Embora o panorama nacional e internacional da construção de serviços e produtos digitais com um nível de acessibilidade digital interessante, possa parecer muito longe do desejável, é também verdade que o tema deixou de ser há muito periférico. Hoje em dia, o tema da acessibilidade é cada vez mais impactante nos projetos de pensamento, desenho e desenvolvimento de serviços e produtos digitais. Isto é um facto inegável. São cada vez mais as marcas que verdadeiramente, abraçam esta causa, transformando por completo aquilo que é a sua oferta digital. Este movimento, tem potenciando que cada vez mais pessoas, independentemente das suas limitações, consigam usufruir daquilo que cada marca tem para oferecer no digital.
Por outro lado, se o tema tem ganho importância para muitas marcas, quando falamos nos serviços públicos, o tópico deve ter um outro prisma. Se no caso das marcas o tema possa ser visto como diferenciação, na administração pública, a acessibilidade é muito mais que isso, é um direito. Faz todo o sentido que tudo o que são os serviços digitais destinados aos cidadãos, possam ser utilizados, efetivamente por todos.
Por muito que se possa escrever sobre a importância da acessibilidade nos serviços públicos, dificilmente se poderá discutir uma verdade muito objetiva: os serviços públicos, neste caso os serviços públicos digitais, têm que poder ser utilizados por todos os cidadãos. A igualdade, pode e deve ser um principio basilar das sociedades contemporâneas, correndo nós o risco de retroceder em muito a evolução que a humanidade tem feito.
Contexto atual
No que toca ao contexto nacional, mais propriamente aos serviços públicos digitais, Portugal tem feito nos últimos anos, um trabalho meritório na digitalização da relação do Estado com os cidadãos. Numa série de áreas do digital, Portugal tem criado muitas soluções inovadoras, com destaque considerável no panorama internacional, que em muito comprovam um compromisso sincero na construção de serviços públicos digitais cada vez mais simples, mais intuitivos e mais acessíveis.
É certo que existe um caminho imenso por fazer. Seja na transformação digital do Estado ou no campo específico da acessibilidade, o contexto atual comprova que muito está por fazer numa série de áreas. Contudo, é também muito importante não perder de vista o muito trabalho que tem sido feito.
Falar de acessibilidade
No que toca à acessibilidade digital especificamente, sejamos claros, o panorama dos serviços públicos Portugueses não é bom. Por uma série de razões, quase nenhumas exclusivas do Estado, o tema da acessibilidade é sempre muito difícil de abordar. Quase sempre por causa da sua aparente complexidade, o tópico resume-se muitas vezes à concretização de algumas premissas legais (nem sempre cumpridas efetivamente).
Aliás, a acessibilidade na generalidade dos projetos digitais, dentro ou fora do Estado, é reconhecida muitas vezes como um tema de checklists. A discussão, acaba quase sempre confinada à necessidade de cumprir esta ou aquela directiva, porque um determinado decreto-lei assim o obriga.
Perde-se com isto o essencial da discussão. Todas as guidelines que possam existir só tem um propósito. Facilitar a compreensão das equipas de projeto do tema da acessibilidade e servir como mais uma ferramenta, para a criação de serviços e produtos digitais verdadeiramente acessíveis.
Mais uma ferramenta
Consciente de todo este desafio, o Estado Português, através da AMA, a Agência para a Modernização Administrativa, lançou no ano de 2019 uma iniciativa denominada de Selo de Usabilidade e Acessibilidade. Constituindo-se como mais uma ferramenta no trabalho da acessibilidade na Administração Pública, o selo vem reforçar também todo o quadro legal definido pelo decreto-lei n.º 83/2018 da República Portuguesa, onde são atualizadas muitas das práticas em vigor até então, sendo introduzidos alguns novos conceitos.
O selo e todas as suas premissas, podem ser aplicadas a qualquer website ou aplicação móvel, mas foi pensado principalmente tendo em vista todas as entidades públicas, sejam eles órgãos de soberania, ministérios, institutos públicos, regiões autónomas, autarquias, escolas, universidades ou até mesmo organizações não governamentais.
Dois conceitos reunidos
Embora sejam duas áreas de trabalho diferentes, usabilidade e acessibilidade, elas aparecem reunidas neste selo. É fundamental ter consciência que são dois temas estratégicos e que por si só, cada um deles, tem um campo de trabalho muito vasto. Contudo a sua junção, especialmente num selo com uma preocupação tão particular em tudo o que são tópicos relacionados com acessibilidade, não deixa de ser uma perspectiva muito interessante.
Uma usabilidade de excelência é um contributo inestimável para uma verdadeira acessibilidade e vice-versa. Cada uma destas áreas de conhecimento não pode ser vista simplesmente como algo circunscrito, mas sim como um espaço comum muito plural, sendo que muitas das suas preocupações e boas práticas estão intimamente relacionadas.
Níveis de atribuição do selo
Organizado em três níveis de atribuição, o Selo de Usabilidade e Acessibilidade, para além de se assumir como uma ferramenta de certificação da qualidade de um qualquer produto digital, funciona também como um instrumento pedagógico muito valioso. Os seus níveis de classificação e todos os requisitos inerentes, são antes de mais um guia muito simplificado de várias boas-práticas a ter em conta quando se desenha ou desenvolve um website ou aplicação móvel. Mais do que a mera atribuição do selo, o seu conteúdo é um avanço significativo na simplificação de muitos conceitos em torno da acessibilidade digital.
Qualquer entidade que se candidate à atribuição do selo, tem à disposição três níveis: bronze, prata e ouro. Cada um destes níveis implica uma série de requisitos, mas que são todos explicados de forma bastante simples e ilustrada. Para atribuição do selo com o nível de classificação de bronze, os websites e aplicações móveis, terão que:
- Publicar a sua declaração de acessibilidade
- Ter um nível de conformidade de AA com as WCAG 2.1
- Cumprir os requisitos correspondentes da checklist “conteúdo”
Já no caso do nível de prata, para além dos requisitos descritos para atribuição do selo de bronze, será necessário:
- Cumprir os requisitos da checklist “transação”
- Respeitar os parâmetros da checklist “10 aspetos funcionais”
Por fim, para obtenção da classificação de ouro para além dos requisitos dos níveis de bronze e prata, os produtos digitais que se candidatem, devem:
- Realizar testes de usabilidade com pelo menos 6 utilizadores, dos quais 2 pessoas com necessidades especiais
O cumprimento de todos os requisitos dos níveis de certificação, deve ser documentado com evidências e publicado em anexo à declaração de acessibilidade. Esse documento, deve ser enviado para a equipa da AMA, que fará a análise de todas as evidências, sendo mais tarde atribuído o selo correspondente.
Não esquecer
É muito importante reforçar um aspecto. Embora possa estipular parâmetros concretos de atribuição, o que está em causa com o Selo de Usabilidade e Acessibilidade, não são meras disposições normativas. O objetivo último, é construir serviços públicos digitais realmente acessíveis e não simplesmente obter esta ou aquela certificação, porque no final do dia, podemos e devemos encarar a acessibilidade não só como algo essencial para alguns, mas sim, útil para todos.
Fotografia © Kelly Sikkema (Unsplash)