Legislação essencial para a acessibilidade digital

O design sempre teve um forte compromisso com a acessibilidade. Na sua essência, o design é uma disciplina que procura melhorar a qualidade de vida das pessoas em todos os aspetos do seu dia a dia. A acessibilidade é uma das dimensões onde o design pode e deve ter um contributo fundamental para a inclusão. Seja através da construção de produtos e serviços digitais verdadeiriamente acessiveis ou a colocar no centro das preocupações dos projetos as necessidades de diferentes personas, o design na essência da sua missão fundamental, não pode ficar arredado das preocupações de acessibilidade de tudo aquilo que ajuda a construir e evoluir.

No que toca à acessibilidade digital, também aqui existe muito que o design e os designers podem fazer. A tecnologia digital quando colocada ao serviço das pessoas, mais que dos lucros das empresas, tem uma capacidade para democratizar soluções. Através da tecnologia digital podemos evoluir os negócios das empresas (e ainda bem) mas também podemos fazer com que pessoas com necessidades especiais sejam capazes de utilizar produtos e serviços digitais essenciais ao seu quotidiano.

A mudança que aí vem

É certo que o caminho da acessibilidade digital está ainda muito no inicio. Se olharmos ao panorama nacional e internacional dos produtos e serviços digitais que temos à nossa disposição, vemos que são muito poucos aqueles que cumprem as mais elementares normas e directrizes de acessibilidade digital. Este facto é algo que toda a indústria relacionada com a transformação digital deveria refletir. Conseguimos colocar à disposição dos negócios muito do potencial da inteligência artificial, mas não conseguimos fazer com que uma pessoa invisual seja capaz de comprar um produto numa loja online.

Embora a mudança que aí vem se prespective que demore bastante tempo, o panorama da acessibilidade digital tende a mudar, ou pelo menos em termos legais muito está a ser feito para que mude. A acessibilidade digital, tem cada vez mais um quadro legal robusto. Ao longo dos últimos anos, quer a nível europeu quer a nível nacional, foram desenvolvidas novas leis para os setores público e privado, sobre a acessibilidade em geral e a acessibilidade digital em particular. Todo este trabalho legislativo, acredita-se que pode ser muito importante para mudar o panorama da acessibilidade digital dos produtos e serviços digitais essenciais ao dia a dia das pessoas.

Setor público

Os serviços públicos sempre foram pioneiros no que toca à acessibilidade digital. Naturalmente faria todo o sentido que assim fosse. Afinal de contas os serviços públicos não são um negócio, mas sim, um direito fundamental de qualquer cidadão. Embora muitas vezes possa não parecer olhando à qualidade dos serviços públicos com que nos deparamos no dia a dia, a legislação que rege a acessibilidade digital destes serviços tem já alguns anos de caminho.

É certo que desde o momento em que a legislação é editada até ao momento que os cidadão, especialmente aqueles com alguma necessidade especial, sentem uma melhoria significativa, vai bastante tempo. Na acessibilidade digital, como em muitas outras coisas em transformação digital, não existem caminhos fáceis. É necessário um trabalho estruturado e continuado para que se note algum impacto na qualidade dos serviços.

Mas, dispor de um quadro legal robusto e tecnicamente relevante é meio caminho andando. Isto permite por um lado às equipas que têm a responsabilidade de construir e evoluir serviços públicos saberem que diretrizes é que têm que seguir e permite também aos cidadão, reivindicar os seus direitos quando sentirem que estes não estejam salvaguardados. Neste momento, o quadro legislativo que serve de referência aos serviços públicos digitais é constituído por:

Setor privado

Por outro lado, é no setor privado e em todos os produtos e serviços digitais que este disponibiliza aos consumidores que neste momento encontramos, por ventura, o cenário mais crítico em termos de acessibilidade digital. Basta uma análise muito superficial de alguns dos produtos e serviços digitais mais comuns do quotidiano, para percebermos que o cenário da acessibilidade digital em muitos destes casos não é bonito.

A falta de um quadro legislativo relevante, justifica em parte muito deste cenário. Para o bem e para o mal, é o quadro legislativo que determina muita da atividade das empresas. Não existir um quadro legislativo relevante, faz no limite, com que a acessibilidade digital não tenha que ser uma preocupação a quando do lançamento de um novo produto ou serviço digital. Isto tem também um efeito prejudicial na indústria de transformação digital. Se não existirem leis que obriguem as empresas a determinadas preocupações de acessibilidade digital, as empresas não vão investir na melhoria da acessibilidade digital dos seus produtos e serviços digitais. Não existindo necessidade das empresas, não existirá investimento. Não existindo investimento, não existirá a necessidade de profissionais qualificados para trabalhar esta dimensão específica.

Felizmente, vivemos um tempo em que muitas destes contextos podem sofrer grandes transformações nos tempos vizinhos. O European Accessibility Act que começa aos poucos e poucos a ser transposto para o quadro legislativo dos Estados-Membros, incluindo Portugal, algura grandes transformações no que toca também à acessibilidade digital. Existindo uma lei mais robusta ao nível europeu e nacional sobre o tema é expectável que a acessibilidade digital entre com grande força nas preocupações das empresas para o futuro. Se não for de outra forma, ao mesmo que seja por obrigação legal. Atualmente, o quadro legislativo que serve de referência ao setor privado é constituído por:

Um passo de cada vez

Uma transformação tão profunda e estrutural como a acessibilidade digital de produtos e serviços digitais é impossível que aconteça de o dia a para a noite. É necessário um extraordinário trabalho de conhecimento do contexto das pessoas para as quais estamos a trabalhar, uma dose ainda maior de capacitação e empowerment dos profissionais e equipas e só depois, etapa por etapa a implementação de projetos que sejam capazes de construir e evoluir soluções verdadeiramente acessíveis.

É necessário começar por algum lugar. Um quadro legislativo robusto é uma peça fundamental para que tudo isto aconteça. Esse é um marco fundamental para que as empresas possam também encarar o tema da acessibilidade digital como mais que um add-on para passar a ser algo absolutamente essencial e um fator de extraordinária importância para o sucesso dos negócios.

Fotografia © Mishaal Zahed (Unsplash)