Garantir que todos os cidadãos, independentemente das suas características, possam aceder a serviços públicos digitais de qualidade, custa dinheiro. Se queremos que os serviços públicos digitais utilizem da melhor forma, as tecnologias mais avançadas do momento, ou sejam completamente acessíveis, por exemplo, tudo isso requer investimento. É claro que todo e qualquer investimento, especialmente na esfera pública, tem que ser extraordinariamente bem gerido, com uma avaliação de custo/benefício clara e um modelo de investimento absolutamente transparente.
Mas, não nos enganemos. Extraordinários serviços públicos, custam dinheiro (muito dinheiro). Se quisermos contestar esta premissa, basta olhar para todos aqueles que são os casos de estudo mundiais, como por exemplo o Reino Unido. Um exemplo do investimento, coeso e estruturado que tem sido feito ao longo dos anos (neste caso décadas), para perceber que a qualidade no serviço ao cidadão só se consegue com investimento sério (naturalmente continuado no tempo e independentemente dos ciclos políticos).
Bom e barato
É fácil concordar com tudo isto. Ninguém discordará, que é fundamental investir na definição, desenho e desenvolvimento de melhores serviços públicos digitais. Contudo, é igualmente relevante nunca esquecer o que isto quer dizer na prática. Se queremos ter extraordinários serviços públicos, teremos que investir, milhares ou milhões de euros, na contratação de tecnologia. Pagar aos melhores profissionais do mercado, num sem fim de áreas técnicas, para termos a certeza que temos efetivamente os melhores profissionais ao serviço do bem comum. E esta pode ser uma premissa menos consensual.
Claro que tudo isto carece de mecanismos de controlo de investimento e qualidade muito rigorosos. Uma verdadeira premissa de accountability de todo o investimento que é feito em qualquer área e os benefícios concretos que isso traz aos cidadãos. Contudo não há outro caminho possível. Se queremos ter bons serviços, isso custa dinheiro. Afinal de contas até existe aquele ditado popular “bom e barato, não cabem no mesmo saco”.
Design systems no Estado
No caso da transformação digital (não transição) o panorama de ferramentas à disposição das equipas é absolutamente extraordinário nos dias de hoje. Seja nas mais variadas disciplinas de trabalho como o design ou o development, os instrumentos hoje, são quase infinitos. Um desses instrumentos, como não poderia deixar de ser, são os design systems. Sistemas de desenho e desenvolvimento de interfaces escaláveis que maximizam em muito os investimentos na propagação de boas soluções, transversalmente a todas as entidades públicas da esfera do Estado.
Também Portugal nos serviços públicos que tem disponíveis aos seus cidadãos, tem feito um caminho de afirmação na utilização dos design systems, como uma ferramenta de referência. Em muitas áreas do Estado, como é o caso da Modernização Administrativa ou da Justiça, encontramos bons exemplos da utilização do pensamento modular e escalável no desenho e desenvolvimento de interfaces. Embora o caminho de implementação dos design systems no Estado seja ainda longo, a verdade é que vemos cada vez mais no Estado os design systems a ganharem relevância e presença nos modelos trabalho.
Investimento para o futuro
Voltando ao início, se queremos definir, desenhar e desenvolver melhores serviços públicos é necessário investimento. Uma pesquisa rápida pelo Base, o portal de publicação de todos os contratos celebrados pelas diferentes entidades públicas do Estado, vemos que é possível já encontrar investimentos atribuídos às palavras-chave “design system”. Poucos é verdade, mas alguns é melhor que nenhuns e alguns deles bastante significativos.
Para além desta contratação nesta plataforma de prestação de contas pública, assistimos ao aparecimento na comunicação social notícias que colocam em foco a abertura de concursos públicos para a contratação de “serviços de software” precisamente para a construção de design systems. Tudo isto é incrível, porque dá corpo ao investimento em design systems que é necessário fazer para conseguirmos, chegar ao nível de serviços públicos que naturalmente qualquer cidadão ambiciona.
Um único design system
Resultado de muitos dos investimento recentes no Estado, assistimos à afirmação de um caminho desafiante mas muito interessante. O caminho da unidade. Conceptual e estrategicamente é muito pouco interessante que os serviços públicos digitais, estejam reféns, no seu modelo de relação com os cidadãos, das entidades públicas que lhe dão suporte. Preferencialmente, o cidadão deveria sempre relacionar-se com o Estado como um todo e não com a Entidade Pública A, B ou C em separado. Quer isto dizer que é fundamental um esforço de agregação em modelos transversais de relação.
A par disto, é muito importante que este caminho seja feito de forma clara e transparente. Quer isto dizer neste caso, que o Estado deveria partilhar de forma pública tudo aquilo que são as ferramentas com que constrói os seus serviços públicos. Que sentido faz, no caso da esfera pública, a documentação do design system que dá suporte aos interfaces não ser pública? Não deve ser aquela uma ferramenta transversal de todo o Estado? Então porquê não o partilhar publicamente, permitindo que os profissionais de diferentes áreas técnicas também os possam utilizar e enriquecer?

Lançado recentemente, o Mosaico, o modelo comum para a construção e evolução dos serviços públicos digitais, representa ele próprio um passo importante nesse sentido. Na prática, este modelo procura definir de forma iterativa e evolutiva as linhas com que se devem cozer todos os serviços públicos digitais, sejam estes da responsabilidade de que entidade forem. Público deste o seu lançamento o Mosaico reforça esta premissa de partilha pública que só lhe dá importância e o torna referência.

Uma das peças deste Mosaico, disponível desde o modelo do seu lançamento oficial, é precisamente o Ágora Design System, o futuro design system da República Portuguesa. A ambição do sistema é enorme, mas faz sentido que assim seja, afinal de contas estamos a falar de um ecossistema com milhares de serviços públicos ao serviço dos cidadãos. Se dúvidas existirem do potencial que um único design system pode trazer, basta novamente olhar para o design system do Reino Unido e no impacto que este tem tido em todo esse ecossistema ao serviço dos cidadãos.
Só design systems não chega
Contudo, é importante não esquecer que os design systems, não são uma varinha de condão. Por si só, mesmo que os design systems sejam extraordinariamente completos e estejam aplicados de forma exímia, nenhum sistema resolve quase nada sozinho. Antes de chegarmos à fase do projeto que cabe ao design system resolver, é necessário garantir uma série de outras condições (adivinhe-se, também precisam de investimento público relevante).
Garantir que estamos a construir os serviços públicos certos, feitos com base em pesquisa com os cidadãos e resultado de processos de co-criação verdadeira entre as diversas entidades públicas, é outra parte fundamental da equação, que não pode, nem deve, ser renegada para segundo plano, só porque não é tão palpável como uma peça de software ou um interface gráfico. Os serviços públicos, são muito mais que “coisas”. São a certeza real e inequívoca dos cidadãos, que independentemente do seu contexto, poderão ter a segurança de contar com a estrutura do Estado para o ajudar nas suas mais variadas necessidades do dia a dia.
Fotografia © Jason Leung (Unsplash)