Spoiler alert: este texto foi escrito por um designer, que acredita que com humildade, a disciplina do design e os designers, podem fazer uma grande diferença nos produtos e serviços (digitais ou não) que todos os dias ajudamos a construir.
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A transformação (não transição) digital dos negócios e das empresas, acelerada nos últimos anos por fatores de mercado ou até por outros mais difíceis de prever ? ajudou a trazer para o centro das atividades das organizações, o design e os designers. Não quer dizer que não aconteça, mas é mais difícil hoje, encontrar médias e grandes empresas que não tenham, interna ou externamente, o seu departamento de design, mais em concreto, design relacionado com produtos e serviços digitais. Nem sempre foi assim. Tempos existiram, que muitos dos interfaces dos produtos e serviços digitais das empresas, eram “desenrascados” por alguém que na sua muito boa vontade e conhecimento, fazia o melhor que conseguia para que o interface e toda a sua experiência, não tivesse cara e usabilidade de anos 80 ou 90.
Pouco a pouco, o design e os designers foram ganhando espaço nas empresas. Não raras vezes, encontramos designers nas comissões executivas ou boards de direção das organizações. Isto só quer dizer uma coisa: o design está à mesa do sitio onde se decidem coisas. Nem sempre somos convidados para à festa, ou às vezes até temos que nos armar em penetras, mas mal ou bem, é justo dizer que a importância do design e dos designers aumentou exponencialmente nos últimos anos um pouco por todos os setores da economia.
Aquilo que ninguém te disse
Mas, existe sempre um “mas” pois claro (mas este até é bom), aquilo que ninguém te disse, a ti designer, é que com o aumento da importância do design nas empresas, ao mesmo tempo que a própria disciplina sofreu profundas transformações, especialmente no que toca ao desenho de produtos e serviços digitais, o poder que tens na palma da mão, é imenso.
É verdade. Não é ironia, muito pelo contrário. Há quem diga que até já destruímos o mundo. Vamos acreditar que ainda não chegámos tão longe, mas acredita, o poder que tens na palma da mão hoje em dia na empresa onde trabalhas, é maior do que alguma vez o design dispôs em toda a sua história (uma história curta é verdade, mas ainda assim com algumas décadas).
Para o bem e para o mal, o trabalho que os designers fazem todos os dias, pode ajudar a fazer muitas coisas boas ou muitas coisas más. Não acreditas? Experimenta ler o livro “Ruined by Design” do Mike Monteiro e vê se não ficas com uma ideia mais ou menos parecida com esta.
A ação ou omissão do design e dos designers, pode fazer uma diferença gigantesca em várias dimensões dos produtos e serviços digitais. Por exemplo: a Inclusão e o Negócio.
Inclusão
As decisões que todos os dias tmamos nos temas mais simples ou nos mais estratégicos, têm um grande impacto, na construção ou não de produtos e serviços inclusivos. A humanidade fez um caminho de evolução gigantesco até aqui. Já fomos à lua e já viemos. Descobrimos curas para quase todas as doenças que há no mundo (algumas delas em tempo absolutamente prodigioso). Criámos uma organização como as Nações Unidas.
Mas, apesar disto tudo, ainda continuamos a discutir coisas básicas como a igualmente de género ou a acessibilidade de pessoas com deficiência aos produtos e serviços do quotidiano. No nosso dia a dia, existem muitas perguntas que podemos fazer a nós próprios e às equipas com quem trabalhamos para tornar os produtos e serviços mais inclusivos para todas as pessoas.
- Alguma vez pensaste que tipo de limitações terão as pessoas que vão utilizar aquilo que fazemos?
- Vão perceber facilmente aquilo que é suposto fazerem em cada momento para atingirem os seus objetivos?
- Vão precisar de equipamentos tecnológicos de última geração?
- Podem sentir que aquele produto ou serviço não é para elas, só porque não percebem a linguagem que é utilizada?
- E esta mesma linguagem, pode ser percebida por algumas pessoas como descriminatória?
Negócio
A inclusão é um tema muito sério, mas o negócio das empresas também. Empresas fortes, com negócios sustentáveis e justos, quer dizer em última linha, uma economia forte. Uma economia forte, quer dizer, mais e melhores oportunidades e uma muito maior probabilidade do elevador social funcionar sem ser aos solavancos. E o design também pode ajudar a construir tudo isto.
As decisões que tomamos e o papel do design e dos designers no negócio, deve ir muito além de “meter as coisas bonitas”. Se é para isso, não precisamos em user experience (UX) ir aprender sobre ergonomia ou modelos cognitivos. Se o papel do design e dos designers nos negócios é só “dar um jeitinho” ou “fazer coisas simples” não é necessário as equipas trabalharem neste ou naquele modelo ágil. O design e os designers, podem e devem ter um papel ativo na construção dos negócios das empresas, principalmente servindo de desafiadores dos modelos convencionais e questionando tudo em torno do negócio.
- Que evidências temos que os produtos ou serviços que estamos a construir serão realmente relevantes para as pessoas?
- Que necessidades reais das pessoas é que vamos suprimir com esta ou aquela funcionalidades?
- Até que ponto as pessoas percebem efetivamente para que servem os produtos ou serviços que estamos a disponibilizar?
- Como podemos dar suporte, acompanhar as pessoas na sua utilização e ajudar quando surgirem dúvidas?
- Que mais-valias para o negócio da empresa vai trazer o lançamento deste novo produto ou serviço?
O super poder dos designers (mas não só)
A resposta a muitas destas questões, seja relacionadas com o Negócio ou a Inclusão não são fáceis. Contudo é aqui também que entra o super poder do design e dos designers, a pesquisa. Algumas vez pensaste, que através dos processos de design, tens o poder mágico de deixar de fazer suposições e ir tentar perceber, através de atividades de research, a forma como as pessoas para quem estamos a trabalhar, realmente pensam? Já pensaste que podes mesmo (mesmo), encontrar insights muito valiosos para o produto ou serviço, reunindo informação de inúmeras de fontes que tens à tua volta, ou falando directamente com os clientes ou potenciais clientes?
Se esta potencialidade não está ao nível de um super poder, é difícil dizer o que possa estar. Este é o poder que deixaram na palma da tua mão, sem que te tenhas apercebido. O design e o designer, não tem a exclusividade da pesquisa, afinal de contas trabalhamos em equipa com muitas outras disciplinas (e ainda bem), mas podemos e devemos chamar a nós muitas vezes a responsabilidade da pesquisa. Seja provocando as equipas “então e se fizéssemos isto”, seja trazendo novas perspetivas para cima da mesa através de “fiz algumas atividades de research de guerrilha e descobri isto e aquilo”.
Falar é fácil
Alguns de vós poderão estar a pensar neste momento “ah isso é fácil em empresas grandes” ou “o meu chefe não me vai deixar fazer nada disto”. Podes sempre ver o copo meio cheio ou meio vazio. Uma coisa é certa, se trabalhas hoje numa empresa com um grau de maturidade, por exemplo em user experience (UX), relativamente baixo, as coisas não vão mudar do dia para a noite. Um dia a empresa não vai acordar e passar do sitio onde poderá estar agora, que pode ser não fazer nenhum trabalho de research, para um ponto em que tem todo o orçamento do mundo para fazer research.
Lamento, isso não vai acontecer. Mas, mais um “mas” positivo, o caminho faz-se caminhando e por isso é possível ir dando passos mais pequenos. Quem o diz é o Jakob Nielsen, o criador em conjunto com Rolf Molich em 1990 das 10 heurísticas de usabilidade. E se pensarmos bem, faz bastante sentido. É muito mais fácil partir grandes mudanças, em ações mais pequenas e mais prolongadas no tempo. Um dia, quando menos esperamos, estamos num estágio de evolução completamente diferente daquele em que começamos.
Por tudo isto, acredita, ainda há esperança. A responsabilidade que o design, os designers, mas também todas as equipas têm, é grande de mais para se perder a esperança.
Fotografia © Diego PH (Unsplash)