A acessibilidade digital é a coisa certa a fazer. É importante que no inicio de qualquer conversa sobre este tema, isto nunca seja uma dúvida. É um direito fundamental consagrado em documentos essenciais que temos como referência na sociedade em que vivemos. Documentos como a Declaração Universal dos Direitos Humanos, Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia ou mais concretamente em Portugal, a Constituição da República Portuguesa, referem expressamente a importância da igualdade de oportunidades entre todas as pessoas, independentemente das suas características.
Contudo, é também importante não esquecer o lado económico da questão. A acessibilidade pode também ter um impacto económico muito positivo no negócio das empresas. Quando falamos de acessibilidade digital, no que toca às empresas, é também de dinheiro que estamos a falar. Sim. Dinheiro, grana, massa, moedas, numerário, verba, tostão, riqueza, liquidez, pilim, lucro, guita ou qualquer outro nome que se queira utilizar para o qualificar. É muito importante que as empresas percebam isto. É mais importante ainda que quem gere as empresas perceba isto. É um erro, também de gestão, olhar para a acessibilidade, somente como um custo ou uma obrigação legal. Olhar para a acessibilidade digital como um investimento pode trazer agradáveis surpresas aos negócios.
Dois investimentos diferentes
Antes de compreender as vantagens que a acessibilidade digital pode ter para os negócios, é essencial compreender também que trabalhar o tema numa empresa pode ter diferentes perspectivas, ambas com valores de investimento diferentes. Podemos trabalhar a acessibilidade digital quer para adaptar algum produto ou serviço digital atualmente em funcionamento, ou incluir o trabalho de acessibilidade digital em tudo o que de novo estamos hoje a desenvolver. Fazer correcções de acessibilidade em algo que já existe é um trabalho penoso (para além de bastante oneroso). Será mais ou menos complexo conforme o ponto de partida, logicamente. Mas isto implica sempre refazer alguma coisa no produto ou serviço. Podem ser módulos inteiros ou simples componentes de interface. Se queremos melhorar a acessibilidade digital de um produto em funcionamento, teremos sempre que refazer peças daquilo que já está a funcionar.
Por outro lado, incluir a acessibilidade digital desde o inicio de qualquer projeto tem, também em termos financeiros, inúmeras vantagens. Primeiro não teremos que refazer nada no futuro (vamos só melhorar de forma iterativa o que temos). Segundo, conseguimos salvaguardar que este trabalho é feito de forma faseada, por cada uma das equipas envolvidas no projeto, no seu tempo e dentro das atividades que já lhe são específicas. Na contratação de parceiros, na definição de requisitos funcionais, no design, no desenvolvimento ou no controlo de qualidade. Em todos estes e outros momentos de trabalho ao longo do projeto, temos sempre algo relacionado com acessibilidade que podemos endereçar e que vai minimizar em muito o esforço acumulado que é preciso para trabalhar o tema. A acessibilidade digital, agradece. Os utilizadores, também. E a tesouraria das empresas, também.
Diluir o investimento no trabalho de acessibilidade digital, ao longo de todas as etapas de projeto, principalmente em projetos novos, é muito mais vantajoso do que andar sempre a corrigir problemas de acessibilidade em algo que já se encontra em funcionamento. Este é um conceito fundamental que todas as empresas deveriam compreender. Traria muitas mais vantagens quer em termos de acessibilidade, pois claro, mas também no volume de investimento que é necessário fazer, por força da lei, nos produtos e serviços digitais atuais das empresas.
Vantagens para os negócios
Compreendendo os tipos de investimento que podemos fazer no trabalho em acessibilidade digital, fica mais simples falar sobre as vantagens para os negócios. Se partimos do pressuposto que a acessibilidade digital, quando colocada em cima da mesa desde o inicio do projeto, não se torna um volume de encargos desproporcionado, é muito mais fácil olhar para as vantagens para os negócios que esta nos pode trazer.
Efetivamente, existem muitas vantagens. Concretamente e pragmaticamente, podemos olhar para a acessibilidade digital como um investimento que vai beneficiar em muito a atividade económica da nossa empresa, bem como o seu negócio. Das muitas perspectivas económicas que poderemos ter, existem pelo menos 6 que de uma forma ou de outra deveríamos ter sempre como referência.
Reforça a cota de mercado
Segundo os censos de 2011, existem em Portugal, 2 905 200 pessoas com limitações visuais, auditivas ou motoras (temporárias ou permanentes). Ainda segundo a mesma fonte, cerca de 18% da população vive com algum tipo de limitação física ou cognitiva (crónica ou permanente) e 24,8% da população em Portugal entre os 15 e os 64 anos, vive com algum tipo de limitação visual ou auditiva, mesmo com a ajuda de algum tipo de auxiliar. Ainda relativamente a números em Portugal, segundo os censos de 2011, 508 400 pessoas com mais de 65 anos tem dificuldade em ver, mesmo com óculos.
Estes são números que não nos podem deixar indiferentes e que representam bem o perfil de públicos primários a que a acessibilidade digital pode dar resposta. Se ao fortalecermos a acessibilidade digital das nossas soluções digitais estamos a eliminar barreiras para que mais pessoas possam utilizar essas soluções, isso quer dizer que estamos também a aumentar o grupo de potenciais clientes. Os consumidores têm diferentes perfis e características. Isto é um facto e os números comprovam-no. Se os nossos produtos e serviços conseguirem ser utilizados por um leque maior de pessoas, independentemente dessas características, isso irá traduzir-se em mais vendas, o que é sempre bom para qualquer negócio.
Aumenta a visibilidade da marca
Que marca nunca sonhou ocupar as primeiras posições dos resultados de pesquisas do Google para determinadas palavras-chave? Seguramente estas são posições que muitos produtos ou serviços gostariam de ocupar. É certo que a acessibilidade digital não pode promoter que isso aconteça. Mas a implementação de boas práticas de acessibilidade digital em plataformas online é um contributo muito importante também para a implementação de boas práticas de SEO. Melhor SEO, quer dizer, maior visibilidade em pesquisas online. Maior visibilidade, quererá dizer em última análise, mais vendas.
Simplifica a utilização dos produtos
Ser acessível quer dizer em termos práticos muitas coisas diferentes. Um dos conceitos fundamentais da acessibilidade digital é garantir um grau de simplificação tal nos produtos e serviços digitais, que permita que diferentes pessoas os possam utilizar. Acontece que esta simplificação também tem grandes vantagens para o negócio. Soluções mais simples quer dizer, maior facilidade de interação. Por sua vez, essa interação simplificada, vai fazer com que os utilizadores tenham menos dúvidas durante os processos. Isso quererá dizer que serão mais autónomos e vão precisar muito menos de recorrer a canais de suporte da empresa como um call center. E isto pode querer dizer em alguns casos, poupanças muito significativas nos custos com esses canais de suporte, o que dependente das empresas, podem ser números muito expressivos.
Melhora a reputação da marca
É um facto que os consumidores hoje, no seu processo de relação com os produtos e serviços das marcas, valorizam muito mais que o preço. Temas como a sustentabilidade ou a inclusão e a forma como as marcas integram, ou não, valores como estes, podem querer dizer mais ou menos vendas. Uma coisa é uma marca parecer inclusiva, outra coisa bem diferente é ser realmente inclusiva. Inclusiva neste contexto, quer dizer permitir que todas as pessoas possam utilizar os produtos e serviços digitais da marca, através da integração de boas práticas de acessibilidade. A acessibilidade para além de ser a coisa certa a fazer, pode ser também para as marcas, uma bandeira legitima de afirmação e melhoria da sua reputação junto dos consumidores.
Minimiza o risco de processos legais
Esta vantagem é bastante fácil de explicar. Se existe uma lei sobre acessibilidade digital que toca os produtos e serviços da nossa empresa, ao não a cumprirmos essa lei, corremos o risco de ir parar a tribunal, ponto. Mas, os danos podem ser maiores que a simples multa que daí possa resultar. Veja-se por exemplo o caso da Vueling em Espanha já em 2024. Ou pior ainda. Nenhuma marca vai querer ver em letras garrafais na comunicação social que está envolvida num processo em tribunal por excluir da utilização dos seus produtos e serviços digitais pessoas com deficiência, ao não implementar as boas práticas de acessibilidade digital que era suposto. Tudo isto pode ter um impacto muito nefasto no negócio e é perfeitamente evitável.
Fortalece a internacionalização
A Diretiva (UE) 2019/882 para além de tentar garantir a inclusão no espaço digital de pessoas com deficiência, tem também na sua génese um carácter económico bastante vincado. Ao tentar padronizar na União Europeia as práticas mínimas de acessibilidade digital em produtos e serviços, está ao mesmo tempo a potenciar a internacionalização desses mesmos produtos e serviços. Ao existirem regras comuns em todos os Estados-Membros isto torna possível a comercialização de produtos e serviços noutros mercados que não só os nacionais. Este facto, aumenta claro a competitividade entre as empresas europeias e o seu potencial de internacionalização. Ganha a inclusão mas ganha em grande medida também a economia.
Acessibilidade digital é boa para a economia
O lado económico da acessibilidade digital e os benefícios que isso pode trazer para os negócios, é uma conversa sobre dinheiro. Sobre como os negócios podem ficar a ganhar com este investimento. É igualmente uma conversa sobre o contributo que a acessibilidade digital pode dar à construção de uma economia mais forte. Existem vários caminhos possíveis nos negócios, é bem verdade. Mas uma economia forte, constituída por negócios sustentáveis e inclusivos, pode beneficiar em muito o país. Seja pela criação de empregos, a expansão de produtos e serviços de empresas portuguesas, a criação de novas oportunidades de investimento ou ainda, só para dar alguns exemplos, o investimento na qualificação de pessoas.
Tudo isto (e outras tantas que poderíamos aqui acrescentar) são vantagens de uma economia forte, guiada por princípios. É também a isto que a acessibilidade digital pode dar um contributo, quando vista como um investimento ao invés de mais um custo. Um investimento que pode não só transformar a nossa sociedade num lugar mais inclusivo, mas também, numa economia com produtos e serviços de valor acrescentado, feitos desde o inicio a pensar no maior número de pessoas, independentemente das suas características.
Fotografia © Markus Spiske (Unsplash)