Lamento, sou designer, tenho muito poucas certezas

Dizer que vivemos num mundo e no caso dos produtos digitais, numa indústria, em constante e acelerada transformação, não será grande novidade para ninguém, especialmente para qualquer designer. Mas, quando pensamos de forma mais profunda sobre o tema, será que conseguimos antever, efectivamente, o que toda esta transformação quer dizer, para o pragmatismo do dia a dia e de tudo aquilo que fazemos?

Ninguém contesta o ritmo desenfreado das equipas ágeis de produtos digitais têm que trabalhar todos os dias para ir ao ritmo desta transformação. Seja para acompanhar a evolução dos negócios e a competitividade entre as marcas ou na compreensão das necessidades dos utilizadores que vão evoluindo de muitas formas, a transformação acelerada do digital, tem, ou pelo menos deveria ter, implicações muito profundas na forma de trabalhar das equipas.

Nada está fechado

Das muitas implicações que esta transformação tem no quotidiano das equipas, uma delas, é a destruição do conceito de “fechado”. Em digital, especialmente em produto, nada está “fechado”. Nunca. Em momento algum. A ideia de “fechado” é ao mesmo tempo uma ideia muito pacificadora mas também bastante estanque.

Pacificadora, porque dá às equipas aquela paz de espírito que chegamos ao final de alguma coisa. Está feito. Nunca mais lhe vou ter que pegar. Podemos fechar a linha do planeamento. Depois de todo o trabalho, evolução, discussão, consenso, trabalho de equipa, chegámos ao final do caminho. Contudo, este sentimento de paz, esbarra drasticamente em quase tudo aquilo que representa o digital, muito em particular quando falamos de produtos digitais.

O digital e quase tudo a ele associado é no seu espírito e mais profundo sentido: evolutivo, iterativo e colaborativo.

Evolutivo

Porque quando falamos de digital, falamos de produtos ou serviços que podem e devem acompanhar as transformações do mundo e do contexto em tempo real. Transformações de diversas ordens, que mudam a maneira de viver dos utilizadores, as suas necessidades e com isso aquilo que esperam das marcas com quem se relacionam.

Iterativo

Porque tudo, mas mesmo tudo, pode ser refinado. Com base em pesquisa direta e constante com os utilizadores ou a análise detalhada e recorrente de métricas, tudo o que existe hoje pode no futuro ser diferente. Qualquer solução não pode ser estanque e deve ser olhada sempre pelas lentes da escalabilidade e modularidade.

Colaborativo

Porque o digital é essencialmente um campo multidisciplinar. Os unicórnios existem, na mitologia e pouco mais (pelo menos é nisto que acredito). E por isso mesmo, é fundamental trabalhar em equipas que congreguem muitos e diferentes talentos. Cada qual na sua especificidade e conhecimento terá uma missão e responsabilidade muito própria na construção dos produtos digitais.

O papel do designer

Se tudo isto é verdade no digital em geral, para o design em particular, não são só conceitos abstractos, são princípios fundamentais. Quem trabalha em digital há tempo suficiente, lembrar-se-á quando a vida do designer era bastante simples, porque só tínhamos que trabalhar num formato de 800×600. A vida nessa época era fácil (tenho eu certeza disso agora). Não havia responsive, as necessidades dos utilizadores eram relativamente simples e os negócios bastante pragmáticos. Nem a ligação de internet dava para fazer grandes coisas, porque por exemplo um vídeo de 1 ou 2 megas demorava um par de minutos a carregar.

De lá para cá, na indústria dos produtos digitais, quase tudo mudou e com isso o papel do design e do designer. A experiência de utilizador é hoje peça fundamental de qualquer negócio sucesso. A pesquisa recorrente e permanente com os próprios utilizadores dos produtos digitais, não é uma quimera, é uma necessidade imperativa. E em tudo isto e muito mais podemos ter um papel ativo e desafidor.

Aliás, no final do dia, por entre o batalhão de coisas que o designer pode fazer nos projetos digitais, ser o elemento desafiador é capaz de ser a missão mais importante. Ser capaz de questionar os lugares comuns e com processo partir à descoberta de novas soluções. Questionar todo o contexto, o sentido e o porquê das coisas. Garantir que toda e qualquer solução tem o utilizador como o seu principal foco. São muitas das responsabilidades do designer nos dias de hoje, atores fundamentais dos produtos digitais e por consequência dos negócios do futuro, sem grandes certezas, mas com grande vontade de transformar o digital, num “lugar” fantástico.

Fotografia © Jaromír Kavan (Unsplash)