Report “Como se ensina a pensar e desenhar produtos digitais?”

Como se ensina a pensar e desenhar produtos digitais? foi o mote da conversa que se realizou no dia 17 de Maio de 2018 às 18h30 no Mercado de Santa Clara em Lisboa e que reuniu Hugo Froes (Tutor da EDIT), Gabriel Augusto (Director da FLAG), Mafalda Sequeira (Docente da Pós Graduação em Digital Experience Design da Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa) e Tiago Pedras (Fundador e Mentor da The New Digital School) na edição 2018 do Festival do Clube da Criatividade de Portugal (Creative Jam – Semana Criativa de Lisboa).

A conversa percorreu ao longo de mais de uma hora vários tópicos relacionados com diferentes áreas daquilo que representa a educação do digital em Portugal na atualidade, com especial foco no design de produtos digitais. Embora o ambiente informal, os convidados, representantes de instituições de ensino de reconhecido valor de Lisboa e Porto, tiveram a oportunidade de individualmente partilhar experiências e em conjunto encontrar pontos comuns entre as várias realidades e especificidades de cada uma das escolas.

Sob a moderação de Ruben Ferreira Duarte (Head of the UX/UI Innovagency) discutiu-se a atualidade do ensino do digital, o perfil do designer do futuro, as soft skills cada vez mais relevantes na profissão, as pessoas, os mercados, a criação de valor, a educação para a vida, mas também, a relação do designer com as várias equipas, as marcas, a importância dos utilizadores para os negócios, a oferta e procura de trabalho. Por conseguinte, falou-se fundamentalmente de futuro, feito com o contributo de toda a comunidade educativa em discussão num espaço tão relevante como o é o Clube da Criatividade de Portugal e com o apoio de uma marca nacional como a Worten, apoio oficial desta iniciativa no festival.

Ideias essenciais da discussão

Em jeito de suma, aqui ficam algumas das ideias da conversa, organizadas segundo cinco temas essenciais, são eles: atualidade do ensino do digital em Portugal, elementos-chave de um processo educativo em digital, a importância das “soft skills”, o que procuram as empresas, as escolas e o porquê de se falar em comunidade, a oferta formativa e a falta de mestrados focados no desenho de produtos digitais.

Para além destes temas principais de conversa, foram surgindo pistas que contrariam a ideia generalizada de que “o designer é a pessoa das coisas bonitas”. Essas pistas foram sendo deixadas pelos oradores e resumem de forma muito interessante aquele que poderá no futuro ser o papel do designer nas empresas.

Atualidade do ensino dos produtos digitais em Portugal

A primeira interpelação debruçou-se sobre o momento que estamos a viver na educação do digital em Portugal. Existem cada vez mais escolas com oferta direcionada para esta área, de forma cada vez mais especializada e com as mais variadas designações, por exemplo, design digital, digital product design, user experience (UX) ou user interface (UI).

É inegável que a oferta é hoje muito maior do que há dois ou três anos atrás, da mesma forma que, nas empresas, se deixa progressivamente de falar unicamente na figura do webdesigner – alguém que terá competências de programação e de design – para se procurar um profissional com formação na área do desenho de produtos digitais que se foque em determinadas áreas-chave que a empresa necessita para desenvolver determinados produtos e em que a dimensão de user experience ganha um papel preponderante.

Quando se diz que a oferta é maior, referimo-nos não só à oferta formativa, porque há cada vez mais escolas que se dedicam exclusivamente a ensinar e a orientar projetos de investigação nesta área, mas também a um leque de profissionais muito mais alargado, tornando-se muito mais fácil encontrar hoje um designer digital do que há dez anos atrás.

O poder das ferramentas e a mudança de pensamento

A evolução das ferramentas, dos métodos, das técnicas atingiu um nível avassalador, fazendo com que o designer tenha deixado de ser “uma pessoa que faz coisas bonitas” ou que domina de forma irrepreensível uma determinada ferramenta, para passar a ser alguém que pode tomar parte no projeto em diferentes fases da metodologia, seja para pensar ou desenhar.

Esta mudança de paradigma é exigente uma vez que, ainda que nem sempre as empresas saibam exatamente aquilo que precisam, a verdade é que os mercados estão mais sensíveis ao design, mais atentos ao consumidor e há todo um espaço de crescimento e exigência que se coloca aos profissionais desta área, que deixam de ser meros desenhadores de produtos para passarem a ser profissionais multidisciplinares, curiosos, atentos aos negócios e aos consumidores, criativos, sociais, e – acima de tudo – em constante atualização.

É assim, fundamental, que as instituições, sejam elas de que natureza forem, universidades ou centros de formação especializada, que preparam estes profissionais para entrarem no mercado de trabalho, também elas evoluam e atualizem não só os seus programa educativos, mas também as suas metodologias e abordagens pedagógicas.

Elementos-chave de um processo de educação em digital

A riqueza da oferta educativa que existe atualmente comprova de forma muito clara que existem variadas formas de abordar a mesma área temática. Inclusivamente, é consensual que de entre as escolas representadas nesta conversa, cada uma é especialista com todas as suas especificidades na formação dos profissionais a que podemos chamar nos dias de hoje de designers de produtos digitais.

Ainda assim é também consensual que existem alguns aspetos que devem ser transversais. O designer digital não pode ser unicamente alguém que domina ferramentas, softwares ou determinadas tecnologias, isto porque tudo muda de um dia para o outro. Ferramentas que são tão centrais e indispensáveis hoje podem amanhã estar completamente obsoletas, da mesma forma que de nada serve dominar determinadas ferramentas por mais atuais que estejam e não ser capaz de entender as reais necessidades do consumidor, da marcas, não ter noções básicas de planeamento ou simplesmente não conseguir entrar no mercado por não saber demonstrar ou apresentar a uma empresa o valor acrescentado do seu trabalho.

A importância das “soft skills”

Um designer nos tempos de correm para além de saber comunicar o potencial das marcas, deve ele próprio reconhecer e saber explorar o potencial da sua própria marca.

Por exemplo através de competências como as de apresentação quer de si próprio quer do seu trabalho. De nada serve ser um bom designer se este não se souber apresentar, até porque estas capacidades estão intimamente ligadas à capacidade de comunicar, sendo que, comunicar é muito mais do que fazer chegar uma mensagem aos outros. É também ter a sensibilidade de saber ouvir e quando se justifica, intervir.

Uma das preocupações essenciais das escolas atualmente passa por educar os seus profissionais para a “vida”, afastando-o do computador e olhando mais para as pessoas que são, no final do dia, os grandes destinatários do seu trabalho. O designer digital não é um inventor, ele cria – utilizando um leque variado de competências – produtos pensados para criar valor a um determinado negócio. Para que isto aconteça, é igualmente importante que esteja focado nos utilizadores mas também em dados quantitativos que lhe permitam fazer uma análise real das necessidades.

Porque o amanhã é imprevisível, uma das áreas a trabalhar nos profissionais do futuro é a sua capacidade de adaptação a novos processos ou ferramentas que nunca vão deixar de surgir. Seria arrogante para quem ensina, assumir que em dois ou três anos de formação um designer digital sai de qualquer curso totalmente preparado sem necessidade de atualização, daí ser tão importante capacitá-lo para uma aprendizagem contínua ao longo de toda a sua “vida” profissional.

O que procuram as empresas

Acontece recorrentemente em processos de recrutamento perceber-se que as empresas de alguma dimensão não sabem exatamente aquilo que procuram nos profissionais, nos designers, que querem contratar. Muitas vezes são os departamentos de Recursos Humanos quem trata do processo de recrutamento e que pouco ou nada sabem além de um título de um cargo que se procura que seja ocupado. No entanto, isto também faz parte deste processo de integração de profissionais especializados na área do design que vão aumentando de dia para dia nas empresas. Mas, o mercado está muito mais exigente do que há uma década atrás e não raras vezes vemos em processos de recrutamento listas infindáveis de critérios exigidos a um júnior – com a orientação de que, quem cumprir mais critérios fica colocado – além de serem muito pouco focados nas “soft skills” indispensáveis ao desempenho da sua função.

As empresas procuram muito mais do que alguém que desenhe coisas bonitas. Procuram um “problem solver”, isto é, alguém que encontre soluções para os vários desafios inerentes à criação e evolução de produtos digitais. A orientação dada aos estudantes que terminam o ensino nas instituições é que usem as competências que adquiriram para perceber no momento da entrevista através de questões objetivas, quais as reais necessidades da empresa, mas também, de que forma podem ser relevantes tirando inclusive prazer e motivação daquilo que podem vir a fazer.

As escolas e o porquê de se falar em comunidade

Atualmente são muitas as escolas, públicas ou privadas, com ofertas formativas de curta, média ou longa duração que compõem aquilo a que se poderia chamar de uma comunidade educativa criativa. Uma comunidade com um potencial de que partilha conhecimento e criação de sinergias fantásticas, mas que por várias razões, ao longo do tempo se foi afastando entre si.

Os desafios do futuro refletem cada vez mais uma ideia de rede. Rede entre profissionais, entre empresas e também entre escolas. As ofertas, embora s muitas vezes concorrentes entre si, ficam a ganhar quando cada uma das escolas, dentro da sua especificidade, é capaz de se aproximar dos seus pares.

Esta sinergia entre escolas é importante também para que cada uma se possa questionar constantemente, por exemplo, sobre quais serão as melhores ferramentas ou quais as melhores metodologias a adotar, garantindo e mantendo no final a sua competitividade face às de mais.

O papel de organizações como o Clube da Criatividade de Portugal, neste contexto, toma ainda uma importância maior. São estes espaços da comunidade, que podem em grande medida garantir a aproximação das várias entidades da comunidade educativa criativa, servindo acima de tudo como “ponto de encontro” entre os vários agentes, para que depois cada qual possa aproveitar e criar as suas próprias ligações com as de mais entidades da indústria criativa.

As oportunidades de educação e a falta de mestrados em digital

Uma das questões colocadas a quando do tempo aberto para perguntas ao painel de oradores passou pela pouca oferta de mestrados existentes na área do design digital. Ainda que seja inegável, esta questão leva-nos a refletir sobre o que procuram os estudantes num mestrado nesta área. Por conseguinte, a verdade é que a maioria não procura aquilo que é a base de um mestrado – a iniciação à investigação – e isso pode trazer muitos dissabores na altura de se trabalhar numa tese, o reflexo último dessa abordagem à investigação.

Ainda que haja hoje profissionais muito mais preparados para fazer orientação nesta área, a verdade é que a investigação vai ser sempre muito mais autónoma. Se aquilo que o aluno ou profissional procura é uma especialização ou formação mais profissionalizante, o ideal será procurar uma pós-graduação ou um estágio que lhe permita contactar diretamente com as empresas e aí garantir a aproximação à prática que procura para a sua carreira naquele momento.

Um designer não é uma pessoa que faz coisas bonitas

Ao longo de toda a conversa falou-se muito da figura do designer e do seu papel nas empresas enquanto pensador e desenhador de produtos digitais. A definição da própria profissão e do seu papel é um constante “work in progress” na indústria. Contudo, todos os participantes foram peremptórios em caracterizar os designers do futuro como muito mais do que “pessoas que faz coisas bonitas”.

Com todo o risco que pode conter a tentativa de uma definição daquilo que será o perfil dos designers do futuro foram deixadas pelos oradores algumas premissas interessantes. O designer do futuro deve ser acima de tudo um curioso, alguém com uma vontade imensa de trabalhar, que gosta do que faz e sabe colocar o ego de parte. Que sabe pensar sobre o valor para o utilizador e o mercado, que partilha o seu conhecimento e faz conexões com outros profissionais do mercado. Que acredita em si mesmo e sabe “vender-se” mas, que acima de tudo encara o desconforto inerente a uma área em constante mudança, como o é o digital, não como a exceção mas sim como a regra da sua profissão.

Fotografia © Nash Does Work