Quando falamos da transformação digital dos modelos de organização e funcionamento do Estado, o impacto que toda essa dinâmica pode ter no tipo de serviços públicos digitais que são prestados aos cidadãos, é quase sempre um dos tópicos mais recorrentes. Em boa verdade, os serviços públicos digitais são por ventura uma das faces mais visíveis da relação do Estado com as populações no dia a dia e onde o aumento de eficiência e relevância se pode traduzir em melhorias concretas no quotidiano dos cidadãos.
Contudo, é importante olhar sempre para o tema da transformação digital segundo várias perspetivas estratégicas e técnicas. A par de uma visão estratégica clara do caminho de evolução que se pretende fazer em cada um dos serviços públicos digitais, é absolutamente fundamental garantir que a Administração Pública tem ao seu dispor os melhores profissionais e ferramentas para o cumprimento da missão que lhe está confiada.
Quer isto dizer na prática, que os serviços públicos digitais, deveriam ser eles também representativos do “state of art” em cada uma das áreas técnicas que contribuem para a definição, desenho e desenvolvimento de soluções mais eficientes e relevantes para os cidadãos.
O papel do design
Em todo o ecossistema de competências técnicas fundamentais para a construção e evolução dos serviços públicos digitais, o design, enquanto disciplina de projeto, pode e deve assumir um papel preponderante.
Seja pela sua abordagem focada na identificação dos reais problemas a resolver em cada desafio, a necessidade que protagoniza de colocar as pessoas no centro da solução, a visão iterativa dos produtos digitais ou a preocupação constante pela implementação de processos e modelos de trabalho cada vez mais eficientes, é impossível que os serviços públicos digitais do futuro não assumam o design como uma disciplina de trabalho fundamental.
A relevância de um design system
Dentro da disciplina do design, especialmente no campo digital, os design systems têm-se assumido como uma das principais ferramentas da disciplina no contributo para o aumento da eficiência e qualidade da experiência digital dos utilizadores.
Embora não seja uma ferramenta absolutamente recente no panorama dos produtos digitais, os design systems têm ganho nos últimos anos uma grande visibilidade e importância em toda a indústria, seja no setor público ou privado.
Adotados hoje pelos maiores e mais relevantes produtos digitais do mercado global, os design systems são um importante instrumento para enfrentar os desafios do trabalho multidisciplinar, eficiente, integrado, experimental, ágil, colaborativo e iterativo com que as organizações se deparam no seu processo de transformação digital.
Definição de design systems
Para a definição técnica e estratégica do conceito de design systems é importante ter em atenção que este é um instrumento que deve ter uma relação muito profunda com o contexto da organização onde se aplica. Quer isto dizer que dependente deste contexto a missão do design system, o seu papel e definição pode e deve ser um pouco diferente, para se adaptar a cada caso.
Ainda assim, na generalidade dos casos entende-se que os design systems são: um conjunto de orientações que funcionam essencialmente como uma base de trabalho comum entre as várias equipas por detrás de um qualquer produto digital. A finalidade principal destes sistemas escaláveis passa por definir de forma evolutiva todos os princípios mas também elementos, componentes e modelos essenciais à construção da user experience (UX) e user interface (UI) do produto digital, otimizando desta forma, também o seu processo de desenho e desenvolvimento.
Analogia dos legos
Quando se fala de design systems é também bastante comum associar ao conceito a analogia dos legos. Na verdade esta é uma analogia muito feliz para explicar a visão por detrás dos design systems.
Se olharmos para um design system, seja em que contexto for, como uma caixa de legos, perceberemos que quanto mais variadas forem as peças de lego (princípios, elementos, componentes e modelos) que tivermos na nossa caixa (o design system), maiores e mais complexas serão as construções (produtos digitais) que poderemos fazer.
Contexto público
No contexto público, um pouco por todo o mundo vemos os Estados a fazerem cada vez mais um trabalho profundo de construção e evolução dos design systems por detrás dos seus serviços públicos digitais. Seguindo em quase todos os casos uma estratégia de unificação dos serviços públicos digitais sobre uma mesma plataforma de relação com os cidadãos, existem já alguns bons exemplos do trabalho na área dos design systems por parte dos Estados.
Países como o Reino Unido, Austrália, Nova Zelândia, Estados Unidos da América, Argentina, Canadá, Suíça entre muitos outros, são já excelentes casos de estudo de como os design systems podem beneficiar em muito os Estados e a sua relação digital com os seus cidadãos.
Ponto de partida
Para responder à questão essencial se “Será que os serviços públicos digitais precisam dos design systems?” é muito importante deixar de lado qualquer tipo de achómetro e procurar evidências que ajudem a responder à pergunta de forma estruturada. Afinal de contas, os serviços públicos digitais têm um impacto preponderante na vida dos cidadãos e todas as decisões relacionadas com a sua construção e evolução não podem ser tomadas de forma leviana.
Como tal, a auditoria detalhada e particular a algumas das principais plataformas de serviços públicos digitais atuais, mais concretamente às suas experiências e interfaces de relação com os cidadãos, constitui-se como o ponto de partida primordial para a discussão da implementação ou não no Estado de um ou vários design systems.
Análise às plataforma atuais
Tentando contribuir para a discussão em torno da implementação ou não dos design systems no Estado português, foi realizado um estudo comparativo entre algumas das plataformas digitais ao serviço dos cidadãos nacionais hoje em dia.
Poderíamos analisar estas plataformas digitais segundo muitas perspetivas diferentes, mas quando falamos de um contexto de design systems, a perspetiva que nos interessa, também por ser essa onde podem os design systems ter um maior impacto, é aquela que coloca em confronto a forma como os diferentes serviços comunicam e se relacionam ao nível das experiências e interfaces com os cidadãos.
Amostra utilizada
Para esta análise, realizada durante o mês de agosto de 2021 e servindo este exercício tão só como um ponto de partida, foram escolhidos para auditoria 5 plataformas de serviços públicos digitais do Estado português representantes de algumas das suas funções mais sensíveis, as plataformas de comunicação de 3 dos órgãos de soberania do país e ainda a plataforma de referência de serviços públicos digitais.
Embora o ecossistema digital do Estado português seja exponencialmente maior que a amostra aqui utilizada, estas plataformas representam seguramente alguns dos pontos de contacto mais relevantes do Estado com os cidadãos e por isso ponto de referência incontornável em qualquer análise.
Plataformas analisadas:
- SNS 24
- Direção-Geral da Educação
- Portal da Justiça
- Autoridade Tributária
- Segurança Social
- Assembleia da República
- XXII Governo
- Presidência da República
- ePortugal
Critérios de avaliação
Embora não se constitua como um exercício de auditoria exaustivo, esta análise procurou reunir evidências de comparação de alguns dos aspetos fundamentais para as experiências e interfaces nas várias plataformas de serviços públicos digitais da amostra aos cidadãos.
Na análise comparativa realizada entre as diferentes plataformas, foram escolhidos 5 áreas temáticas (Identificação, Navegação, Interações, Tecnologia e Acessibilidade), cada qual com vários indicadores de análise, num total de 12 critérios de avaliação e relacionados todos eles com as disciplinas de User Experience (UX), User Interface (UI) e Frontend Development.
A escolha destes critérios de avaliação procurou representar alguns dos pontos que poderão ser interessantes analisar e comparar num contexto da temática dos design systems, devendo este exercício em fases mais avançadas da discussão, ir mais além do conjunto de critérios aqui escolhidos e assim abranger uma análise mais profunda do cenário atual.
Conclusões do estudo
O resultado da análise levada acabo neste estudo, resume-se em todas as conclusões apresentadas nos 5 capítulos seguintes, cada qual associada a uma das 5 áreas temáticas dos critérios de análise. Fruto deste trabalho foi possível de forma simples e sistemática, recolher não só um conjunto muito alargado de evidências do cenário atual, mas também identificar alguns dos pontos importantes a endereçar no futuro por um hipotético design system.
Como referido anteriormente, embora não se constitua como um estudo exaustivo, esta análise assume-se essencialmente como um ponto de partida para a desmistificação do tema dos design systems aplicados aos serviços públicos digitais do Estado português.
1. Identificação
Um dos pontos fundamentais na relação entre os cidadãos e os serviços públicos digitais do Estado é a segurança que por consequência se tangibiliza num sentimento de confiança, ou não, da plataforma a que se está a aceder.
Numa época em que a desinformação se tornou persistente e a confiança dos cidadãos nas potencialidades tecnológicas e digitais está permanentemente em desafio, é fundamental garantir que todas as plataformas oficiais do Estado português, transmitem a credibilidade essencial à sua utilização onde a sua correta identificação se torna peça fundamental.
1.1. Domínio
O domínio utilizado por cada uma das plataformas de serviços públicos digitais do Estado é uma peça fundamental para a sua credibilidade. A clonagem de plataformas online para a recolha ilícita de dados pessoais é um perigo sério para os cidadãos ao qual o Estado deve estar atento.
Uso do domínio oficial “.gov.pt”:
- SNS 24: Sim
- Direção-Geral da Educação: Não
- Portal da Justiça: Sim
- Autoridade Tributária: Sim
- Segurança Social: Não
- Assembleia da República: Não
- XXII Governo: Sim
- Presidência da República: Não
- ePortugal: Sim
Evidências
Pela comparação dos vários domínios utilizados pelas diferentes plataformas, constata-se uma tentativa de utilização do domínio “.gov.pt” de forma generalizada. Contudo é também evidente, que existem ainda algumas excepções a esta utilização ainda para mais em alguns serviços públicos digitais muito sensíveis.
Recomendações
Da análise evidencia-se a existência de diferentes domínios nas várias plataformas. Esta incoerência, para além de se constituir como uma vulnerabilidade de segurança, dificulta também aos cidadãos a compreensão de quais são ou não as plataformas oficiais do Estado. Recomenda-se portanto a uniformização, sem excepção, de todos os domínios utilizados pelas instituições do Estado, segundo um denominador comum, mesmo que possam existir diferentes endereços de acesso a diferentes serviços ou espaços de informação, por exemplo: www.entidadepublica.oficial.pt (sendo a palavra “oficial” uma mera generalização para fins de exemplo).
1.2. Identidade visual
Também a utilização de uma estratégia de marca transversal e plural a todo o Estado se constituiu como um fator decisivo para a identificação e confiança dos cidadãos nas plataformas oficiais que utilizam. Garantindo a devida independência entre si de muitos dos órgãos de soberania do país, uma estratégia de identidade visual transversal beneficia em muito uma correcta identificação das várias plataformas.









Evidências
Mesmo existindo em vigor uma identidade visual transversal para toda a “República Portuguesa” a análise das várias plataformas evidência uma total anarquia em termos de identidade visual. Mesmo utilizando a identidade visual da “República Portuguesa” é possível notar que algumas plataformas utilizam o sufixo da área governativa e outras não. Para além disso, em muitos casos a identidade visual utilizada é absolutamente diferente desta referência. Mesmo com a utilização das cores nacionais enquanto elemento identificativo, é possível encontrar entre todas as plataformas variações nas tonalidades utilizadas. As diferenças evidentes na utilização de uma identidade visual articulada, denota também uma grande discrepância nas características visuais entre todas as plataformas.
Recomendações
Garantindo a devida independência, também em termos de identidade visual de alguns dos órgãos de soberania do país, que ainda assim seria importante manterem algum tipo de articulação visual entre si, seria fundamental a utilização de uma estratégia e arquitetura de marca, com reflexo numa identidade visual transversal a todas as plataformas de serviços públicos digitais do Estado. Esta articulação transversal, também ao nível da identidade visual do Estado potenciaria um reconhecimento mais simples e direto por parte dos cidadãos se a plataforma que está a utilizar é ou não um espaço oficial.
2. Navegação
A navegação é em qualquer plataforma, seja ela de serviços públicos digitais ou não, uma peça de usabilidade essencial para o sucesso e satisfação dos cidadãos. É através da navegação que os utilizadores, cidadãos quando falamos de plataformas do Estado, conseguem aceder à informação e funcionalidades que procuram.
Para isso, os cidadãos têm por norma à sua disposição vários modelos e soluções de navegação dentro de cada plataforma. Atendendo também àquilo que são os padrões de usabilidade no momento, a existência ou ausência destas soluções permite uma interação mais simples e satisfatória.
2.1. Menu de navegação
Uma das peças fundamentais de navegação de qualquer plataforma é o seu menu de navegação. É através desta solução de navegação que os cidadãos podem procurar todos os conteúdos e funcionalidades que precisam, mas também descobrir o muito mais que a plataforma lhe tenha para oferecer.









Evidências
Da análise de todos os menus de navegação nas várias plataformas, fica evidente a multiplicidade de soluções utilizadas. Quer seja pela linguagem utilizada (umas mais técnicas outras mais simples), a utilização ou não do menu “hambúrguer”, o acesso a mais ou menos níveis de navegação através do menu ou até mesmo o próprio o modelo visual utilizado, é clara a discrepância e amplitude de soluções diferentes utilizadas.
Recomendações
Uniformizar abordagens aos modelos de menus de navegação de forma transversal a todas as plataformas de serviços públicos digitais do Estado, garantindo também a definição e aplicação de diretivas para a estruturação da arquitetura de informação nas suas várias dimensões de trabalho técnico (categorização, linguagem, extensão, etc.).
2.2. Breadcrumbs
Os breacrumbs, são outras das possíveis soluções de navegação mais recomendadas para utilização em plataformas digitais, especialmente as mais complexas como é recorrentemente o caso no Estado. Consiste numa sequência de ligações, colocadas no topo de cada página de conteúdo, onde é possível conhecer o enquadramento daquela página em toda a arquitetura de informação da plataforma bem como aceder a outras áreas relacionadas.







Evidências
A utilização de breadcrumbs é uma tendência em quase todas as plataformas da amostra, excepção feita apenas para as plataformas da Segurança Social e Assembleia da República. Contudo, existe porém na sua utilização algumas discrepâncias entre as várias plataformas. A utilização do breadcrumb apenas em algumas das páginas da plataforma, a designação do primeiro elemento ou a associação de ligações a páginas em todos os elementos ou não, estão entre as diferenças mais significativas encontradas nas várias soluções.
Recomendações
Tornar a utilização dos breadcrumbs essencial em todas as plataformas do Estado. Definir também regras claras e uniformes para a utilização e comportamento dos breadcrumbs em todas as plataformas.
2.3. Pesquisa de conteúdos
Pela complexidade recorrente das plataformas dos serviços públicos digitais do Estado, a dada altura da interação pode ser muito importante permitir aos cidadãos pesquisar em toda a plataforma de forma livre o tema que lhe interessa no momento. Os motores de pesquisa nas plataformas, são outra das ferramentas de navegação essenciais e em muitos casos indispensáveis, para garantir uma interação de utilização de excelência.









Evidências
Todas as plataformas analisadas dispõem de uma pesquisa de conteúdos transversal. Geralmente associadas ao menu de navegação no topo das páginas, são um elemento persistente e permanente ao longo da interação. Diferem entre si no modelo visual que utilizam e também nas potencialidades (por exemplo, algumas das soluções têm opções de filtragem de conteúdos e outra não). A par da disposição da opção de pesquisa, a página de apresentação de resultados de pesquisa é também outra peça fundamental da experiência. Depois de realizada uma pesquisa as páginas de resultados de pesquisa, apresentam significativas diferenças funcionais e visuais entre todas as plataformas.
Recomendações
Garantir um modelo visual e funcional de pesquisa de informação uniforme em todas as plataformas do Estado. Implementação também de uma solução de pesquisa federada, que facilite a procura de conteúdos em todas as plataformas do Estado ao invés de exclusivamente na plataforma atual que os cidadãos estão a visitar.
2.4. Opções de rodapé
A par do menu de navegação da plataforma, geralmente colocado no topo da página, as opções que aparecem no rodapé das plataformas, podem também constituir-se como opções de navegação bastante relevantes. Para além de albergarem algumas informações adicionais, o espaço de rodapé, é mais uma ferramenta permanente e transversal em todas as páginas que pode ser utilizada para auxiliar os cidadãos na sua navegação.









Evidências
Analisando todas as plataformas da amostra é notória a amplitude de abordagens utilizadas. Para lá das diferenças do modelo visual, constitui-se como principal e maior diferença a discrepância da extensão e proposta de navegação protagonizada por cada caso.
Recomendações
Definir um modelo visual comum e escalável para as opções de rodapé de todas as plataformas do Estado. Para além disso, uniformizar também a missão, utilidade e funcionalidades disponibilizadas. Identificar no rodapé de forma clara e inequívoca os “responsáveis” pela manutenção da plataforma e principalmente onde podem os cidadãos encontrar ajuda ou reportar algum tipo de erros que encontrem na plataforma. Padronizar a utilização e associação dos logotipos de várias entidades ou projetos públicos. Garantir também a uniformização da nomenclatura e disponibilização das páginas de âmbito legal (política de privacidade, termos e condições, etc.).
3. Interações
Outra peça fundamental de qualquer experiência e interface em especial no contexto do Estado, a interação com os mais variados componentes ao longo das várias plataformas, é o que permite aos cidadãos concretizarem as necessidades pelas quais se dirigiram à plataforma.
Mesmo podendo muitas vezes visitar plataformas diferentes, os cidadãos estão na sua utilização diária do digital habituados a determinados padrões e modelos de interação. A potenciação e reaproveitamento de umas plataformas para as outras, dentro ou fora do contexto do Estado, permite em última análise uma interação mais simples e coerente, o que são sempre fatores desejáveis.
3.1. Botões
Na construção e evolução de qualquer interface existe um sem fim de componentes que em última análise permitem que os cidadãos realizem todas as ações que pretendem. Os botões de todos os formatos possíveis e imaginários, são um desses componentes interativos essenciais, mas que muitas vezes podem, por causa do seu aspeto menos direto, constituir-se como uma dificuldade acrescida. Se os cidadãos não souberem onde clicar, dificilmente conseguirão atingir algum dos seus objetivos.
Evidências
A generalidade das plataformas utiliza modelos de botões relativamente evidentes. A principal dificuldade detectada nesta comparação é a multiplicidade e diferença de elementos interativos que não assumem o formato de botão, logo mais difíceis de compreender que os botões em si. Ligações em texto, imagens, cartões, títulos, ícones isolados, são alguns dos elementos interativos com ações associadas, que pela sua multiplicidade de formas, poderá deixar os cidadãos na dúvida sobre o que é e não é clicável dentro da plataforma e ainda para mais quando comparando com outras.
Recomendações
Explorar sempre que e o mais possível a associação de interações a elementos com formato de botão, mesmo que possa existir uma hierarquia com dois ou três modelos de botões visualmente diferentes entre si. Tentar minimizar a atribuição de ações interativas a outros elementos visuais e no caso disso ser necessário, garantir através da legendagem e modelo gráfico a par do teste regular de soluções com cidadãos a clareza dessa ação.
3.2. Carrosséis
Por entre os muitos componentes de interface muito populares em plataformas digitais, os carrosséis ganharam nos últimos anos um espaço muito significativo. Permitindo num único componente a apresentação de um conjunto de informação maior através da interação dos cidadãos com a peça, os carrosséis levantam também alguns desafios muito concretos em termos de usabilidade e acessibilidade que é bom não ignorar.








Evidências
Estudos demonstram que dependendo da usabilidade dos carrosséis estes componentes tendem a ter níveis de interação com o utilizador bastante baixos. Da amostra é possível notar que muitas das plataformas utilizam de diferentes maneiras e para diferentes fins este tipo de componentes, mesmo para conteúdos bastante relevantes e que justificariam facilmente estar acessíveis sem nenhum tipo de interação. Comparando entre todas as plataformas, os modelos de carrosséis diferem bastante entre si, alguns deles com problemas de usabilidade estruturais (por exemplo, instruções de interação disponíveis apenas em hovers, contrastes entre os elementos gráficos bastante baixos, etc.).
Recomendações
Avaliar, através de ferramentas de métricas de usabilidade, o nível de interação dos cidadãos com os componentes de carrosséis. Preferencialmente, tentar evitar ao máximo a utilização destes componentes, procurando soluções modulares e escaláveis em que a informação seja toda visível sem requerer nenhum tipo de interação por parte dos cidadãos. No caso de uma necessidade extrema de utilização de um componente do género, tentar que este seja utilizado em informações secundárias e garantindo um modelo que assegure uma usabilidade e acessibilidade de excelência, testando sempre a solução com cidadãos.
4. Tecnologia
Naturalmente, por falarmos de plataformas digitais, a tecnologia tem neste contexto um papel fundamental. Não podendo no contexto dos design systems generalizar todo o pacote tecnológico necessário à implementação destes serviços públicos digitais, faz sentido focar em tudo aquilo que são as tecnologias de Frontend Development.
Os design systems dentro do contexto público, têm uma missão basilar de uniformizar todas as experiências e interfaces de relação do Estado com os cidadãos através dos serviços públicos digitais. Quer isto dizer que embora em alguns casos, conforme os serviços públicos digitais a implementar, possam ser necessários vários tipos de tecnologias, tudo aquilo que é o interface Frontend de contacto com os cidadãos, deverá seguir os mesmos padrões e boas práticas.
4.1. Tecnologias utilizadas
A multiplicidade de serviços públicos digitais naturalmente justificará a utilização de um panorama tecnológico em todo o Estado bastante diversificado. Conforme as necessidades poderá ser relevante utilizar em Backend tecnologias que permitam a criação de serviços mais eficientes. Contudo, essa multiplicidade de tecnologias deveria pelo menos ser minimizada naquilo que é o interface de contacto direto, o Frontend, com os cidadãos em cada plataforma, potenciando um sem fim de benefícios que advêm dessa uniformização e modularidade de soluções, para além claro das poupanças drásticas de tempo e dinheiro em projetos.
No inventário de tecnologias de Frontend utilizadas em cada plataforma serviu como referência a informação recolhida através da ferramenta Wappalyzer que serve neste contexto como mera referência, podendo em alguns casos não descrever de forma completa todas as tecnologias utilizadas.










Evidências
Utilizando a ferramenta Wappalyzer é possível perceber a disparidade de tecnologias de Frontend utilizadas nas várias plataformas da amostra. Muitas vezes mesmo com a utilização das mesmas tecnologias, vemos uma discrepância nas suas versões de atualização.
Recomendações
Independentemente das tecnologias de Backend que possam estar na base dos serviços públicos digitais, procurar uniformizar e unificar as tecnologias de Frontend utilizadas nas experiências e interfaces de contacto direto do Estado com os cidadãos.
4.2. Auditoria tecnológica
A uniformidade naquilo que é a utilização de tecnologias de Frontend, permite entre muitas outras coisas, o cumprimento generalizado daquilo que são as melhores práticas em termos de acessibilidade, SEO e performance. Garantir o reaproveitamento de soluções, para além das poupanças, também ajuda a que não se comentam recorrentemente os mesmos erros.
Para servir de referência neste estudo, foi utilizada a ferramenta de auditoria Google Web.Dev Measure para análise do cumprimento das principais boas práticas em várias áreas técnicas.









Evidências
Utilizando a ferramenta Google Web.Dev Measure é possível analisar cada uma das plataformas face a temas concretos como a performance, acessibilidade e SEO. Dessa análise concluí-se a disparidade de classificações e a recorrência de alguns erros comuns entre as várias plataformas.
Recomendações
Unificar nos processos e nas práticas o desenvolvimento de Frontend entre todas as plataformas do Estado. Recomenda-se também a partilha pública de todo este código para um maior contributo e escrutínio da comunidade técnica bem como uma reutilização das melhores soluções.
5. Acessibilidade
Uma das se não a principal missão do Estado é garantir um modelo de sociedade justa e igualitária. Independentemente dos seus contextos e características, todos os cidadãos têm o direito fundamental de ter acesso às mesmas oportunidades por parte do Estado.
No que toca à acessibilidade e aos serviços públicos digitais, esta é uma premissa que ganha uma importância ainda maior. Cabe ao Estado, cumprir toda a legislação nacional e internacional em vigor, garantir a igualdade de acesso aos serviços públicos digitais de todos os cidadãos, independentemente das suas limitações.
5.1. Declaração de acessibilidade
A evolução do tema e enquadramento legal da acessibilidade digital no contexto do Estado tem ganho nos últimos anos bastante relevância. Quer seja no contexto europeu ou nacional, o Estado tem hoje à sua disposição um quadro legislativo bastante robusto, capaz de nortear com rigor a definição, desenho e desenvolvimento dos serviços públicos digitais. A declaração de acessibilidade é um dos requisitos legais obrigatórios constantes na lei de referência portuguesa o decreto-lei 83/2018 e deve estar disponível numa diretoria específica na plataforma (www.entidadepublica.gov.pt/acessibilidade).
Plataformas com declaração de acessibilidade segundo a lei:
- SNS 24: Sim
- Direção-Geral da Educação: Não
- Portal da Justiça: Não
- Autoridade Tributária: Não
- Segurança Social: Não
- Assembleia da República: Não
- XXII Governo: Não
- Presidência da República: Sim
- ePortugal: Sim
Evidências
Embora seja neste momento um requisito legal obrigatório segundo o decreto-lei 83/2018 da amostra analisada a grande maioria das plataformas não dispõem da declaração de acessibilidade.
Recomendações
Publicar em todas as plataformas a respetiva declaração de acessibilidade na diretoria indicada pelo decreto-lei 83/2018, mesmo que com a informação da plataforma “não conforme”.
5.2. Nível de conformidade
A par do quadro legal sobre a acessibilidade nos serviços públicos digitais do Estado, a área tem também como referência tudo aquilo que são as normas e boas práticas internacionais neste campo, onde se destacam as Web Content Accessibility Guidelines (WCAG) 2.1 e que propõem uma escala de conformidade das plataformas em três níveis distintos: A, AA e AAA.
Para auxílio à avaliação da classificação do nível de conformidade com as WCAG 2.1 foi utilizada como referência a ferramenta AccessMonitor disponibilizada de forma gratuita pela AMA a Agência para a Modernização Administrativa.









Evidências
Recorrendo à análise da página inicial de cada uma das plataformas com o AccessMonitor é possível constatar que salvo honrosas excepções, a classificação do nível de conformidade das plataformas com as Web Content Accessibility Guidelines (WCAG) 2.1 é bastante mediana. É possível ainda aferir que muitas destas plataformas não atingem sequer a classificação de A porque contêm erros associados a esse nível de conformidade.
Recomendações
Antes de mais é absolutamente fundamental garantir que todas as equipas que desenham e desenvolvem serviços públicos digitais têm a formação adequada no campo da acessibilidade digital. Isso garantirá não só no curto prazo melhores serviços públicos digitais, mas também no longo prazo o aumento da cultura para a acessibilidade digital. Por outro lado, é também essencial não cometer recorrente e persistentemente os mesmos erros de Design e Frontend nas várias plataformas. Seria muito importante unificar os building blocks de interface utilizados nas várias plataformas para garantir a eficiência e reutilização de soluções também no campo da acessibilidade.

Próximos passos
À pergunta que serviu de mote a todo este trabalho de análise da experiência e interface a algumas plataformas do Estado português, “Será que os serviços públicos digitais precisam dos design systems?”, a resposta é bastante evidente, “Sim, claro que sim!”. Ao longo do estudo foi possível identificar, mesmo que de forma bastante preliminar, bastantes inconsistências entre muitas das plataformas que dão suporte aos serviços públicos digitais do Estado e que se constituem como uma dificuldade acrescida de utilização para os cidadãos.
A tarefa de construção de um design system transversal a todas plataforma do Estado, sem nenhuma exceção, é um desafio hercúleo mas as poupanças de recursos (tempo e dinheiro) associados e as mais-valias para a experiência dos cidadãos, também são esmagadoras.
Pensar pequeno
Um trabalho como o que está por fazer no Estado português para a construção e evolução do seu design system, não se fará de um dia para o outro. Muito provavelmente estaremos a falar de um projeto de décadas até se chegar a um estado de maturidade considerável. Mas, uma coisa é certa, quanto mais tarde se começar, pior para os cidadãos.
O único “truque” que existe para desbloquear um tema tão transversal e profundo como este, não passa por partir logo para a construção de um design system “porta-aviões”. Começar com pequenos projetos-piloto mas com uma ampla e estruturada visão de futuro, com os profissionais certos à mesa, sem burocracia ou pressão descabida de tempo, é a única maneira de partir a ambição e o problema em pequenas etapas consequentes e com futuro.
Fotografia © Dennis Kummer (Unsplash)