Se existe coisa que caracteriza a indústria digital e por consequência o trabalho da disciplina de UX, é a sua velocidade acelerada. A rapidez com que as organizações se têm que adaptar a novos contextos e necessidades, os modelos de consumo das pessoas a mudar constantemente pelas próprias mudanças do quotidiano, ou a incerteza do clima económico que por vários fatores obriga as empresas a reformular grandes partes da sua operação. Todos estes fatores e muitos outros, forçam a que a indústria digital viva numa constante roda vida de transformação e trabalho acelerado.
Se olharmos à distância, isto pode não ser necessariamente mau. O digital é sem sombra de dúvida, hoje em dia, uma linha da frente da evolução da sociedade. Todos os dias vemos aparecer novas propostas e soluções, umas que vão ganhar o seu espaço, outras que irão simplesmente desaparecer. Para uma indústria que se quer inovadora e exploradora das fronteiras do futuro, isto faz absolutamente parte da sua evolução.
Nem tudo pode ser rápido
O dia a dia acelerado da indústria, traz claro inúmeros desafios a todos os profissionais que dela fazem parte. Equipas técnicas ou de gestão, todas são postas à prova todos os dias. Contudo, existe uma parte de toda esta equação de evolução, transformação e aceleração que no caso da disciplina de UX, precisa de algum cuidado: a formação dos atuais e novos profissionais. Existem coisas que não podem ser rápidas (que não devem ser rápidas) e a formação estruturada de profissionais de UX é uma delas.
As empresas precisam de extraordinários profissionais de UX para ajudar na sua transformação digital. Certo. Mas é muito importante perceber que a formação e evolução destes profissionais, como de muitos outros, precisa de tempo. Precisa de um espaço de crescimento, tentativa e erro, aprendizagem, diferentes modelos de formação, contacto com profissionais mais experientes, trabalho de terreno junto dos utilizadores reais dos produtos digitais e de uma série de muitas outras coisas. Coisas que vão demorar sempre o seu tempo e que contrariam muitas vezes o ritmo acelerado em que vivem a generalidade das equipas de transformação digital.
Alguns sinais que podem merecer reflexão
Toda esta lógica pode ser contrariada. A reflexão e discussão pública tem este mérito. Argumentos podem ser contrariados com outros argumentos. É possível olhar para esta linha de raciocínio e simplesmente dizer “Isto não faz sentido e a disciplina de UX vai exactamente no sentido certo.” Contudo, existem alguns sinais na indústria que nos podem fazer refletir em comunidade se é este ritmo acelerado de formação e evolução de novos profissionais que queremos. Nunca é tarde para parar, observar o contexto, refletir e definir os caminhos para o futuro e esta pode ser uma excelente altura para o fazer.
1. Juniores com experiência de seniores
Certamente que quase todas as pessoas que trabalham em UX já passaram por isto. Ver anúncios de emprego para vagas relacionadas com UX de perfis juniores que quando vamos a ver, muitas vezes nem um sénior conseguiria fazer tudo aquilo. Anúncios com todo o tipo de requisitos, para pessoas aptas a trabalhar com todo o tipo de softwares (alguns que nem sequer são já o padrão na indústria).
Para além de ser impossível reunir muitas das competências que vemos nestes anúncios numa única pessoa, para a evolução do próprio profissional, esta concentração excessiva, será muito pouco saudável. Existem muitos modelos de evolução pessoal documentados, como por exemplo o desenvolvimento em “T”. Mas, a dada altura a amplitude de competências em várias áreas deve também ser complementada com a profundidade de conhecimentos em algumas áreas específicas. Isto ajuda não só a traçar um caminho de evolução plausível, mas pelo meio do percurso ajuda também cada profissional a perceber efectivamente as áreas em que pode realmente entregar maior valor (e que mais gosta de fazer, claro está).
2. Escolas que prometem empregos
No meio deste rebuliço, também não é difícil encontrar escolas com propostas de formação e promessas de emprego garantido. Não existem empregos garantidos. Só esta ideia rebenta com qualquer modelo de meritocracia (o que quanto a mim não é bom). A aprendizagem é tudo menos um processo linear.
Como é que é possível, que através de um curso de 2, 4, 6 meses ou até mesmo mais tempo, qualquer profissional consiga alcançar o conhecimento e experiência de profissionais que trabalham à décadas na disciplina de UX? Que trabalham à tanto tempo na disciplina de UX que quando começaram a trabalhar nem eram chamados de UX Designers. Nenhuma escola nos seus cursos pode prometer um emprego, se vês escolas que o estão a fazer e embarcares nisso, muito provavelmente vais apanhar um balde de água fria pelo caminho. Existem aprendizagens que só o tempo e a experiência vão trazer. Adquirir conhecimento em qualquer tipo de curso é sempre um fantástico contributo para a evolução. Mas é só uma parte da equação.
3. Seniores de evolução acelerada
Um outro sinal que vemos hoje em dia na disciplina de UX é a progressão acelerada de perfis de profissionais para posições mais seniores. As equipas de UX, UI e Product Design cresceram imenso, em número de pessoas, responsabilidades e impacto nos negócios. Isto fez com que fosse necessário aumentar a estrutura das equipas e por consequência as estruturas de suporte e gestão das equipas. Este crescimento deixou à vista a necessidade premente de formar pessoas muito rapidamente, especialmente perfis de designers mais seniores que sejam capazes de acompanhar os profissionais mais juniores das equipas.
Acontece que em muitos casos, a evolução destes profissionais mais seniores foi feita de forma muito (demasiado) acelerada. Se passearmos pelo Linkedin, por exemplo, encontramos facilmente profissionais “seniores” com 3, 4, 5 anos de experiência. É muito importante entender isto não com qualquer tipo de crítica, muito pelo contrário. Todas as pessoas que conheço com este perfil, são profissionais extraordinários. Que a pulso e com muito trabalho fora de horas se tornaram designers incríveis e dão hoje contributos incrivelmente valiosos às equipas onde trabalham.
O lado negro desta situação é que esta evolução acelerada, tirou tempo a estes profissionais, não para um desenvolvimento técnico mas para uma descoberta do mundo e de tudo aquilo que envolvem as relações humanas. Não se trata de saber aplicar este ou aquele método de pesquisa, mas sim, fazer o caminho enquanto pessoa, suficiente para saber interpretar, com base em evidências, toda a informação a que temos acesso. UX é trabalhar para as outras pessoas, é trabalhar para o mundo. Logo, a qualidade do nosso trabalho enquanto designers, aumenta exponencialmente, conforme a compreensão do mundo que temos em nosso redor. Para a evolução enquanto designers, não basta ter as competências técnicas, mas igualmente a experiência e caminho de vida suficiente que nos permita ver para lá dos píxeis. E tudo isto requer tempo.
Aprender leva tempo
Toda esta reflexão para quê? Para dizer uma coisa muito simples, mas ao mesmo tempo poderosa. Aprender e evoluir em qualquer disciplina de trabalho, leva tempo. Muito tempo. Especialmente uma disciplina como o UX, onde tudo gira em torno das outras pessoas. Dos utilizadores, claro está, sempre, mas também das relações fundamentais que temos que criar com as pessoas das equipas com quem trabalhamos.
Existem coisas que só se aprendem com tempo. Podemos fazer todos os cursos que queiramos. Ler todos os artigos possíveis e imaginários no Medium. Ver todos os webinares que conseguirmos. Ouvir todos os podcats que encontrarmos. Mas aprender, processar toda a informação que recebemos e compreender realmente a amplitude de uma disciplina como UX, leva tempo e é muito saudável que encaremos isto com naturalidade.
Perceber isto, tiramos a pressão de querer chegar a seniores nos próximos 5 anos. Minimiza a exigência (muitas vezes excessiva) que colocamos em cima dos juniores. Ajuda a que qualquer designer tenha o tempo suficiente para fazer a reflexão de “qual é o valor que o meu trabalho pode trazer à equipa?”. E isto numa altura (numa opinião muito pessoal) é ainda mais importante termos no futuro, profissionais mais conscientes do seu valor (que é imenso) e que valorizem (ainda mais) os negócios das empresas, centrados no essencial de tudo o que fazemos, as pessoas.
Fotografia © Damiano Lingauri (Unsplash)