Poderemos olhar para o tema da acessibilidade digital e para a sua importância para o pensamento, desenho e desenvolvimento de produtos digitais através de várias perspectivas. Podemos questionar o seu valor para o negócio, a sua relevância para os utilizadores ou até mesmo a sua aplicabilidade, naquilo que são as dinâmicas das equipas de projeto no dia-a-dia. Contudo, uma opinião bem fundamentada, dificilmente conseguirá questionar a sua importância, para a construção de produtos digitais, real e verdadeiramente, acessíveis e transversais a um público mais vasto.
Por outro lado, é bem verdade que o tema está muito longe de ser simples. Para lá das normas, validações e checklists, a abrangência do tópico e a sua integração, quer seja nas decisões mais estratégicas, ou nos processos mais simples do quotidiano, faz com que a implementação de uma política verdadeira e estruturada de acessibilidade, toque uma série de áreas da vida da empresa.
Documentos do dia-a-dia
A acessibilidade digital, não é um tema que se deva circunscrever, exclusivamente aquilo que são os produtos digitais, sejam eles websites ou aplicações móveis. Muitos dos processos do dia-a-dia de uma qualquer equipa, podem e devem, integrar preocupações que tornem efetivamente toda a informação acessível, especialmente quando muita dessa informação pode ser partilhada de forma mais ampla com os utilizadores.
Um dos temas muito recorrentes em qualquer equipa e que por norma fica esquecido quando falamos de acessibilidade, é a criação, edição e publicação de informação através de ficheiros PDF. Retirando desta equação todos os documentos de trabalho interno das equipas (que ainda assim poderiam dar uma longa conversa). Não raras vezes, vemos muitos produtos digitais, repletos de informação útil para os utilizadores, confinada em ficheiros PDF online.
Ficheiros PDF
Sejamos claros neste tópico. Os PDF, embora sejam um formato de ficheiro muito popular e extremamente útil (é bem verdade), são terríveis para a acessibilidade. Tens dúvidas? Por exemplo, já alguma vez experimentaste utilizar um leitor de ecrã para consultar uma informação de um PDF online? Experimenta! Tenho a certeza que essa experiência será muito valiosa na próxima que pensares em publicar online um ficheiro PDF com informações úteis aos utilizadores.
Contudo, é também importante deixar clara uma outra ideia. Não é impossível ter um ficheiro PDF acessível. Existem várias formas de tornar este formato de “Portable Document Format”, lançado em 1993 e desenvolvido pela a Adobe Systems, num ficheiro acessível. Aliás, uma das premissas iniciais era criar um formato de ficheiro universal, que pudesse ser visualizado da mesma forma independentemente da marca do computador ou sistema operativo. Mas, a evolução tecnológica e a proliferação de tipologias de dispositivos, veio complicar imenso esta equação, tornando hoje em dia o PDF uma solução com algumas debilidades numa série de vertentes.
Ainda assim, muitas poderão ser as técnicas, truques e sugestões — como por exemplo a utilização do Pandoc — que podem possibilitar criar um ficheiro PDF útil para todo o tipo de utilizadores, inclusive aqueles com algum tipo de deficiência. Contudo a curva de custo/benefício é neste caso imensa e o trabalho de criar um PDF acessível, pode não compensar insistir neste formato para a partilha de algum tipo de informação.
Desafios do PDF
Dizer que publicar um ficheiro PDF, no nosso produto digital com algum tipo de informação útil para o utilizar, pode não ser uma boa prática, poderá levantar algumas dúvidas. Afinal de contas, se repararmos bem, não é assim uma prática tão incomum. Mas tentando desconstruir a utilização massificada deste formato de ficheiro online, existem alguns tópicos que são muito caros ao PDF e que podem de alguma forma justificar a procura de outras soluções.
1. Estrutura e linguagem
Um dos desafios recorrentes nos documentos PDF online, não necessariamente relacionado com o formato, é a própria estrutura. Por ser um formato quase sem limitações de espaço, é bastante comum os ficheiros PDF online disponibilizados aos utilizadores, pecarem pela falta de simplificação quer na estrutura quer na linguagem.
2. Leitores de ecrã
A leitura de um PDF por uma aplicação de leitura de ecrã (screen readers) é sempre uma experiência muito complexa. Ou o ficheiro está extremamente bem construído e respeitando uma série de boas-práticas ou será quase impossível a informação aí inscrita, ser clara através deste tipo de utilização.
3. Responsive
Qualquer ficheiro PDF vai ser bastante complicado, oferecer uma experiência de leitura relevante quando for consultado através de um dispositivo mobile. Não sendo um formato de consulta de informação responsive, esta opção dificultará imenso a vida ao utilizador conforme o dispositivo móvel que este possa estar a utilizar.
4. Peso do ficheiro
O peso do ficheiro PDF, pode também ser um problema. Dependendo da extensão do documento (que deve ser, independentemente do formato, o mais sucinto e claro possível) poderá gerar ficheiros com bastantes megas de peso, o que para muitas consultas (especialmente através de mobile), pode ser um grande problema para os utilizadores.
5. Diferentes conversores
Um dos principais problemas dos ficheiros PDF e justificação para alguns dos problemas anteriores, é que pode ser gerado através de diferentes conversores. Embora o formato final seja sempre um PDF, a forma de o gerar difere muito entre softwares e por isso torna quase impossível, uniformizar uma série de premissas que tornem a leitura deste formato mais universal e por consequência, mais acessível.
Possíveis alternativas
Só faz sentido partilhar um ficheiro PDF online, se esse documento for necessário para impressão. Esta é a verdadeira missão do ficheiro, disponibilizar um documento que possa ser impresso pelos utilizadores e utilizado nessa forma específica. Posto isto, as premissas de base para a construção de uma alternativa, à utilização dos ficheiros PDF na partilha de informação com os utilizadores, são até bastante simples. Pelo menos os conceitos de base.
Em primeiro lugar é fundamental perceber bem qual a informação essencial a partilhar com os utilizadores e qual é que não é assim tão relevante. A informação que pode fazer sentido partilhar com os utilizadores do produto, é bem diferente daquela que possa constar num qualquer documento interno da empresa. É essencial trabalhar essa informação, adaptada às necessidades dos utilizadores e não seguir o caminho mais fácil de partilhar simplesmente documentos de trabalho internos.
Por outro lado é essencial que todo o conteúdo e informação relevante para os utilizadores seja convertido num formato web-friendly. Isto quer dizer, que o conteúdo deve ser facilmente lido por qualquer browser de navegação na web. Tecnicamente falando, isto significa que todo o conteúdo publicado online, deve seguir, pelo menos, as melhores práticas semânticas de HTML.
Sem conhecimentos técnicos
Na criação de uma alternativa aos ficheiros PDF num formato web-friendly, escolhendo tão só a informação essencial para os utilizadores, muitas vezes poderemos esbarrar na ausência de conhecimentos técnicos. É bem verdade que para partilhar algum conteúdo online, em muitos casos, serão necessários profissionais com competências específicas. Contudo, é igualmente verdade, que existem hoje já muitas alternativas de ferramentas online, que permitem de forma bastante simples, criar diferentes tipos de “documentos online”, mas num formato muito mais vantajoso para a acessibilidade.
Ao pesquisar online, não será difícil encontrar soluções. Para facilitar essa pesquisa, aqui ficam algumas sugestões de ferramentas, que de forma bastante simples permitem publicar online, o conteúdo que muito provavelmente poderíamos disponibilizar aos utilizadores, através de um qualquer ficheiro PDF.
Qualquer uma destas soluções, ou muitas outras disponíveis no mercado, garantem acima de tudo uma melhor acessibilidade dos conteúdos quando comparado com os ficheiros PDF. Para além disso, permitirem ainda criar e editar documentos online, potenciando ainda a publicação e partilha online de forma muito mais simples.
Documentação mais acessível
Colocar de lado a utilização do formato PDF para a disponibilização de informação online aos utilizadores, pode desafiar as equipas a procurar soluções diferentes para os seus conteúdos. Quer seja através da utilização de algumas das sugestões de ferramentas anteriores ou outras, é fundamental neste trabalho não perder de vista, alguns cuidados na estruturação e paginação da informação.
Cuidados a ter em conta na criação de páginas de conteúdos online para os utilizadores e que devem seguir algumas boas-práticas no campo da acessibilidade. É importante ter em conta que todas estas boas-práticas garantem não só uma melhor acessibilidade dos conteúdos, mas também são um contributo muito valioso para uma série de outras áreas, como é o caso por exemplo o SEO (Search Engine Optimization).
1. Estrutura e linguagem
Na estruturação da informação é fundamental tentar simplificar ao máximo todos os conteúdos a comunicar. Quer seja através da linguagem ou dos capítulos que compõem essa informação, é da maior importância e um contributo determinante para a acessibilidade, que tudo isto possa ser feito da forma mais eficaz e directa possível.
2. Títulos e subtítulos
Relacionado com a estrutura, a quando da construção do conteúdo propriamente dito, criar uma hierarquia clara para a informação, pode ser um grande passo. É muito importante que a estrutura dos conteúdos seja facilmente compreendida e os títulos e subtítulos podem ser um instrumento importante nesta missão.
3. Texto alternativo de imagens
O texto alternativo é uma pequena descrição associada a cada uma das imagens, relevantes para o conteúdo e que vai permitir a qualquer leitor de ecrã, passar essa informação a utilizadores com alguma necessidade especial. Este texto, pode facilmente ser inserido em qualquer ferramenta de edição, através da opção de “Alt Text”.
4. Contraste de cores
Na paginação dos conteúdos, especialmente no caso dos textos, é muito importante garantir um excelente contraste entre o fundo e o texto em si. Para isso, é possível recorrer a ferramentas que permitem testar o contraste de cores e assim garantir a melhor leitura possível dos conteúdos.
5. Navegação por teclado
É muito importante garantir que todos os conteúdos poderão ser visualizados em qualquer dispositivo. Contudo, em muitos casos, utilizadores com necessidades especiais, utilizam o teclado para navegar na informação. Antes de escolher a ferramenta de edição e publicação dos conteúdos é fundamental garantir que a navegação através do teclado é boa e fácil.
* * *
Todas as sugestões de boas-práticas descritas, focam essencialmente a vertente relacionada com a edição e paginação da informação. É importante ter noção que esta é tão só a ponta do iceberg quando falamos de acessibilidade. Se olharmos para a acessibilidade como algo “essencial para alguns, mas útil para todos” a abrangência do tema, torna-se completamente transversal.
É muito importante construir uma base de conhecimento sólida sobre acessibilidade nas equipas de projeto digital. Acessibilidade não é, um tópico exclusivo dos documentos PDF. Va muito para lá disso. É um tema que deve ter uma aplicação 360º, quer seja nos produtos digitais, quer seja em todos os processos e dinâmicas de equipa. Só assim, é possível, verdadeiramente, garantir que acessibilidade digital, não é tão só mais um conjunto de tarefas na gestão de projeto, mas sim, uma preocupação sincera e u contributo valoroso para a identidade (acessível) das marcas.
Fotografia © Adam Birkett (Unsplash)