com a parte técnica dos design systems. Muito por causa também, especialmente no lado do design, da associação do tema a empresas de software como o Figma ou Zeroheight. A perspetiva de como construir design systems e o impacto que o software tem sobre esse instrumento, é um tópico que ocupa grande parte da discussão da comunidade.
Uma excelente execução é meio caminho andando para o sucesso. Uma boa ideia (ou boa intenção) com uma fraca execução ou que não utilize as melhores ferramentas para o fazer, terá sempre um resultado aquém do esperado. Como construir bibliotecas de componentes, quais as melhores ferramentas para fazer a ligação entre as equipas de design e development, como documentar componentes, são tudo questões muito relevantes, mas são só uma parte da equação quando o tema são design systems.
A outra metade da equação
Trabalhar com design systems, vai muito além de toda a componente técnica associada. Tudo isso é uma parte fundamental do processo é certo, mas no final do dia é só uma parte da equação. Trabalhar com design systems é muito mais que construir e manter bibliotecas. Trabalhar com design systems, verdadeiramente no mais amplo sentido do conceito, tem muito mais que ver com o mindset sobre o qual queremos trabalhar, mais do que com os artefactos com que queremos trabalhar.
A forma como olhamos para o processo de design (e de development), mais do que as tarefas de desenhar componentes. A perspectiva pela qual vamos olhar para cada problema e os princípios fundamentais que vão guiar tudo aquilo que acontece em cada sprint, tenha ele que objetivo tiver, isto sim é o mindset de design systems.
Revisitar conceitos como mindset
Conceitos como simplicidade, iteração, modularidade, escalabilidade ou partilha são muito provavelmente dos mais fáceis de surgir numa conversa quando o tema são design systems. Acontece que nenhum destes conceitos joga facilmente com a ideia de um design system confinado simplesmente dentro de uma biblioteca de Figma ou de uma base de código num qualquer Storybook.
A aplicação destes e de muitos outros conceitos que vemos geralmente associados ao tópico dos design systems, tem a sua verdadeira aplicação, quando olhamos para os design systems mais como um mindset de trabalho de apoio à construção e manutenção de produtos digitais, do que como um trabalho de criação e gestão de bibliotecas de desenho ou código.
1. Simplicidade
A simplicidade é um conceito caro aos design systems. Ninguém dirá que quer construir um design system complexo, mas a verdade é que não é difícil encontrar design systems com coisas a mais. Componentes com demasiadas variações ou com funções similares e com diferenças meramente visuais, paletas de cores com tantos tons de cor que a maior parte nunca será utilizada no produto ou ainda, só para dar alguns exemplos, regras e mais regras que seria necessário muito mais tempo a percebê-las do que aquele que temos em cada sprint para trabalhar com o design system em si.
Tudo isto, pode ficar fantástico num ou vários ficheiros de Figma, super bem organizados, com emojis e tudo à mistura, mas a verdade é que quando isto acontece, é o conceito da simplicidade dentro do design system que sai prejudicado. O processo de perceber, verdadeiramente, aquilo que precisamos mesmo ter dentro do design system e de que forma é que isso terá uma aplicação concreta no produto digital que estamos a construir é uma parte fundamental do mindset dos design systems.
2. Iteração
Nada está fechado. Esta é uma das frases que mais vezes dizemos nas equipas de produto digital, sejam elas de design ou development. Mas a verdade é que estamos, na generalidade dos casos, permanentemente em sprints para “fechar” coisas. É aquele componente que tem que ficar “fechado” porque alguém está a precisar dele rapidamente. Todas aquelas tarefas que dizemos que vamos fechar a primeira versão para avançarmos depressa e depois voltamos lá, mas raramente lá voltamos.
Iteração não é só uma palavra bonita e que fica bem em qualquer apresentação. É um conceito muito forte (e muito valioso) que nos permite fazer crescer o produto digital (e o design system) como se de um organismo vivo se tratasse. Um conforto com o desconforto permanente de que nada está escrito na pedra e tudo é resultado das necessidades atuais mas que podem mudar no futuro.
3. Modulariedade
Já todos passamos por isto quando alguém na nossa equipa nos diz “isto é só uma coisa simples”. Temo que existam más notícias a dar neste momento. Nada em produto digital é simples. Pensemos bem na complexidade dos produtos digitais que utilizamos (e ajudamos a construir) todos os dias. Em tudo aquilo que está por detrás. A complexidade dos negócios e da tecnologia. Todas as variáveis que têm um grande impacto na interação entre as pessoas e os sistemas. Nada disto é simples, nada disto é fácil de fazer acontecer. Mas essa é a nossa missão.
Tudo isto quer dizer, entre muitas outras coisas, que nada disto vai acontecer de uma só vez. É fundamental conseguir partir os problemas por partes e isto em produto digital (e em design systems), quer dizer, perceber como construiremos um todo, utilizando e reciclando ao máximo pequenas partes. Combinando partes que nem imaginámos que poderiam ser combinadas mas que em determinados contextos poderão fazer todo o sentido serem utilizadas em conjunto. Pensar que estamos sempre a construir peças, mais que obras acabadas, pode ser meio caminho andando para trazer o conceito da modularidade para dentro do mindset verdadeiro de design systems.
4. Escalabilidade
Nem sempre os design systems fazem sentido numa organização. Especialmente em contextos mais pequenos, construir produtos digitais utilizando design systems, pode trazer mais trabalho do que benefícios. O habitat natural dos design systems (ou não fossem eles organismos vivos) são as grandes organizações com um ou vários produtos digitais. Quer isto dizer que em organizações deste género, economias de escala não são uma mais-valia, são um imperativo. Quantas vezes não assistimos departamentos diferentes da mesma organização a investirem dinheiro a fazer exactamente as mesmas coisas (quem nunca?).
Economias de escala, seja do que for dentro de grandes organizações, são um caminho difícil, mas um mindset que quando enraizado por trazer fantásticos benefícios à organização. Imaginar para tudo aquilo que fazemos, dentro e fora do contexto do design system, que aquela solução pode não estar confinada só aquele contexto inicial, mas como poderia ser utilizado noutros contextos da organização, pode ser um exercício de “imaginação” extraordinário. Ter sempre como pensamento de fundo, como pode cada solução ser expandida a outras necessidades, é um truque que nos pode ajudar de forma gradual a criar economias de escalas muito interessantes em qualquer organização.
5. Partilha
Trabalhar em equipa, ou como acontece muitas vezes no contexto dos design systems, em organizações muito grandes é uma missão difícil. Grandes organizações quer dizer muitas pessoas. Muitas pessoas, quer dizer muitas perspectivas diferentes, muitas vezes diferentes das nossas próprias perspectivas. Esta é uma riqueza que em alguns casos pode ter um efeito perverso. As pessoas podem ter algum medo de partilhar aquilo que vão fazendo, um pouco do seu trabalho, com receio de se exporem à critica dos colegas ou até mesmo das chefias. É certo que em muitas organizações isto já não é bem assim, mas em muitas outras este é o dia a dia.
Este tipo de contexto é muito desafiante quando falamos de design systems. Quando se tratam de produtos digitais, a falta de partilha das boas soluções mas também dos fracassos das equipas, pode querer dizer um desperdício de dinheiro da organização gigantesco. Em grandes organizações a “propriedade” tem que ser forçosamente colectiva. Não podem existir, “as minhas soluções” mas sim “as nossas soluções”. Partilhadas e disponíveis a quem possa ser útil. Sejam processos, modelos de pesquisa com clientes, componentes de design system (claro), templates, tudo pode e deve ser partilhado dentro da organização. Afinal de contas, não estamos todos na organização a rumar no mesmo sentido?
O dia em que os design systems serão um mindset
Da próxima vez que fores trabalhar no design system do produto digital que tens em mãos experimenta fazer o seguinte exercício. Pára 5 minutos. Larga o rato e o teclado do computador e pergunta-te a ti próprio: “para além das bibliotecas, que outros benefícios trouxe o design system ao nosso produto digital, que benefícios trouxe o design system à nossa organização?”. Se a resposta for alguma coisa parecida com “agora temos mais componentes para utilizar”, talvez isto possa querer dizer que o design system na organização ainda é só uma library e não um mindset.
No dia em que perceberes que na organização que tem um design system fantástico (não porque é um design system com muitas coisas), as equipas conseguem fazer um exercício sério de procurar sempre as soluções mais simples. Que olham para tudo mais como um processo iterativo e menos como uma tarefa “fechado” no Jira. Que constroem soluções construindo peças modulares recicláveis em diferentes contextos. Que as economias de escala de soluções escaláveis são uma realidade recorrente. E que existe uma verdadeira política open-source de partilha transversal em toda a organização. Então este pode ser o dia em que muito seguramente o design system deixou de ser uma library para passar a ser um mindset. E este dia deve ser muito festejado, porque tu e a tua equipa terão seguramente muita responsabilidade neste macro extraordinário para a organização e para todos os seus produtos digitais.
Fotografia © Jeremy Bishop (Unsplash)