De tempos a tempos, seja em que carreira for, é normal que cada um de nós faça algumas perguntas difíceis a si mesmo ou que possa partilhar algumas dessas questões com as pessoas mais próximas. Porque é que faço o que faço? O que é que ganho com isso? Será que sou valorizado o suficiente? Aquilo que faço tem algum valor? Todas estas questões e todas as outras que possamos acrescentar a esta lista, são perguntas importantes. Seja qual for a profissão é importante saber para onde se caminha. Qual é o plano no curto, médio e longo prazo. A vida é muito maior que qualquer profissão, qualquer trabalho. Mas se queremos concretizar objetivos é bom imaginar que caminho podemos fazer para lá chegar.
Estas perguntas difíceis podemos também (claro) fazer sobre a nossa área profissional. No que toca ao design, qualquer designer saberá na ponta da língua algumas daquelas perguntas que já teve que responder milhares de vezes para explicar de uma maneira ou de outra o valor do seu trabalho. O que é o design? Para que serve? Qual é o valor que ele traz às pessoas? Porque é que tenho que pagar muito mais num sitio do que noutro pelo menos produto ou serviço?
Seguramente será difícil encontrar um designer que já não tenha que ter respondido em algum momento da sua carreira a este tipo de coisas. A resposta a qualquer uma destas perguntas pode ser uma conversa incrível mas também muito longa. A bem da verdade, tudo isto acontece porque o design é uma disciplina relativamente recente na história da humanidade e por isso ainda é preciso começar qualquer conversa pelo “princípio”.
No meio de todas estas perguntas extraordinárias, existe pelo menos uma que justifica a reflexão permanente. O que é que faz com que cada designer seja melhor? Que fatores mais contribuem para a sua evolução? Como é possível aumentar o valor daquilo que fazemos aumentando o valor de cada profissional? Certamente existiram muitas respostas possíveis para estas perguntas. Cada um de nós terá as suas. Mas acredito que existem pelo menos uma palavra fundamental para as respostas: partilha.
O poder da partilha
Experimenta fazer o seguinte exercício. Se pudesses ver o trabalho de outros designers, ateliers, agências, consultoras, empresas, na proporção daquilo que partilhas com a comunidade sobre o teu próprio trabalho, qual seria o nível de qualidade em que estarias? Consegues responder a esta questão? É difícil responder? Pensa um pouco. Quantas vezes encontraste no trabalho de outras pessoas a inspiração ou as referências para resolveres um projecto que tinhas em mãos? Nenhuma? Uma, duas, três, dez? Muitas mais que isto?
A resposta, como sempre, dependerá de cada um de nós. Mas não é complicado, fazendo este exercício, perceber a importância que tem no nosso trabalho, o facto de podermos ter acesso, de muitas maneiras possíveis, ao trabalho de outros profissionais e a forma como isso influência a qualidade do nosso próprio trabalho.
Qualidade depende da partilha
Por outro lado, este exercício lança-nos também um desafio. Se a comunidade relacionada com a disciplina do design, nas suas mais variadas e múltiplas facetas, não partilhar nada daquilo que vai fazendo, como poderemos aumentar a qualidade do nosso trabalho e por sua vez valorizar o design enquanto disciplina de negócio? Não saímos todos a perder?
O raciocínio aqui é bastante simples. Se podermos aprender com aquilo que os outros vão fazendo, podemos melhorar a qualidade do nosso trabalho. Mas, o acesso a isso tem um custo. Cada um de nós, tem também que se “dar um pouco” à comunidade partilhando algum do seu trabalho e todo o processo de aprendizagem por detrás. Os sucessos e os fracassos (sim, os fracassos são uma parte fundamental do processo).
Mil e uma desculpas
Pode ser questionado num ponto ou outro mas é fácil concordar com esta linha de raciocínio. Claro que a partilha enriquece a comunidade. Claro que é importante partilhar e ver aquilo que os outros profissionais e equipas vão fazendo. A conversa pode ficar mais complicada quando tentamos operacionalizar esta partilha no dia a dia quase sempre atribuilado das equipas de design. Facilmente vão aparecer milhares de temas e solicitações que vão deixando a partilha para depois.
Ou é a preparação daquela proposta super importante para um novo projecto. Ou o projecto que está numa fase complicada e precisa de toda a ajuda que a equipa conseguir dar. Ou os acordos de confidencialidade que não permitem divulgar quase nada dos projectos que temos em execução com aquele cliente. Ou uma série de outras coisas que vamos dizer a nós próprios e as nossas equipas e que nos vai desviar a ideia original de partilhar algum do nosso trabalho com a comunidade. Lembra-te a qualidade de tudo isto que tens para fazer, depende também das inspirações e referências que conseguires juntar para ajudar nestas tarefas e isso depende da partilha de outros profissionais. Aquela partilha que estás a deixar de todos os estes de impeçam de fazer também.
É mais fácil do que pensas
Talvez importe também desmistificar a ideia de “partilha”. Existem muitas maneiras de o fazer. Uma fórmula não serve para todos e a riqueza da comunidade faz-se também da sua pluralidade. Seja a preparar o case de um determinado projecto para o nosso website. Escrever um artigo que explica um pouco melhor um processo da nossa equipa. A participação num podcast ou webinar. A realização do evento nos nossos escritórios com profissionais mais juniores. A organização de meetups. Entre muitos outros formatos, todos são muito valiosos para o encontro e enriquecimento da comunidade.
E não compliques. É claro que tudo isto pode ser feito num nível de perfeccionismo incrível. Mas muito provavelmente nunca terás o tempo para preparar estas partilhas em paralelo com tudo aquilo que acontece na equipa. Costuma-se dizer em alguns casos que “feito é melhor que perfeito”. Embora esta expressão possa ter muito que se lhe diga, neste caso poderíamos dizer que “alguma partilha, é melhor que partilha nenhuma”.
Qualidade depende da partilha (outra vez)
Mais uma vez, poderá ser difícil discordar da importância da partilha numa disciplina como o design. Contudo, visto que a qualidade do nosso trabalho enquanto designers, depende também das inspirações e referências a que conseguimos ter acesso, isto faz com que a partilha não seja só uma coisa importante. Tudo isto torna a partilha numa obrigação moral de todos os profissionais e equipas que trabalham na disciplina de design.
A qualidade de cada designer, de cada equipa e por consequência de toda a disciplina depende disso. Se conseguirmos aumentar a partilha do nosso trabalho, em especial na comunidade relacionada com o design em Portugal, isso será certamente um contributo muito valioso para aumentar a massa crítica em torno do tópico e por consequência a sua relevância na economia. Não será isto que todos queremos? Afinal de contas uma parte disso também depende da nossa partilha.
Fotografia © Mel Poole (Unsplash)