A acessibilidade digital não pode ser um tema periférico no futuro das marcas em Portugal. A afirmação é forte, mas a crença verdadeira. Que marcas queremos ter na economia do futuro? Queremos construir uma economia resiliente, alicerçada em produtos e serviços responsáveis, sustentáveis e inclusivos, ou só uma economia focada em fazer lucro no curto prazo? Queremos olhar para as marcas como simples etiquetas de supermercado ou como agentes de verdadeira mudança?
Este é o dilema que se nos depara pela frente neste preciso momento. Ao olhamos para os produtos e serviços digitais de muitas marcas que utilizamos todos os dias e a importância que o tema da acessibilidade digital tem ganho nos tempos mais recentes. Especialmente com a evolução legislativa na Europa e por consequência em Portugal.
Chegámos ao momento em que não dá para ficar em cima do muro. Cada marca tem que escolher qual é o lado da “barricada” em que quer ficar. Se no lado das marcas que se preocupam realmente com a inclusão do maior número de pessoas na utilização dos seus produtos e serviços digitais, tirando o melhor partido da acessibilidade digital. Ou então, no lado de todas as outras marcas, que dizem que são inclusivas, que até podem parecer inclusivas, mas que não passam disso mesmo, aparências.
Nunca como hoje a acessibilidade digital foi tão relevante. Mais que não seja porque o tema tem hoje um enquadramento legislativo robusto como nunca teve, também para o setor privado. Para além claro dos consumidores, que no final do dia são eles que compram e que estão hoje muito mais conscientes da importância das atitudes sustentáveis e inclusivas das marcas. Este é um tempo de transformação, que pode decidir quais as marcas que vão prosperar ou morrer no futuro (não muito longínquo).
Índice
- Conhecer o panorama
- Começar pelo princípio
- Erros mais comuns
- Método de análise
- Amostra de websites
- Análises individuais de cada marca da amostra
- Sobre verificações de acessibilidade
- Direito fundamental
Conhecer o panorama
É difícil em Portugal dizer em que ponto está a acessibilidade digital. Para além do Observatório Português de Acessibilidade Web (focado exclusivamente no setor público) e de alguns projetos e estudos académicos, existem muito poucos dados que nos ajudem a mapear o estado da situação do tema em Portugal. E este conhecimento deveria ser o ponto de partida para qualquer ação. Sem conhecermos o ponto de situação atual, como poderemos traçar um caminho de evolução? A resposta é simples. Não podemos. Pelo menos de forma relativamente organizada e estruturada.
Tudo isto ganha ainda uma dimensão maior, quando olhamos para o setor privado, onde aí a informação é ainda mais escassa. Para além do tema da acessibilidade digital não ser uma preocupação recorrente das equipas (por várias razões e todas igualmente válidas), existe ainda menos informação de qual o estado de coisas da acessibilidade digital das marcas em Portugal. É um ciclo vicioso. Sem informação não é possível traçar estratégias de evolução. Se não existir investimento e estratégia também nunca teremos informação confiável que nos possa ajudar a traçar caminhos de melhoria.
Começar pelo princípio
Num contexto onde existe muito pouco ou nenhuma informação, alguma informação, desde que seja credível e relevante, pode ser um excelente ponto de partida. Foi com este objetivo que o DXD, dentro do âmbito da parceria que tem algum tempo com a Rocket Validator, uniram esforços e tentaram em conjunto trazer alguma informação que pudesse contribuir para uma reflexão mais estruturada sobre o cenário da acessibilidade digital das marcas em Portugal.
A Rocket Validator é uma ferramenta que procura ajudar as equipas a consolidarem processos de verificação automática de HTML e acessibilidade. É um instrumento poderoso que permite a verificação de dezenas (ou centenas) de páginas do mesmo website em simultâneo e de forma automatizada. Ao mesmo tempo que pode disponibilizar toda a informação recolhida nestas análises através de uma API própria e que pode ser a base de muitos mecanismos de monitorização nas organizações.
Erros mais comuns
Em conjunto, o DXD e a Rocket Validator, criaram a plataforma Os 10 problemas de acessibilidade mais comuns em Portugal. Uma plataforma de utilização bastante simples mas que permite identificar os erros de HTML e acessibilidade mais comuns nos websites de algumas das marcas mais relevantes para os consumidores em Portugal. Um inventário muito claro dos problemas de interação que se podem constituir como barreiras intransponíveis para pessoas em que a acessibilidade digital não é um adicional, mas sim, uma necessidade preponderante.
Ao contrário daquilo que o senso comum possa pensar, a acessibilidade não é um tema de nicho, para corresponder a necessidades específicas deste ou daquele perfil de utilizador. Claro que a acessibilidade é tudo isto. Mas é igualmente muito mais que isto. A acessibilidade pode e deve ser um diferenciador económico para as marcas. E quando alguns dos erros que aqui identificamos acontecem, isto quer dizer que muitas marcas estão a perder oportunidades de tornarem os seus produtos e serviços digitais, mais simples e mais eficientes. A maior parte dos erros que encontramos no Top 10 Accessibility Issues in Portugal são erros elementares. Pequenas grandes coisas facilmente resolúveis pelas equipas de projeto e que poderiam melhor em muito a acessibilidade das soluções.
Método de análise
Para credibilizar a informação apresentada e também por uma questão de transparência, é muito importante clarificar como é realizada esta análise. A credibilidade da informação é essencial. E por isso, especialmente num projeto deste género, faz todo o sentido que a comunidade e as equipas tenham todos os dados para que elas próprias possam tirar as suas conclusões.
No primeiro dia de cada mês, é realizada uma análise automática a 50 páginas aleatórias dos websites das 114 marcas em Portugal que constituem a amostra do estudo. Esta verificação automática é realizada através da ferramenta Rocket Validator que utiliza como modelos de verificação de HTML a aplicação W3C Markup Validation Service e para verificação da acessibilidade a ferramenta Axe Core.
É com base na informação recolhida que são produzidos os dados disponibilizados pelo estudo. Embora o resultado do estudo esteja consolidado apenas no elenco dos 10 problemas mais comuns de HTML e acessibilidade nos websites, é importante vincar que esta informação é de uma atualidade bastante grande, pois estas análises são realizadas mensalmente. Com o tempo, estas análises mensais vão permitir igualmente compreender eventuais movimentos de melhorias de acessibilidade, ou não, dos websites das marcas.
Amostra de websites
Seria à partida impossível analisar todos os websites de todas as marcas a operarem em Portugal. Estaríamos a falar de universo de análise imenso e que poderia tornar quase impossível chegar a um resultado interessante em tempo útil. Por conseguinte, optou-se neste estudo por trabalhar com uma amostra de algumas das marcas com maior impacto junto dos consumidores em Portugal e relevância para o seu dia a dia. Uma lista com a curadoria de Ruben Ferreira Duarte. Claro que esta não é uma amostra fechada. Ao longo do tempo pode fazer todo o sentido aumentar o número de marcas analisadas. Todas as sugestões e contributos neste sentido, são muito bem vindos.
Na amostra do estudo, existiu o cuidado de incluir marcas de diferentes setores de atividade. Marcas com vários propósitos sociais e modelos de negócio e que pudessem ao máximo representar a dinâmica económica do país. Atualmente fazem parte da amostra do estudo os websites das seguintes marcas (organizadas por ordem alfabética, independente do setor de atividade).
Letra A
Letra B
Letra C
Letra D
Letra E
Letra F
Letra G
Letra H
Letra I
Letra J
Letra L
Letra M
- Mapfre
- Martifer
- MB Way
- McDonald’s
- Médis
- Meo
- Mercadão
- Mercadona
- Meu Super
- Millennium BCP
- Mimosa
- Minipreço
- Mo
- Mota-Engil
- Multibanco
- MultiOpticas
Letra N
Letra O
Letra P
Letra R
Letra S
- Sagres
- Santander
- Sata Azores Airlines
- Seguro Directo
- Semapa
- SIC
- SIC Notícias
- Sogrape
- Sonae
- Sport Zone
- Sumol Compal
- Super Bock
Letra T
Letra U
Letra V
Letra W
Letra Z
Análises individuais de cada marca da amostra
Os dados apresentados são um agregado da informação recolhida marca a marca. Não interessava neste caso elencar os erros de cada marca de forma individual. Não se procura com este projeto, apontar o dedo e dizer que esta marca é mais acessível que outra qualquer. Não é este o caminho que se quer propor com esta iniciativa. Até porque no final do dia, os consumidores ganham se todas as marcas forem realmente acessíveis.
Ainda assim, se for útil a alguma marca em específico para a evolução da acessibilidade dos seus produtos e serviços digitais, poderá ser disponibilizada a informação de forma individual. É muito importante não olhar para estes dados sem o devido enquadramento técnico. Ainda assim esta pode ser informação que pode ajudar num hipotético começo de conversa, quem sabe para a definição de estratégias de transformação da acessibilidade de forma transversal em toda a organização e incluindo todas as equipas, produtos e serviços.
Sobre verificações de acessibilidade
Quando o tema são verificações de acessibilidade é importante clarificar alguns conceitos fundamentais para que a análise da informação seja contextualizada. Os modelos de verificação em acessibilidade são tudo o que nos permite perceber se determinado website ou aplicação cumpre ou não as directrizes, recomendações e boas práticas de acessibilidade estabelecidas. São no fundo os processos que nos permitem perceber com exatidão o que está bem feito e o que ainda temos que trabalhar nos nossos produtos e serviços digitais para os tornar realmente acessíveis.
Contudo e embora neste estudo utilizemos modelos de verificação automática, é muito importante perceber que existem pelo menos dois modelos de verificação de acessibilidade: verificações automáticas e peritagens manuais. Num processo de verificação ou auditoria de acessibilidade completo devem ser utilizados os dois modelos em simultâneo. Não só um ou outro, mas sim os dois.
No caso deste estudo foi utilizado um único método, o de verificações automáticas. Quer isto dizer, que embora a informação aqui apresentada possa ser relevante para compreender o panorama da acessibilidade digital nas marcas em Portugal, se quisermos ter um cenário mais completo e rigoroso seria necessário a realização de peritagens manuais por especialistas de acessibilidade a cada um dos websites que constitui a amostra do estudo.
Direito fundamental
A plataforma Os 10 problemas de acessibilidade mais comuns em Portugal tem um único propósito. Ajudar a refletir em comunidade que marcas queremos ter no futuro. Através da perspectiva da acessibilidade digital, mas principalmente como podem ser as marcas verdadeiros agentes de mudança para uma economia mais sustentável e inclusiva. Não é uma reflexão simples. É bem verdade. Mas é necessário começar por algum lado. E é esse o principal objetivo deste estudo: começar a conversa.
A partir daqui, cada marca pode e deve fazer o seu caminho, se o quiser verdadeiramente fazer. Não dá para ficar a meio caminho, num estado de “quase acessível” ou “mais ou menos acessível”. Ou é ou não. E o mercado (e os consumidores) vão reconhecer isso com toda a certeza. Para além de ser um fator de valorização do negócio da própria marca, a acessibilidade digital é antes de tudo um direito fundamental para o qual todas as marcas devem contribuir.
Fotografia © Giorgio Trovato (Unsplash)