Se estás a sofrer para lançar o design system algo não está bem

Utilizar a palavra “sofrer” para falar de design systems, poderá ser um exagero, é verdade. Existem na vida coisas bem mais difíceis que construir e manter um design system. Contudo, a expressão mesmo que um pouco exagerada, pode ilustrar relativamente bem as dificuldades que muitas equipas têm que ultrapassar no caminho de construção e manutenção de um design systems na sua empresa.

Os design systems não são “pêra doce”. Quando começamos uma conversa deste género, é importante deixar logo muito claro, que vai ser preciso trabalho e investimento muito sério para tirar o design system do papel e conseguir ajudar realmente a empresa a passar para o patamar seguinte nos processos dos seus produtos digitais. Os ganhos podem ser astronómicos, mas serão também proporcionais ao investimento que for feito.

Onde está o sofrimento?

Por falar em sofrimento, existem muitas dores que podemos ter pelo meio do processo de tirar o design system do papel. Neste caso, “tirar do papel” quer dizer arrancar com o design system na empresa. Ou seja, estamos só concentrados nas etapas iniciais do processo, aquelas onde fazemos descolar a primeira versão do design system e o preparamos para aplicar num produto digital piloto dentro do ecossistema da empresa. Uma das coisas mais importantes para os design systems é o contexto. O design system de uma empresa com 10 colaboradores e que vende produtos de beleza não pode ser igual ao sistema de uma outra empresa com 1000 colaboradores e que vende sistemas de tecnologia.

Se o design system é uma ferramenta que pode ajudar ao crescimento do negócio das empresas, não faz muito sentido, empresas com contextos diferentes, negócios diferentes e modelos de governação diferentes, terem exactamente as mesmas soluções de design system. É verdade que um componente será sempre um componente. Um input será sempre um input. Mas, os design systems são muito mais que estes artefactos. São um mindset, não uma simples biblioteca de Figma ou repositório de código. E se os contextos são diferentes também os design systems deveriam ser.

Mesmo sendo os contextos determinantes e diferentes, curiosamente, muitas vezes encontramos equipas, exactamente com as mesmas dores, os mesmos sofrimentos na hora de tirar do papel as primeiras versões dos seus sistemas. Como comprovam alguns dos dados do Mapa dos Design Systems em Portugal 2022 é interessante perceber as dificuldades comuns de muitas equipas.

Queres fazer um teste? Vamos tentar perceber se no caso da tua empresa existem alguns sintomas de dores de sofrimentos relacionados com o design system? Tenta lembrar-te das conversas de algumas reuniões que têm tido na equipa. Algumas destas frases costumam surgir nessas conversas?

  • “Estamos a trabalhar no design system alguns meses e ainda não conseguimos aplicar o sistema a nenhum produto.”.
  • “A administração da empresa não compreende as vantagens do investimento no design system.”.
  • “Não conseguimos quantificar com dados o retorno de investimento que a empresa pode ter com o design system.”
  • “Temos atualmente tantos produtos digitais e é difícil perceber por onde começar este processo.”.
  • “Envolvemos a equipa de desenvolvimento mais tarde depois de termos a primeira versão da biblioteca em Figma.”.
  • “Não sabemos bem em que tecnologias serão desenvolvimentos os primeiros componentes do sistema.”.
  • “Temos várias versões visuais diferentes para componentes que têm exactamente a mesma função.”
  • “Ainda não temos ninguém dedicado a 100% ao design system, vamos fazendo com o esforço de todos.”.
  • “Pensamos o modelo de relação da equipa de design e desenvolvimento em fases posteriores.”.
  • “A nomenclatura de tokens e componentes entre design e desenvolvimento é absolutamente diferente.”.

Más notícias para ti e para o design system

Independentemente do contexto da empresa, se algumas destas frases costumam aparecer muitas vezes no dia a dia da equipa, isto pode ser sinal que estás a sofrer sem necessidade para tirar a primeira versão do design system do papel. Não é uma notícia boa de se ler, é verdade, mas a dor pode ser muito profunda já. Os design systems são projetos complexos, é verdade, mas não precisam ser projectos sofridos, isto também é verdade. Existem formas de otimizar o processo, atalhos que se podem tomar e truques que podemos utilizar para acelerar o processo.

Lembra-te que no final do dia, construir e manter um design system, não é fazer uma biblioteca disto ou daquilo, é sim, ajudar a construir e manter produtos digitais da forma mais ágil possível. Para isto é importante que exista um foco muito disciplinado neste objetivo e é mais importante ainda que não existam preconceitos com determinados caminhos. Se alguns desses caminhos levarem ao objetivo final, podem não ser o estado da arte das soluções de design, aquele projeto de sonho que qualquer designer gostaria de fazer, mas são a melhor forma do design ter um impacto real no negócio da empresa. Afinal de contas não é esta também a missão do design?

Também temos boas notícias para ti e para a equipa

Nem tudo são más notícias. Existem alguns atalhos para evitar muitas destas dores. É fundamental perceber que nenhum destes atalhos são soluções milagrosas. Nenhuma destas sugestões, vão do dia para a noite, resolver todas as dores que a equipa possa ter sobre design systems. Contudo algumas delas vão certamente ajudar a minimizar muitas das dificuldades que possas estar a sentir, ou se ainda não começaste o trabalho de design system na empresa, que possas vir a sentir nas fases iniciais do processo.

1. Começa com um business case

Se queremos fazer alguma coisa numa empresa, é fundamental saber justificar o porquê. Não só às equipas técnicas, mas principalmente às equipas de gestão. Sabemos todos das muitas vantagens que os design systems podem trazer às empresas, mas quanto vale isso em dinheiro? Quanto é que a empresa poderá poupar, numa série de atividades com a criação do seu design system e onde poderá investir essas eficiências?

É muito importante começar todo este processo pelo princípio. O princípio pode muito bem ser estruturar um business case que possa ilustrar da forma mais clara possível as vantagens deste investimento. É claro que muitas das vantagens podem ser difíceis de quantificar em fases iniciais. Mas, algum business case é melhor que business case nenhum. Olha para a realidade e contexto da tua empresa e tenta perceber o tipo de informação qua já tens à disposição e podes vir a incluir neste business case.

2. Todos à mesa desde o primeiro dia

Se um design system é uma ferramenta de trabalho transversal para toda a empresa, é muito importante que desde o dia 0 do projeto na empresa, todas as equipas estejam à mesa. Seja a equipa de design, claro, mas também a equipa de development, gestão de produto, administração, negócio, etc. Podemos e devemos perceber logo desde o inicio como é que todas estas equipas se podem relacionar. Criar um modelo de governação que ajude nesta relação.

Naturalmente que isto vai demorar mais tempo. Articular tantas perspectivas diferentes é um desafio e tanto, especialmente em organizações tão grandes. Apesar disso, este não é um ponto adicional, é um princípio fundamental para que no médio prazo consigamos efectivamente tornar o sistema uma ferramenta de trabalho valorizada por todas estas equipas.

3. Saber deixar coisas de fora

O terreno mais relevante para os design systems são as grandes organizações. Empresas que colocam à disposição dos consumidores e dos colaboradores muitos produtos digitais diferentes que ganhariam sempre com otimizações entre eles. Isto quer dizer muitas coisas. Num processo de construção e manutenção de um design system, quer dizer que teremos sempre muita coisa para fazer. Muitos produtos digitais para transformar e adaptar.

Saber escolher as prioridades é uma das coisas mais importantes nas etapas iniciais. Começar com uma ambição muito grande pode ser meio caminho andando para não conseguirmos entregar o que é esperado. Não entregar o que é esperado quer dizer que o trabalho do design system, pode começar a entrar em descrédito na empresa e isto não joga a nosso favor. Por isso, é muito preferível deixar coisas de fora, dar essas más notícias, mas a seguir entregar dentro do plano inicial. Isto vai gerar uma onda positiva à volta do design system que poderemos aproveitar no futuro.

4. Pede ajuda a especialistas

A tua equipa não tem que saber fazer tudo. Uma empresa que esteja a crescer, nas mais variadas áreas, é normal que existam tópicos que não domina. Isto é perfeitamente normal. Ter a humildade de perceber de quando se domina ou domina um tema é meio caminho andando para reunir a equipa certa para o projeto. Isto vai acelerar em muito o processo. Recorrer a especialistas vai ajudar a que não caias nos “buracos” que outros caíram o que é bom e vai poupar muito dinheiro a andar para trás e para a frente.

Cuidado com os falsos “especialistas”. Construir e manter um design system é muito mais que desenhar uma biblioteca de componentes em Figma. Tem tudo que ver com conseguir colocar as equipas a trabalharem em conjunto, saber gerir prioridades, perceber a “coisa certa” a fazer mais que fazer “muitas coisas”. Um “especialista” que te venda um design system como sendo principalmente uma biblioteca de componentes em Figma, pode não ser exactamente o “especialista” que estás à procura.

5. Utiliza frameworks

Este ponto pode ser muito polémico, é verdade. Mas vale muito apena olhar para ele sem preconceitos e em determinados contextos, pode muito bem ser uma solução a equacionar. Um design system tem como objetivo principal ter um impacto no negócio, isto nós sabemos. Também sabemos que um design system é muito mais que uma biblioteca de Figma ou repositório de código. Se existem frameworks que podem acelerar este trabalho, porque não nos servirmos disso?

Frameworks podem ser aceleradores muito grandes e que nos ajudam a criar uma arquitectura base para o nosso design system. Sem o nosso trabalho de adaptação destas frameworks ao contexto da empresa, elas não passam de soluções marca-branca. Podemos partir de soluções deste género e em cima disso trabalhar tudo aquilo que dá sentido a um design system, vai criar valor para o negócio da nossa empresa e no fundo vai dar alma ao sistema.

Não existem fórmulas

Se existem coisas que não existem de todo para construir e manter um design system, são fórmulas perfeitas. Cada empresa é uma empresa diferente. Tem o seu negócio, a sua cultura, as suas pessoas, os seus desafios e as suas ambições. O design system tem que se adaptar a esse contexto irrepetível. É isso que faz do sistema uma ferramenta importante para a empresa e não mais um simples projeto.

É certo que este caminho não é tão linear quanto parece. Dito assim até parece uma coisa fácil de fazer. Não é. É um processo de muita tentativa e erro. De mais aprendizagens ainda. Melhora se conseguirmos ter as ferramentas certas à nossa disposição. Se conseguirmos trabalhar com as pessoas certas e que acreditem, tanto quanto nós, não no design system, mas principalmente no valor do negócio da empresa.

Fotografia © Clay Banks (Unsplash)