A acessibilidade digital é a coisa a certa a fazer. Para além de ser também a lei e boa para os negócios, é antes de mais a consagração de do direito de todas as pessoas, independentemente das suas características ou contextos, conseguirem utilizar os mais elementares produtos ou serviços digitais. Soluções digitais que permitem consultar informação online, pagar contas, tratar de um processo com o Estado, encomendar um produto ou uma panóplia de outros propósitos. Soluções digitais, completamente indispensáveis a vida quotidiana tal e qual como a conhecemos hoje e que não deveriam excluir determinado perfil de pessoas, só porque sim.
Contudo, quando olhamos, mesmo que de forma muito superficial, para a realidade da acessibilidade dos produtos e serviços digitais de algumas das marcas mais relevantes para o dia a dia dos consumidores, constatamos que o cenário não é bonito. Em Portugal, a implementação de boas práticas de acessibilidade digital, não é ainda uma realidade padronizada. Claro que aqui e ali vemos excelentes exemplos, mas que não são, nem de perto nem de longe, o padrão no cenário do mercado nacional.
Com as mudanças legislativas introduzidas em Portugal no final do ano de 2022, com a publicação do Decreto-Lei n.º 82/2022, a acessibilidade deixou de ser só uma mais-valia, para passar a ser igualmente uma obrigatoriedade legal. Finalmente este enquadramento legal dá ao tema a importância que ele merece, fortalecendo a sua importância para a realidade de muitas empresas. Estamos, na indústria de transformação digital, finalmente em condições de fazer um trabalho sustentando, ajudando a criar uma sociedade digital realmente inclusiva para todos.
Começar pelo princípio
Partindo do cenário atual, a primeira conclusão sobre o tema da acessibilidade digital na realidade da esmagadora maioria das empresas é relativamente simples, vai ser preciso reformular, alterar e em alguns casos refazer, muitos produtos e serviços digitais. Não há volta a dar. Se um produto ou serviço digital não cumpre hoje os critérios mínimos de acessibilidade, se está abrangido pela lei, será necessário fazer trabalho de reconversão. Mas por onde se deve começar este trabalho? Quais seriam os primeiros passos a dar? São algumas das questões que podem surgir em etapas iniciais de um processo de transformação acessível.
Felizmente a resposta até é bastante simples. Seja quais forem os objetivos da empresa, fazer uma correcção só para cumprir a legislação, ou realizar um trabalho mais estruturado de transformação de acessibilidade, a solução pode e deve passar em primeiro lugar por realizar uma auditoria de acessibilidade digital. Uma análise completa a cada um dos produtos ou serviços digitais, a cada uma das suas funcionalidades, para perceber que critérios e recomendações estão a ser ou não cumpridos.
Apoio ao planeamento
Uma auditoria de acessibilidade digital é uma peça muito importante em qualquer estratégia de transformação acessível. Esta análise, estruturada, sustentada e realizada forçosamente por especialistas de acessibilidade, pode ajudar a empresa numa série de aspectos, todos eles fundamentais para o planeamento futuro. Uma auditoria de acessibilidade digital, pode ajudar as empresas a:
- Identificar os problemas concretos de acessibilidade nas várias funcionalidades ou páginas dos diferentes produtos e serviços digitais da empresa.
- Sugerir melhorias práticas e concretas de como corrigir os problemas de acessibilidade identificados em cada um dos casos.
- Compreender até que ponto estão as empresas expostas ou sujeitas a serem alvo de processos legais por não conformidade com a lei de acessibilidade.
- Calcular o investimento que será necessário fazer para melhorar a acessibilidade de todos os produtos e serviços digitais da empresa e que devem estar em conformidade.
- Planear o tempo que será necessário para realizar a transformação acessível da empresa.
Todos estas mais-valias de uma auditoria de acessibilidade digital, são uma ajuda imensa nos processos de planeamento desta transformação na empresa. Sem muitas destas informações, será quase impossível planear de forma estruturada uma transformação, que dependentemente do tamanho da empresa e abrangência do seu negócio, pode representar um investimento muito significativo.
Auditorias bem feitas
Acontece que o “poder” das auditorias e a sua importância para os processos de planeamento, também lhe dão um “dramatismo” acrescido. As auditorias de acessibilidade têm que ser bem feitas e devem ser feitas por especialistas de acessibilidade. Não por mero formalismo ou burocracia, mas porque é com base na informação da auditoria de acessibilidade digital que vão ser tomadas decisões que podem envolver investimentos de tempo e dinheiro muito significativos. Imaginemos o risco que é, tomar decisões com base na informação de uma auditoria e depois perceber que:
- A amostra utilizada na auditoria está incompleta e deixou de fora produtos e serviços digitais abrangidos igualmente pela lei.
- Não foram tidos em conta todos os critérios técnicos de acessibilidade ou normativos legais que deveriam ter sido considerados.
- Quem realizou a auditoria, não sabia como avaliar determinados parâmetros e simplesmente os ignorou.
- As conclusões da auditoria não foram bem documentadas, de forma clara, explicita e compreensível e as equipas não conseguem perceber o que é suposto fazer com base nessa informação.
- Foram utilizadas só ferramentas de verificação automática, ignorando todos os critérios que deveriam ter sido validados de forma manual por especialistas de acessibilidade.
Tomar decisões com base na informação de uma auditoria com alguma destas características pode ser um risco demasiado grande. Um risco para a empresa claro, mas também um risco de credibilidade para quem que com a maior boa vontade na equipa de projeto quis levar por diante o tema da acessibilidade, mas que não tinha todas as ferramentas ou conhecimentos necessários para realizar uma auditoria de acessibilidade digital completa e detalhada.
Verificações automáticas
Um dos erros mais comuns em auditorias de acessibilidade digital mal feitas é a utilização exclusiva de ferramentas de verificação automática. Estas ferramentas, que permitem de forma automatizada percorrer a amostra de páginas a auditar e identificar erros de acessibilidade, são um instrumento incrível, mas insuficiente para uma auditoria no verdadeiro sentido da palavra. Permitem identificar erros de acessibilidade, quase sem esforço, mas devem sempre (sempre mesmo), ser complementadas com verificações manuais, realizadas por especialistas de acessibilidade.
Para além disto, é muito importante ter em atenção que estas ferramentas de verificação automática, não detectam todos os erros de acessibilidade, como demonstram alguns estudos. Pode parecer uma surpresa, mas aqui o homem vence facilmente a máquina. Ou seja, a percentagem de erros que podem ser detectados por verificações manuais é bastante maior que o número de erros de acessibilidade que podem ser detectados utilizando ferramentas de verificações automáticas.
Para a realização de uma auditoria de acessibilidade digital completa é absolutamente imprescindível incluir verificações automáticas, com certeza, mas também verificações manuais. Só assim conseguiremos garantir que estamos a analisar e a ter em conta todos os requisitos de acessibilidade que é suposto. Só com uma auditoria que inclua estes dois modelos de verificação, podemos dar garantias que com base na informação da auditoria, poderão ser tomadas decisões importantes, especialmente todas aquelas relacionadas com os investimentos que a empresa terá que fazer para melhorar a acessibilidade dos seus produtos e serviços digitais.
Avaliações preliminares de acessibilidade
Quer isto tudo dizer que só podemos fazer verificações de acessibilidade do tipo das auditorias? Não, claro que não. As verificações de acessibilidade, automáticas ou manuais, podem e devem acontecer em qualquer fase dos projetos, realizadas por qualquer pessoa na equipa (desde que capacitada para tal, como seria de esperar). Avaliações preliminares de acessibilidade, são fundamentais em várias situações. Identificar alguns erros e corrigir isso, é melhor que corrigir erros nenhuns. Contudo é importante ter em atenção quando e para que estamos a realização uma avaliação preliminar de acessibilidade ou uma auditoria.
Se o objetivo é planear de forma estruturada o processo de transformação acessível na empresa, calculando investimentos necessários ou o grau de exposição da empresa a processos legais, aqui terá que forçosamente ser realizada uma auditoria. Mas, se o objetivo é, mesmo sem um âmbito formal para o trabalho da acessibilidade, corrigir alguns quick-wins no nosso produto ou serviço digital, as avaliações preliminares de acessibilidade podem ser uma excelente ajuda e uma ferramenta que nunca devemos descartar.
Fotografia © Jack Millard (Unsplash)