Quando falamos de UX design, o termo user research surge também quase de forma automática na conversa. Isso é incrível. É sinal, em última análise, que a relação dos dois termos já se faz de forma natural. Contudo, aquilo que encontramos na prática de muitas empresas, não faz justiça a esta relação umbilical. É difícil (não impossível) encontrar alguém que trabalhe em transformação digital e que diga à partida e sem mais nenhum tipo de introdução, que user research é uma atividade inútil. Muito pelo contrário, é muito fácil encontrar uma aceitação por definição da importância do conceito.
Mas a realidade conta uma história diferente. Quando olhamos para a realidade dos processos do dia a dia de muitas equipas, vemos que o user research é renegado para segundo plano e muitas vezes excluído por completo do processo. O que isto quer dizer, a não ser que as equipas tenham uma bola de cristal, é que estão a dizer de forma inusitada, que não querem fazer produtos ou serviços digitais decentes. Já nem falamos em bons produtos ou serviços, só decentes. Se não vejamos. Como é que é possível construir e manter um produto ou serviço digital que é feito a pensar nas necessidades de determinadas pessoas, sem nunca, em momento algum do processo, “ouvir” essas pessoas? A resposta é simples, não é possível.
Este artigo é uma tradução e adaptação do artigo original User Research: What It Is and Why You Should Do It integrado na parceria de Educational Partner entre a Interaction Design Foundation e o DXD.
User research é uma parte essencial de UX design. A menos que se perceba para quem estamos a desenhar e porquê, como podemos sequer saber o que criar ou por onde começar? Dependendo do projeto, requisitos e limitações, podes escolher diferentes tipos de métodos de research, desde questionários e testes até entrevistas e ao método mais conhecido – testes de usabilidade. Aqui, vamos ver o que é user research e as 3 principais razões para fazer user research — nomeadamente, para criar designs que são verdadeiramente relevantes, para criar designs que são fáceis e agradáveis de usar, e para perceber o retorno do investimento no teu UX design.
Índice
- O que é user research?
- Criar designs que sejam relevantes
- Criar designs fáceis e agradáveis de usar
- Perceber o retorno do investimento no UX design
- Em resumo
- Referências adicionais
- Sugestões de formação
- Dossiê temático
O que é user research?
User research, ou “design research” como é chamada, por vezes, abrange uma grande variedade de métodos. Pode significar tudo, desde entrevistas etnográficas com o grupo-alvo até estudos de usabilidade clássicos, passando por medições quantitativas de retorno do investimento (ROI) no teu UX design. O que todos os métodos de research têm em comum é ajudarem a colocar as pessoas no centro do processo de design dos produtos.
Fazes user research para inspirar o design, para avaliar as soluções, e para medir o impacto. A user research (e outros tipos de research) é, muitas vezes, dividida em métodos quantitativos e qualitativos.
- Questionários e experiências formais como testes A/B e tree testing são exemplos de métodos de research quantitativa. Os métodos de user research quantitativa procuram medir o comportamento do utilizador de uma forma que pode ser quantificado e usado para análise estatística.
- Entrevistas e (até certo ponto) testes de usabilidade são exemplos de ferramentas de research qualitativa. São, muitas vezes, mais exploratórias e procuram conseguir uma compreensão profunda das experiências e vidas diárias de utilizadores individuais ou grupos de utilizadores.
Cada método de research tem benefícios e desvantagens. Como tal, cada um pode ser usado para alcançar diferentes objetivos. Cada método que escolheres depende do que queres alcançar, bem como de um número de preocupações práticas, como o tipo de projeto em que se está a trabalhar, do orçamento e das limitações de tempo. Com isso em mente, vamos olhar para diferentes razões para envolveres utilizadores no processo de design.
O tipo de user research que deves fazer depende do teu processo de trabalho bem como da razão pela qual estás a fazer user research. Aqui estão 3 boas razões para fazer user research.
1. Criar designs que sejam relevantes
Se perceberes os teus utilizadores, podes fazer designs que são verdadeiramente relevantes para eles. Se não tens um entendimento claro dos teus utilizadores, não tens forma de saber se o teu design vai ser relevante. Um design que não é relevante para o seu público-alvo nunca vai ter sucesso.
O primeiro passo e o centro do mindset de design thinking é empatizar com os utilizadores. User research é uma das melhores formas de o fazer. Conduzir diferentes tipos de entrevistas e observar pessoas no contexto em que vão usar o design é um método comum de fazer este tipo de user research. Muitas vezes colocamos este tipo de research no início do projeto para garantir que a direção geral desse mesmo projeto é relevante para potenciais clientes e utilizadores. Para garantir que o design continua a ser relevante à medida que o projeto evolui, validar as tuas ideias com potenciais utilizadores numa base contínua é um hábito crucial a manter. Fala com eles sobre como percebem o design e sobre como se imaginam a usá-lo, ou envolve-os diretamente no processo de design, para garantir que continuas no caminho certo.

Vamos ver um exemplo. Em 2005, a gigante de produtos eletrónicos coreana, Samsung, fez um conjunto de estudos etnográficos com utilizadores que mudaram totalmente a sua forma de pensar sobre o design de televisões. Com a consultora de inovação e estratégia R&D Associates, representantes da Samsung visitaram pessoas em diferentes países para observar como viviam e para falar com elas sobre as suas casas e o papel da televisão em sua casa. O que descobriram surpreendeu-os. Na altura, a Samsung e a maioria dos outros fabricantes de televisões, desenhavam televisões sobretudo com os requisitos técnicos em mente, como a imagem e o som de alta qualidade. As televisões eram desenhadas para mostrar as suas capacidades técnicas, mas o que a Samsung descobriu ao visitar as pessoas foi que viam a televisão mais como uma peça de mobiliário. Como está desligada a maior parte do tempo, as pessoas não queriam que a televisão dominasse a sua sala de estar. Por isso, em vez de mostrarem a sua televisão cara com todas as suas capacidades tecnológicas, as pessoas tentavam escondê-la o mais possível.
Seguindo esta descoberta, a Samsung mudou a sua estratégia de design radicalmente, retirando as colunas incorporadas para tornar a televisão mais fina e criando um design subtil, minimalista, que se integrasse de forma mais natural nas salas de estar das pessoas. As capacidades técnicas continuavam a ser importantes, mas tinham de ser equilibradas com as escolhas de design que faziam com que as televisões se integrassem com as casas das pessoas.
“Casa” foi a palavra de ordem aqui e a Samsung dedicou-se à transformação. O desafio passou por deixar de tratar a sala de estar como uma exposição ou um bar desportivo, e procurar a harmonia em vez disso. Em 2007, a Samsung tinha duplicado a sua quota no mercado global de televisões porque provou que percebeu como tornar a televisão relevante para os seus clientes.
A user research fez com que a Samsung mudasse a sua estratégia de design de televisão para se focar em designs mais minimalistas que se integrassem em casa dos clientes. Apesar de as televisões não terem ficado mais pequenas, tudo o que era desnecessário foi removido. Como vemos, a televisão funciona como uma imagem dinâmica do tamanho das galerias, como toda a pompa e circunstância discretamente incorporada, a anos-luz da velha noção de engalanar as capacidades técnicas como se fosse um dos dispositivos do James Bond ou qualquer outro super-herói.
2. Criar designs fáceis e agradáveis de usar
Todos os produtos deviam ter um elevado nível de usabilidade (ou seja, deviam ser fáceis de usar), e os testes de usabilidade podem ser uma grande ajuda para alcançar isso. Na altura em que a tecnologia programada era a única ferramenta disponível para os peritos já eram. As pessoas esperam produtos que sejam fáceis de aprender e fáceis de usar. Esperam pegar neles e fazer coisas com eles, enquanto só pensam no que esperam alcançar, sem ter de pensar nos produtos em si. Se a experiência de utilizador não for boa, o mais provável é que as pessoas sigam para outro produto. A menos que trabalhes numa área sem concorrentes, um elevado nível de usabilidade (e uma experiência de utilizador igual) é essencial para fazer de qualquer produto um sucesso de vendas. Já para não dizer que os utilizadores vão adorar-te por criares uma excelente experiência. Mesmo se estiveres a desenhar produtos para, por exemplo, um ambiente de trabalho altamente especializado em que os utilizadores não têm alternativas, os produtos com um elevado nível de usabilidade vão tornar os processos de trabalho mais rápidos, seguros e eficientes.

A Wikiwand é um bom exemplo de uma empresa que trabalha apenas para entregar uma excelente experiência de utilizador. O seu produto é um plugin para o browser que muda o design dos artigos da Wikipedia para torná-los mais apelativos e agradáveis. A Wikiwand não oferece conteúdo diferente do da clássica página da Wikipedia, mas a empresa tem milhares de utilizadores que a elogiam pela extraordinária experiência que entrega.
Quando estás a desenhar ou a desenvolver um produto, tornas-te o principal especialista em como usá-lo e que funcionalidades tem. Como conheces o teu produto tão bem, podes desenvolver ficar cego para a sua funcionalidade e não conseguir ver se o produto é difícil de usar. Como designers, precisamos daquele nível de conhecimento sobre os nossos produtos, mas isso também significa que conseguimos mudar facilmente para a perspetiva dos nossos utilizadores. O autor participou pessoalmente em muitos projetos em que os designers conhecem as ideias por detrás das interfaces e da funcionalidade do produto tão bem que separar o que é fácil de entender do que não é torna-se muito difícil para eles. Esta tendência para ver coisas do ponto de vista de um profissional – a que chamamos defeito de profissão – e não conseguir voltar à realidade do que se passa de um ângulo fresco e global é, infelizmente, natural.
Felizmente, contudo, podes evitar muitos problemas de usabilidade seguindo várias diretrizes e boas práticas. Mas vai haver sempre situações em que as diretrizes não chegam ou que se contradizem com outras diretrizes. Também pode ser que estejas a desenhar para um grupo-alvo de seniores ou crianças, para quem as diretrizes habituais não se aplicam. Isso significa que é sempre boa ideia testar a experiência de utilizador.
Os testes de usabilidade funcionam melhor quando são uma parte integrada do teu processo de trabalho, para que possas testar o produto de forma iterativa e desde uma fase muito inicial do desenvolvimento. Testes iniciais são o que podemos fazer com os protótipos primários – isto é, com papel. A partir daí, evoluímos para protótipos mais refinados até termos algo que se assemelhe mais do produto final. Se só começares a testar quando tiveres o produto quase final, corres um sério risco de ser tarde demais para fazer grandes alterações ao produto com base nas conclusões. Por exemplo, se o software está todo feito ou se não podes adiar a data de lançamento, vais ficar encostado à parede. Por isso, mantém-te flexível com o teu design até ao fim do processo – é fantástico o que pode sair de um teste de 11 horas à “última” versão do produto que tinhas planeado implementar.
3. Perceber o retorno do investimento no UX design
Ainda que a importância do bom design se tenha tornado amplamente reconhecida, UX designers e researchers ainda têm de lutar por recursos que lhes permitam fazer o seu trabalho. Por vezes, executivos e shareholders falham em ver o valor de investir em UX design e muito em especial em user research.
UX design e user research não são tão tangíveis quanto novas funcionalidades ou correções aos bugs de software. Por isso, ignorar o seu valor pode acontecer mais facilmente. Se os recursos forem escassos, UX é, muitas vezes, uma das primeiras áreas onde há cortes. O motivo é que as consequências desses cortes são são sentidas imediatamente, como se tentassem poupar no desenvolvimento e em áreas semelhantes. Se fazes cortes, imaginemos, no desenvolvimento de software, vês de imediato que as consequências passam por cortar algumas funcionalidades ou ter software com problemas. Mas, se fazes cortes em UX, não sentes as consequências até que o produto chegue aos utilizadores e na altura em que os teus concorrentes roubam os teus utilizadores.
Podemos defender facilmente o valor de uma excelente experiência de utilizador. É muito mais eficiente se conseguirmos mostrá-lo. É aqui que os estudos para demonstrar o retorno do investimento (ROI) em esforços de UX são tão importantes. Se conseguires mostrar que as alterações que fizeste no design geraram mais vendas, resultaram num maior número de clientes ou tornaram os processos de trabalho mais eficientes, tens mais capacidade de defender o investimento em UX.
Estudos com utilizadores para medir o impacto do teu design são sobretudo quantitativos e podem assumir diferentes formas. Podes fazer testes A/B durante o desenvolvimento para comparar diferentes versões do design ou podes fazer estudos depois de o produto ser lançado para medir diferentes padrões de utilização. Com apps e páginas, é habitual construir-se diferentes tipos de analítica para recolher diferentes padrões de utilização.

O marketplace online global Etsy é um bom exemplo de uma empresa que construiu o seu sucesso com base na experiência de cliente através de toda a jornada de cliente e que mede continuamente a experiência de utilizador.
Por exemplo, o Etsy testa de forma rotineira diferentes versões de interfaces para melhorar constantemente a usabilidade da plataforma e as métricas de negócio. A sua posição permanente como um dos maiores marketplaces online é um resultado do seu foco rigoroso na usabilidade, research e testes.
Em resumo
Fazer user research garante que estás a criar produtos relevantes para o grupo-alvo e que entregas uma excelente experiência de utilizador, o que, idealmente, vai ajudar a provar o retorno do investimento real do processo de UX design.
Podes, e deves, fazer estudos de usabilidade em todas as fases do processo de design. Faz esses estudos antes de começares a desenhar para perceber as necessidades do teu grupo-alvo; conduz testes iterativos durante o desenvolvimento para garantir que a experiência de utilizador está no bom caminho, e mede o efeito do teu design depois de o produto ser lançado. Esta abordagem de “santa trindade” vai colocar-te um passo à frente, já que todas as dimensões do teu lançamento vão ser consideradas, analisadas e testadas antes que possas ver os resultados do teste mais cimeiro (o ROI). Vais sentir-te mais confiante de que tens um design vencedor.
Referências adicionais
Nesta entrevista, o fundador da Wikiwand, Lior Grossman, explica a abordagem da empresa para desenhar uma enciclopédia mais fácil de usar para o maior número de pessoas.
Sugestões de formação
A Interaction Design Foundation pode te ajudar aprofundar este tópico. Aproveita a parceria entre a IxDF e o DXD para conseguires aceder a formações especializadas, com alguns dos melhores e mais reconhecidos profissionais da área. Para explorares muito mais a relação do UX com os negócios e as ferramentas que precisas para tirar partido dessa simbiose perfeita, aqui ficam algumas sugestões de formações sobre o tema na plataforma da IxDF.
Dossiê temático
Este artigo integra o dossiê “UX é bom para o negócio. Porquê?” uma iniciativa do DXD em conjunto com a Interaction Design Foundation. O dossiê explora essencialmente a relação e o impacto positivo do UX no negócio das empresas. Uma vez por mês o DXD publicará um artigo integrado neste dossiê, utilizando os conteúdos da IxDF e ajudando a plataforma na sua tradução para português. Consulta todos os artigos do dossiê e descobre como o UX pode ajudar os negócios e a economia.
Tradução e revisão © Filipa Moreno
Fotografia © Dane Deaner (Unsplash)