A formação é uma peça absolutamente fundamental da evolução de qualquer profissional, muito em especial de qualquer designer que trabalhe na área de transformação digital. Para além da evolução tecnológica que entra pela nosso quotidiano a olhos vistos, os próprios hábitos dos utilizadores transformam-se todos os dias e com eles também os métodos e ferramentas que o design necessita para resolver todo o tipo de desafios.
Contudo, não é nada fácil perceber que tipo de formação fazer em cada momento da carreira. Felizmente propostas e abordagens pedagógicas, não falta. Pelo meio de tudo o que encontramos disponível, é importante ter cuidado com cenários idílicos. Faz este curso e tens emprego garantido. Depois de fazeres esta formação, vais receber não sei quantos dígitos. Se existe coisa que é verdade no design é que nada acontece por magia e só o trabalho sustentado e continuado pode trazer resultados. Ainda assim, verdade seja dita, nunca como hoje existiram tantas propostas de formação nas áreas de UX, UI e Product Design. E isto é incrível!
Medir a experiência
Olhando para um cenário com tantas propostas de formação, uma dúvida pode surgir recorrentemente. Então, que formação devo eu fazer? Esta desta escola ou aquele outro curso online? A resposta pode ser bem menos directa do que aquilo que poderíamos querer. Mas a resposta mais verdadeira, é depende. Depende claro daquilo que gostamos de fazer e que nos vemos a trabalhar no futuro. Depende também do orçamento e tempo que tenhamos disponível.
Queremos seguir um caminho de evolução mais vocacionado no craft do projeto ou na liderança e gestão de equipas? Esta é outra questão com a qual te vais deparar a dada altura e que tem em si muitas armadilhas. As equipas de design digital cresceram muito nos últimos anos. Muitas delas de forma completamente orgânica e sem nenhum tipo de planeamento. Isto fez com que o processo de evolução de muitos designers fosse acelerado em anos. Percorrendo o Linkedin, não é difícil encontrar designers “Senior” ou “Lead” com relativamente poucos anos de experiência específica nas áreas de UX, UI e Product Design. Isto não é normal.
Quantificar o percurso profissional de um designer simplesmente pelo número de anos de experiência, para mim, vale quase nada. Pessoalmente aquilo que me parece relevante no percurso profissional é a pluralidade e diversidade de experiências. Diferentes áreas de negócio, modelos de equipa, métodos de trabalho, tecnologias, mercados, tudo isto são aquilo que considero que dá realmente “experiência” a um designer. É uma opinião absolutamente questionável e criticável. Não tem mal nenhum discordarmos sobre isto. É saudável e o debate só tem a ganhar com isso.
Mas, independentemente da perspectiva e unidade de medida para quantificar a experiência, é fácil concordar que existem coisas que só chegam com o tempo. É preciso tempo (e experiência) para se chegar a um determinado estágio de maturidade enquanto profissionais que nos permita gerir uma equipa no mais amplo e verdadeiro sentido do termo. Cada um terá o seu processo de liderança é certo, especialmente quando falamos de equipas de design. Mas seja qual for o modelo ele só se pode sustentar na experiência (e nos muitos erros) pelos quais passámos e que nos permitem agora perceber onde estão as “armadilhas” e ajudar a equipa a pelo menos não cair em metade delas.
Começar pelo básico é sempre boa ideia
Independentemente da formação que possas fazer a seguir, é sempre importante ter a certeza que não estamos a queimar etapas no processo de evolução. A formação é um percurso nada linear. Depende de muitas coisas. É muito importante quando damos um passo em frente, ter a certeza que estamos a andar em terreno seguro. Quer isto dizer, se vamos procurar formação avançada é importante ter muita certeza que aquilo que é o básico nas disciplinas de UX, UI e Product Design, dominamos por completo.
E neste campo, posso assumir, sou bastante pessimista. Vamos a exemplos concretos. A nossa indústria (e bem) está hoje a braços com a transformação incrível que a inteligência artificial protagoniza. Contudo, quando utilizamos muitas das aplicações do dia a dia encontramos erros dos mais elementares ao nível da acessibilidade e usabilidade. Fará algum sentido, darmos o salto quantitativo e qualitativo no nosso trabalho que a inteligência artificial possibilita, quando nem conseguimos fazer uma aplicação com uma usabilidade e acessibilidade decente? Não será isto contraditório?
Uma outra pista de reflexão e que pode ilustrar como o básico ainda pode estar por cumprir. Se procurarmos online por listas de livros (essa coisa vintage) recomendados para qualquer UX, UI ou Product Designer, em 99% dos casos vamos encontrar o The Design of Everyday Things do Don Norman. Obra completamente seminal da disciplina de UX, do próprio autor do termo. O livro é do final dos anos 80. É incrível pensar que uma obra editada há mais de 30 anos, continua ainda, com todas as evoluções tecnológicas, a ser uma referência incontornável da área. Agora vamos a um exercício. Experimenta perguntar na tua equipa, quantos dos teus colegas já leram do principio ao fim o livro. Ler a sério, percorrendo cada palavra e deixando que isso nos leve à reflexão. Na esmagadora maioria dos casos (pelo menos aqueles onde fiz este exercício) a taxa de leitura é muito baixa. Mesmo muito baixa.
Este livro não é só importante por ter sido escrito pelo “pai” do termo UX. Ele é também fundamental porque nos dá pistas incríveis de como descodificar aquilo que acontece no cérebro humano, quando este interage com um sistema. E isto é tão mais importante que o título original do livro era precisamente “Psychology of Everyday Things”. Conhecer os processos cognitivos por detrás das interações entre o homem e a máquina não é “magia negra”, é o muito básico da disciplina de design de interação. Aquilo que fazemos todos os dias. Será que não faz mesmo sentido começar a formação pelo básico?
Vamos lá!
Posto isto, está bom de ver que a resposta ao título do artigo é tudo menos simples. Existe pouco que possamos fazer, para padronizar uma resposta perfeita a esta pergunta e que funcione em qualquer caso. É importante ir fazendo um exercício de auto-avaliação concreto para que consigamos decidir qual a formação que faz mais sentido para cada um de nós. A par de tudo isto, é também muito importante não esquecer que a comunidade e a participação em eventos e encontros nos ajuda a “medir o pulso” à indústria. Perceber quem está a fazer o quê. Conhecer a realidade de outras equipas. A relação com a comunidade, a par da formação é mesmo uma ferramenta valiosa para que consigamos ter um retrato mais depurado da nossa realidade e superar todos os desafios que ainda nem imaginamos.
Fotografia © Taylor Kiser (Unsplash)