Olhar para o tema da acessibilidade, num contexto como o dos serviços públicos digitais e da relação do Estado com o Cidadão, está muito longe de ser uma conversa fácil. Por várias razões e mais algumas, é um tema com uma importância absolutamente primordial, pois garante que qualquer Cidadão, independentemente das suas limitações físicas ou cognitivas, possa ser, tanto quanto possível, autónomo na gestão dessa relação ao longo de todos os momentos da sua vida.
Por outro lado, a missão de tornar todos os serviços públicos digitais do Estado perfeitamente acessíveis aos Cidadãos, também não pode ser vista simplesmente como mais um requisito de um qualquer de encargos. A acessibilidade, principalmente nos serviços públicos digitais, deve ser sim, uma premissa omnipresente em todos os processos de trabalho, cumprindo o intuito essencial de construção de uma cidadania ativa e democracia plena.
Retrato da realidade
Como em qualquer processo de transformação, é de grande importância conhecer relativamente bem o ponto de partida. Sem um conhecimento sustentado do cenário atual, as suas mais-valias e desafios, será muito difícil, se não impossível, traçar estratégias de ação eficazes.
Contextualizando esta premissa no que toca à acessibilidade dos serviços públicos digitais, imaginar o futuro sem uma noção concreta da realidade do presente, dificilmente passará de um exercício de futurologia. Tentar imaginar como deveria ser a acessibilidade dos serviços do Estado nos canais digitais, sem saber responder à pergunta “Como está a acessibilidade dos serviços públicos digitais hoje?” tem tudo para correr mal. E é precisamente aqui que entra o Observatório Português da Acessibilidade Web.
Observatório
O Observatório Português da Acessibilidade Web é uma plataforma online disponibilizada pela AMA a Agência para a Modernização Administrativa, que analisa e sistematiza informação sobre o estado da acessibilidade em websites e aplicações móveis do Estado português. Disponível de forma completamente gratuita, o Observatório reúne informação resultante da análise sistematizada de várias plataformas do Estado e organizada segundo quatro vetores essenciais:
- Existência, ou não, da Declaração de Acessibilidade referida no decreto-lei 83/2018;
- Atribuição, ou não, do Selo de Usabilidade e Acessibilidade promovido pela Agência para a Modernização Administrativa;
- Escala de pontuação harmonizada, tendo por base as normas WCAG 2.1 editadas pelo World Wide Web Consortium;
- Identificação dos erros por níveis de conformidade das normas WCAG 2.1 editadas pelo World Wide Web Consortium.
Sistematizando as várias plataformas analisadas em diferentes diretórios temáticos, no Observatório é também possível perceber, quais as boas e más práticas de acessibilidade recorrentemente utilizadas nas plataformas analisadas.
Sobre a realidade atual
Classificar a realidade atual, face à informação apresentada pelo Observatório, pode ser uma missão mais complexa do que se julga. Sendo um esforço muito meritório e um trabalho extraordinário, é fácil perceber que a amostra de plataformas e páginas analisadas pelo Observatório é bastante pequena, face ao cenário global de entidades públicas existentes e referidas por exemplo no Sistema de Informação de Organização do Estado.
Ainda assim, o contributo que o Observatório dá para a caracterização da realidade atual é de inestimável valor, deixando perceber alguns padrões e dados interessantes. Da informação disponibilizada até ao dia 22 de Fevereiro de 2021 (data desta análise), é possível concluir por exemplo:
- A pontuação média de acessibilidade das plataformas do Estado analisadas é de 5,9 numa escala de 0 a 10;
- Tendo sido analisados 908 websites e 2101 páginas, a amostra do Observatório reflete a realidade de em média pouco mais de 2 páginas por cada website;
- Dos 908 websites analisados apenas 33 têm disponível a sua Declaração de Acessibilidade;
- Das 33 Declarações de Acessibilidade referenciadas no Observatório, apenas 17 declarações são “perfeitamente conforme” face à legislação em vigor;
- Dos 908 websites analisados apenas 12 têm atribuído um dos três níveis do Selo de Usabilidade e Acessibilidade;
- Dos 12 Selos de Usabilidade e Acessibilidade atribuídos, 4 são de nível Ouro e 8 de nível de Prata;
- Duas das plataformas mais sensíveis para o Cidadão (Portal das Finanças e Segurança Social) obtêm classificações abaixo de 5 numa escala de 0 a 10.
Um futuro mais acessível
Sendo a acessibilidade dos serviços públicos digitais uma premissa de grande importância, o cenário que o Observatório descreve através da sua informação deve fazer pensar todos os Cidadãos. Quando de alguma forma, dizemos que esta ou aquela plataforma tem uma má classificação de acessibilidade, estamos na prática a dizer que muitos Cidadãos correm o risco de não conseguir consultar a informação ou as funcionalidades aí disponibilizadas. Isto é muito grave.
Normalmente, este é o ponto da discussão em que se costuma também ouvir expressões que associam a acessibilidade a pequenos grupos de pessoas minoritárias. Segundo os censos de 2011, 18% da população portuguesa tinha algum tipo de limitações físicas ou cognitivas crónicas ou permanentes. Ainda segundo os mesmos censos, 2 905 200 pessoas tinha algum tipo de limitações visuais, auditivas ou motoras temporárias ou permanentes.
Quer um número ou outro, revelam claramente que a acessibilidade não é um tema secundário, muito menos de minorias. Deve ser uma preocupação permanente de todas as equipas digitais que todos os dias, com o seu talento e empenho, pensam, desenham e desenvolvem os serviços públicos digitais do futuro, um futuro que se quer, cada vez mais, acessível para todos.
Fotografia © Matthew Buchanan (Unsplash)