Uma das coisas incríveis sobre design, especialmente o design comunicação, é a transversalidade de instrumentos (como é o caso do branding) que coloca ao serviço da economia. Da economia, através das marcas e de tudo aquilo que elas agregam em sí de significado e simbolismo. Marcas que podem e devem ser protagonistas fundamentais de uma economia forte e resiliente. Uma economia de valor acrescentado que nem sempre combate só no terreno do preço mais baixo. Uma economia feita de marcas que transmitam muito mais às pessoas que só a resolução de uma necessidade pragmática do seu dia a dia.
Existem muitos estudos que nos dizem isto, que as marcas são mais que “objetos” funcionais. Que as maiores e mais respeitadas marcas (e por consequência as mais valiosas para a economia), são também aquelas que transmitem algo mais, muitas vezes, algo muito difícil de explicar. Seja pelo serviço que prestam ou pela seu papel nas áreas sociais ou da sustentabilidade, mas marcas mais relevantes para o consumidor têm tanto de pragmático como de enigmático.
Branding enquanto processo
Para que uma marca (no mais amplo sentido da palavra) nasça são precisas muitas coisas. Tantas que por vezes fica difícil à própria indústria do design definir o que é exactamente “isto do branding”. Claro que é preciso que exista um propósito e que isso possa ser relevante para um conjunto de pessoas (consumidores). É fundamental que a construção da marca, seja também resultado de um processo de trabalho estruturado e de investimento próprio (dificilmente uma marca pode nascer de forma orgânica por sí só).
No meio de toda esta parafernália processual, também é essencial conseguir tangibilizar a marca em mensagens e símbolos identitários. Artefactos que consigam representar tudo aquilo que a marca representa nos mais variados suportes de comunicação e relação com os consumidores. Uma marca não se deve esgotar na sua identidade visual. Deve ser muito mais que isso. Mas, a identidade visual é uma parte muito importante da relação da marca com os consumidores. Por conseguinte, não sendo a única vertente de trabalho numa marca, a construção de uma identidade visual com significado, coerente e versátil é uma das tarefas mais complexas e desafiantes na disciplina do branding.
Aprendizagens cruzadas
O design é por definição uma disciplina multidisciplinar. Um espaço extraordinário para cruzar conhecimentos e aprendizagens de diferentes áreas. Quando olhamos para o contexto atual do branding e tudo aquilo que está acontecer na transformação digital das empresas, é quase impossível não encontrar eventuais sobreposições ou eficiencias desejadas. Isto pode muito bem ser o caso entre os design systems e o branding.
Os design systems, muito mais relacionados com os processos de definição, desenho e desenvolvimento de produtos e serviços digitais, dizem respeito, de forma muito simplista, a todo o tipo de metodologias de padronização, reutilização e escalabilidade de interfaces. Por outras palavras, os design systems, ajudam a criar uma base de componentes de interface que podem ser utilizados em diferentes aplicações da mesma marca, evitando ao máximo a repetição de tarefas similares nas equipas de produto digital. É certo que os design systems são muito mais que um conjunto de componentes reutilizáveis, mas este é um dos seus propósitos mais vincados e reconhecidos pela indústria.
Se olharmos para o trabalho de identidade visual de uma marca, encontramos proximidades incríveis entre os dois temas. Não necessariamente ao que o processo criativo diz respeito, mas mais naquele momento em que é necessário aplicar aquilo que são as guidelines visuais da marca em vários suportes de comunicação e relação com o consumidores. Especialmente quando falamos de grandes marcas, com milhares, ou as vezes milhões de artefactos de comunicação, que implicam o trabalho de muitas equipas e profissionais diferentes (muitas vezes sem nenhum tipo de relação entre si), aplicar de forma coerente uma identidade visual pode ser um desafio e tanto. É precisamente aqui que os design system podem ajudar em muito o branding, mais concretamente na aplicação da identidade visual da marca.
O que trazer dos design systems?
De forma prática, quer isto dizer que muito daquilo que são os modelos de construção e manutenção de um design system, poderiam também ser aplicados ao trabalho de branding? Sim, sem dúvida. É importante deixar isto claro, os design systems dizem também respeito a modelos de gestão e governação da implementação de “guidelines” e muitas daquelas que são as suas aprendizagens, podem também ser muito úteis na gestão e governação da implementação da identidade visual de uma marca.
1. Modelos de documentação ágeis
Uma das características mais interessantes do trabalho de design systems é a sua procura constante por modelos de documentação ágeis. Formas de documentar aquilo que são as suas guidelines, mas que ao mesmo tempo possam ser atualizadas de forma rápida, distribuídas pelos vários profissionais que utilizam os sistemas, mantendo sempre tudo isto sincronizado.
Por exemplo, será que um ficheiro PDF é a forma mais ágil e atualizável de documentar aquilo que são as guidelines da identidade visual? Não existiram modelos mais fáceis de manter atualizados? Os design systems podem ajudar em muito nesta questão. Existem muitas ferramentas para a documentação de design systems que podem perfeitamente ser transpostas para o contexto do branding e facilitar o processo de documentação e partilha de guidelines.
2. Eficiência e conectividade do desenho
Estamos em plena era da inteligência artificial, da cloud e de muitas outras tecnologias que têm transformado por completo o dia a dia das pessoas. Trabalhamos hoje de formas muito diferentes daquelas em que trabalhávamos alguns anos atrás. Isto pode e deve desafiar todas as disciplinas, incluindo o branding, a repensar a forma como trabalha, neste caso como desenha os muitos suportes de comunicação e relação das marcas com os consumidores.
Por exemplo, será que não existe nenhuma maneira de criar conexões entre diferentes ficheiros de desenho e aproveitar em tempo real partes do trabalho de desenho de outras equipas? Será que é mesmo necessário, fazer à mão e de forma individualizada todas as declinações para os mais variados formatos de comunicação daquela campanha que estamos a trabalhar neste momento? Não, claro que não. Existem hoje softwares de desenho extraordinários, como o Figma, que dentro ou fora de um design system nos permitem criar automatismos incriveis e poupar milhares de horas de trabalho (especialmente trabalho muito chato como é o caso de declinações).
3. Contributos para a evolução
O trabalho de branding é um processo incrivelmente rico. Por várias razões, mas uma das mais importantes porque deve ser um processo inclusivo de auscultação dos consumidores, mas também das equipas que todos os dias trabalham a relação da marca com os consumidores. Qualquer profissional tem com certeza contributos muito válidos e que ajudariam em muito a evoluir a implementação da identidade visual. É muito importante ter o processo preparado para receber contributos das equipas que utilizam a identidade visual.
Por exemplo, se alguém que tem por missão aplicar a identidade visual num formato especifico de comunicação, tiver uma sugestão a fazer, qual deverá ser o procedimento? Como será de seguida tratado esse contributo? Quais as etapas? Que feedback será dado a quem deu esse contributo? Tudo isto são processos muitos comuns na governação de design systems. Esta é uma das chave do sucesso de qualquer design system, uma boa gestão dos contributos dos profissionais que todos os dias aplicam o sistema em situações concretas e percebem onde ele pode melhorar.
4. Métricas de sucesso
Pode parecer uma conversa meio difícil ou até demasiado analítica quando falamos de branding, mas conseguir tomar decisões com base em métricas é fundamental. Gerir é sempre um processo de fazer escolhas. E para fazer boas escolhas é muito importante ter por base as melhores evidências. As métricas podem ajudar nisto, mas para que as tenhamos à disposição temos que estar preparados para recolher e tratar toda essa informação.
Por exemplo, como comprovarias por “A” mais “B” que a identidade visual da marca está a ser bem aplicada na esmagadora maioria dos suportes de relação da marca com os consumidores? Pode parecer difícil, mas é fundamental termos métricas para avaliar o sucesso ou insucesso de qualquer atividade. Embora seja também um tema ainda desafiante para a esmagadora maioria dos design systems, muitos sistemas já o fazem de forma muito consistente. Os design systems, como o branding são instrumentos transversais nas empresas e deve ser possível gerir estes processos tomando decisões sustentadas e baseadas em boas evidências. As métricas podem ajudar muito nisto.
5. Gestão da mudança
É um lugar comum dizer que tudo está, especialmente em comunicação, em constante mudança e transformação. Ouvimos isto em quase toda e qualquer conferência. Isto quer dizer muitas coisas. Uma delas, quando falamos de branding, mais concretamente de identidades visuais, é que a identidade visual com que estamos hoje a trabalhar, amanhã pode mudar. Pode sofrer pequenas ou grandes transformações. Quem já trabalhou em branding, sabe bem o trabalho adicional que isto pode quer dizer. Mas será que precisa mesmo ser assim tão doloroso?
Por exemplo, se a identidade visual com que estás a trabalhar hoje, mudasse por completo, quanto tempo levarias a refazer todos os suportes de comunicação? Todos esses processos teriam que ser feitos de forma individual? Não existe nenhum tipo de automatismo que possa ser implementado para acelerar isso? Os design systems e aquilo que são os seus princípios e processos de trabalho também podem ajudar a planear isto.
Processos colaborativos
Quer seja nos design systems quer no branding, é inegável que este é um trabalho profundamente colaborativo. Conseguir manter uma boa implementação de qualquer guideline é tão ou mais importante que fazer um bom trabalho de criação. Qualquer marca procura tornar-se o mais relevante no dia a dia dos consumidores, de forma consistente e sistemática. Isto exige das equipas, um trabalho continuado ao longo de muito tempo.
Nada disto acontece sem uma visão clara do caminho a percorrer e processos de trabalho que possam envolver o maior número de pessoas nas organizações. O contributo de todos os profissionais, seja qual for a sua missão, é fundamental. Todas as aprendizagens sobre os processos de trabalho de design system, podem ajudar em grande medida, muitos dos processos de trabalho de branding. Nenhuma disciplina é estanque em si mesma e é do cruzamento de diferentes abordagens em design que nascem, muitas vezes, as soluções mais interessantes e inovadoras.
Fotografia © Mika Baumeister (Unsplash)