E se corre bem?

Para o bem e para o mal, uma vez por ano, Lisboa torna-se uma das capitais de tecnologia do mundo, com cada edição da Web Summit. Existem inúmeras discussões que se podem fazer em torno da Web Summit. O custo e benefício para o país deste investimento. As consequências para a dinâmica da cidade. O tumulto que é de um momento para o outro, ter muitos milhares de pessoas a mais na cidade a testarem a resiliência das suas infraestruturas. Podemos (e devemos) discutir tudo isto. É importante discutir todos estes aspetos. Contudo, existe muito mais de que podemos falar sobre a Web Summit, especialmente se formos portugueses.

Nós somos o país do fado (triste). Da palavra que mais nenhuma língua tem e que representa a ausência de alguém, a “saudade”. Somos o país que tem (muito seguramente) mais provérbios populares com algum teor de negativismo ou vergonha de existir. Quantas vezes ouvimos nas nossas vidas, “quem tudo quer tudo perde”, “a fome é o melhor tempero”, “quem não tem cão caça com gato”, “cada macaco no seu galho”, “a cavalo dado não se olha os dentes”, “o dinheiro não cai do céu”, “não gastes o que não tens”, “não coloques todos os ovos no mesmo saco”, “mais vale tarde do que nunca”, “quem não arrisca não petisca” e por aí em diante.

Somos o país, que tem no seu imaginário literário, figuras como o “Velho do Restelo”. Uma figura da obra Os Lusíadas de Luís Vaz de Camões, publicada em 1572. Se tivéssemos que encontrar uma persona para muito do sentimento generalizado português seria certamente o “Velho do Restelo”. Uma figura muito pouco crente no sucesso da epopeia que Os Lusíadas relatam e que logo à partida da expedição lhe augurava o maior insucesso possível.

Crença nas ideias

Uma das coisas que mais impressiona na Web Summit são os números: 71.368 participantes oriundos de 157 países diferentes, 869 oradores, 1.857 investidores e o número mais impercionante, 2.725 startups de 108 países. É difícil encontrar um evento com números parecidos com estes. Para além dos números existe outra coisa que impressiona no evento, a atmosfera de crença. Cada uma destas 2.725 startups e os seus fundadores, acredita verdadeiramente no poder da ideia que tem e que procura convencer o maior número de investidores possível (ou pelo menos os investidores certos).

O nível de crença que um fundador precisa de ter na ideia que está na génese da sua empresa, é algo inspirador. Mesmo quando todo o mundo (especialmente se forem portugueses) lhe vai dizer “essa ideia não tem pernas para andar” ou “nunca ninguém vai investir nisso”, é esmagador ver fundadores a defenderem com unhas e dentes a sua ideia num pitch. Existem aqui várias lições que podemos tirar, uma delas é precisamente esse nível de crença.

Para fazer coisas acontecerem, especialmente se forem negócios, é preciso um nível de crença e dedicação extraordinário. A digitalização e a loucura em seu redor, diz-nos que tudo é fácil e se cria com meia dúzia de prompts. Quem já teve que construir um negócio do 0, sabe bem a mentira que isto é. Basta ouvir um punhados de empresários e fundadores para chegarmos rapidamente a esta conclusão.

Criar negócios do 0

Criar um negócio do 0 e fazê-lo crescer dia após dia, é sem sombra de dúvidas uma das escolas de negócios mais relevantes. Podemos aprender muitas coisas na “escola”, mas muito pouco nos ensina mais que a realidade. Criar um negócio, uma startup, é um desafio onde é difícil compartimentar aquilo que queremos fazer ou não. Na prática cada fundador tem que ser tudo ao mesmo tempo. O técnico que desenvolve o produto ou serviço, o comercial, o gestor, o marketer e tudo quanto mais for necessário fazer.

Fazer tudo isto, tem vários efeitos. Um, obriga as mesmas pessoas a fazerem um infinito de coisas diferentes. Dois, obriga a cometer erros. Muitos erros. E isto não é mau. Cometer erros faz parte da aprendizagem. Quem não comete erros, das duas uma, ou não está a tentar fazer nada, ou ainda não tentou o número de vezes suficientes fazer algo de relevante. Criar uma startup é isto. Fazer muitas coisas diferentes. Aprender mais ainda. E cometer muitos erros. Pelo meio acerta-se umas “coisas” o que é fantástico.

Isto é o mais inspirador na Web Summit. Conseguir reunir no mesmo lugar e ao mesmo tempo, tantas pessoas, fundadores, que têm muito pouco em comum, com excepção da predileção para cometer erros e tentar levar ideias à prática transformando-os em negócios (ou quem sabe unicórnios).

Não vale a tentativa?

O “Velho do Restelo”, personificando a alma comudida portuguesa, recriminará (naturalmente) todos os erros que possamos cometer. Dirá tudo aquilo que já sabemos à partida quando tentamos criar algo de novo como uma startup. “Deviamos ter ficado quietos”, “tentamos dar um salto maior que a perna” e por aí em diante. Mas… e se corre bem? Se aquela ideia muito mal explicada ao inicio, onde colocámos todas as nossas crenças (e às vezes dinheiro) crescer e se transformar num negócio interessante? Se existir a mais pequena probabilidade de isto acontecer será que não compensa a tentativa?

É uma pergunta difícil de responder. Claro que todos queremos criar unicórnios. Não precisamos chegar a este ponto para termos um negócio interessante. Muitas startups nunca chegaram se quer a ser empresas rentáveis. Faz parte do processo. Contudo se um punhado, mesmo que muito pequeno, conseguir crescer ao ponto de se tornar uma empresa, não vale apena tentar? Claro que sim!

Ecossistema português

Existem muitos motivos para termos orgulho na Web Summit. O principal, para lá do acolhimento do próprio evento é a amostra de startups portuguesas que participam no evento. Mais concretamente as 336 startups portuguesas que procuram no evento não só dar visibilidade às suas ideias mas também parceiros que as possam ajudar a crescer em dimensão e volume.

Todas estas startups dizem que já não somos só o país dos “Velhos do Restelo”. Felizmente. Somos também o país de pessoas que tentam fazer diferente, mesmo não sabendo se isso se tornará algum dia num negócio. E está tudo bem. Pelo caminho, muitas destas tentativas criaram também no tecido empreendedor em Portugal massa crítica e pessoas mais qualidades para a inovação.

Tens dúvidas do valor disto? Nem de propósito a startup vencedora este ano do do Pitch 2025 da Web Summit é uma startup portuguesa, a Granter.ai. Se dúvidas existissem do valor que o ecossistema de empreendedorismo tem em Portugal, esta é mais uma prova.

Fotografia © Paolo Chiabrando (Unsplash)