O design não é uma arte (nem sequer é arte) abstracta e pode acrescentar bastante valor aos negócios. É comum associar o design à sua vertente visual ou estética. Considerar o design, como a disciplina de criação de “imagens”, sejam essas imagens uma peça gráfica de comunicação ou um interface digital. Contudo, esta aura estética vulgarmente associada ao design, esconde um impacto muito maior que a disciplina pode trazer aos produtos e serviços e por consequências aos negócios das empresas.
O design pode e deve ser uma disciplina também dos números. Uma visão contextualizada dos produtos e serviços, mas igualmente consolidada por dados e analíticos. Desenhar qualquer solução, seja ela de que âmbito for, tem também tudo que ver com atingir objetivos. Metas que ajudam a fortalecer os negócios, não simplesmente pela venda massiva, mas principalmente pela construção de experiências relevantes para os utilizadores e que acrescentam valor à economia.
Este artigo é uma tradução e adaptação do artigo original Design for Value: What is Conversion Optimization and Why Should You Care? integrado na parceria de Educational Partner entre a Interaction Design Foundation e o DXD.
Como designers, os utilizadores finais do teu produto são a tua prioridade. Através do teu trabalho, defendes a perspetiva dos utilizadores perante o negócio para que as suas decisões e as do marketing encaixem com a customer journey no geral. Mas também é importante perceber a perspetiva do negócio e entregar-lhe valor. Se o negócio não for sustentável, não podes entregar valor aos utilizadores finais. A equação é cruel, mas é real.
A experiência de utilizador começa antes de uma pessoa usar o produto ou serviço. As primeiras interações com o produto acontecem quando essa pessoa conhece a tua proposta de valor e avalia se quer ou não investir o seu tempo e esforço no que tens para oferecer. Apesar de estas interações serem consideradas, em geral, responsabilidade do departamento de marketing, só podes entregar uma experiência verdadeiramente perfeita se trabalhares de perto com os stakeholders do negócio.
Don Norman, criador do termo “user experience”, tem uma frase que ilustra bem esta premissa: “Nenhum produto é uma ilha. Um produto é mais do que um produto. É um conjunto coerente e integrado de experiências. Pensa em todas as fases de um produto ou serviço – desde as intenções iniciais até às reflexões finais, da primeira utilização ao apoio, serviço e manutenção. Faz com que todas elas trabalhem juntas, de forma perfeita.”.
Índice
- O papel em evolução do design
- As 7 faces do UX Design
- Desenhar para obter valor, desenhar para a conversão
- O que é conversão?
- É preciso uma aldeia…
- Em resumo
- Referências adicionais
- Sugestões de formação
- Dossiê temático
O papel em evolução do design
As pessoas têm expectativas diferentes para uma aplicação para dispositivos móveis que monitoriza as suas finanças pessoais e para um serviço de streaming online de filmes. Cada produto ou serviço oferece um conjunto único de experiências com as quais as pessoas podem interagir. E tendo em conta estas diferentes experiências, o UX Design tem um âmbito vasto.
A disciplina de UX Design inclui princípios e atividades que têm origem noutras áreas, como:
- O design industrial
- A psicologia
- O design visual
- As library sciences
- A antropologia
- A interação entre pessoas e computadores
- Os design systems.
As 7 faces do UX Design
Devido à sua natureza abrangente, não existe uma definição única de UX Design. Os líderes da indústria apresentaram diferentes modelos para ajudar a compreender esta disciplina. Um deles é o modelo do UX Honeycomb (colmeia) de Peter Morville.
Proposto, pela primeira vez, em 2004 para websites e conteúdo web, o UX Honeycomb resistiu ao teste do tempo e aplica-se à experiência de utilizador no geral. Peter Morville descreveu a experiência de utilizador através de 7 fatores subjetivos: útil, utilizável, fácil de encontrar, credível, desejável, acessível e valioso.
1. Útil
Um produto precisa de uma razão para existir. Se as pessoas não puderem usá-lo, não vão comprá-lo. Um produto é útil se resolver um problema ou conseguir satisfazer uma necessidade. É importante notar que “utilidade” não tem necessariamente a ver com funcionalidade. Por exemplo, um jogo de vídeo é útil na sua capacidade de entreter e emocionar os jogadores.
2. Utilizável
Quanto mais fácil for compreender e usar o produto, melhor para os teus utilizadores. As pessoas podem aguentar um produto difícil de usar se precisarem dele (ou seja, é utilizável). Mas se existir um produto semelhante que satisfaz uma necessidade e é mais fácil de usar, as pessoas vão preferi-lo. Por exemplo, a aplicação de videochamadas Skype foi criada em 2003, enquanto o seu concorrente Zoom foi fundado em 2011 (o mesmo ano em que a Microsoft comprou o Skype). Em 2020, quando a pandemia forçou negócios de todo o mundo a trabalhar remotamente, foi o Zoom que fez explodir a indústria de videochamadas. Mesmo com os seus problemas de funcionamento e usabilidade, as pessoas consideraram o Zoom mais conveniente do que os outros produtos disponíveis.
3. Fácil de encontrar
Quando os utilizadores interagem com o teu produto, devem ser capazes de encontrar as suas funcionalidades e funções úteis e utilizáveis. Se não conseguirem encontrá-las, não existem. Uma das razões pelas quais o Zoom se tornou popular foi porque as pessoas conseguiam configurá-lo e partilhar links de videochamadas com os convidados. Os convidados não tinham de criar uma conta nem de instalar a aplicação para se juntarem à chamada. O Skype também oferecia uma forma de criar reuniões sem uma conta e sem a instalação do software. Mas muitos utilizadores simplesmente não conheciam essa funcionalidade.
As pessoas queriam ser capazes de criar uma reunião facilmente, sem descarregar aplicações nem criar contas. A Microsoft percebeu isto da maneira mais difícil quando as pessoas adotaram rapidamente o Zoom, em 2020. Para quem visitava o site do Skype em janeiro de 2020, o call-to-action (CTA) principal dizia “descarregar Skype”. A funcionalidade do Skype que permitia às pessoas criar reuniões sem descarregar o software não era fácil de encontrar e, por isso, para muitos utilizadores não existia. Um ano depois, o site do Skype revelava o que a empresa tinha aprendido. O novo CTA dizia “criar uma videochamada gratuita”.
4. Credível
A confiança é a base de todas as transações. Os clientes esperam que os nossos produtos sejam fiáveis e satisfaçam as suas necessidades. Se recolhemos informação pessoal e financeira, esperam que esteja protegida. Se os nossos clientes não puderem confiar em nós, não vão investir o seu tempo, esforço e dinheiro nos nossos produtos.
5. Desejável
As emoções são uma parte importante da experiência de utilizador. Mesmo com os outros fatores em pé de igualdade, os clientes vão escolher sempre um produto que pareça bom e que transmita essa sensação. A estética, a identidade da marca e a imagem tornam os produtos mais ou menos desejáveis. Quanto mais desejável for um produto, mais os clientes vão querer usá-lo e recomendá-lo aos seus amigos e isto tem muito valor para o negócio.
6. Acessível
Os nossos produtos devem estar preparados para todos os utilizadores, incluindo pessoas com deficiência. Quando fazemos produtos acessíveis, tornamo-los mais fáceis de usar para todas as pessoas. Por exemplo, a visão da maior parte das pessoas diminui depois dos 40 anos. Quando garantimos que o texto nas nossas aplicações é legível (com um tamanho de letra e contraste suficientes), as pessoas com baixa visão e as que veem bem vão conseguir ler sem esforçar a vista. Da mesma forma, as legendas que ajudam pessoas com deficiência auditiva a aceder a vídeos também ajudam não nativos da língua a compreender facilmente o que está a ser dito. Desenhar para a acessibilidade não é só moralmente certo, é também um requisito legal.
7. Valioso
No centro do modelo do UX Honeycomb está o valor, tanto para clientes como para quem promove o produto. Para os clientes, o valor é a soma de todos os fatores anteriores. Alguns clientes procuram experiências desejáveis, para outros a credibilidade e a usabilidade são mais importantes. Para quem promove o produto – muitas vezes, o negócio – o valor é o lucro e a viabilidade do produto a longo prazo. Se o modelo de negócio não for viável, mesmo o melhor dos produtos não vai sobreviver no mercado.
Desenhar para obter valor, desenhar para a conversão
Como designers, devemos apontar para equilibrar os requisitos dos nossos utilizadores com os do negócio e os de tecnologia. As nossas ideias para melhorar o produto devem ser viáveis do ponto de vista tecnológico, senão não é possível implementá-las, independentemente do quão boas são. E mesmo com uma proposta de valor robusta que possa ser implementada facilmente, os nossos produtos não vão sobreviver sem um negócio viável.
Pode parecer óbvio, mas ter um negócio sai caro. Quem diz negócio diz uma organização sem fins lucrativos, neste caso, é igual. A organização tem custos de desenvolvimento de produtos e serviços (research, design, desenvolvimento, apoio ao cliente), infraestruturas (edifícios, eletricidade, wifi, etc.) e muitas outras atividades de suporte e operacionais (recursos humanos, contabilidade, departamentos legais, etc.). A menos que um negócio consiga gerar receitas suficientes, não consegue manter-se por si só.
Mesmo que o teu trabalho seja altruísta e que não pretendas lucrar com o teu design, queres que as pessoas beneficiem do teu trabalho. no seu livro “Design of Everyday Things”, Don Norman diz: “Por fim, as pessoas têm mesmo de comprar. Não interessa quão bom é um produto se, no final do dia, ninguém o usar.”.
Imagina que és um dos designers do Zoom. Como te sentirias ao saber que o teu trabalho impactou milhões de utilizadores, que podiam trabalhar remotamente graças ao teu produto? Agora, pensa nos designers do Skype. Como te terias sentido, quando, apesar dos teus esforços, os clientes preferiam o produto da concorrência – muito mais recente e com falhas reconhecidas de usabilidade e de segurança?
O que é conversão?
Podemos definir a conversão de muitas maneiras diferentes. Por exemplo, Laura Klein, na sua conferência com o título “The Three Reasons Users Don’t Convert”, define a conversão da seguinte forma: “Conversão significa levar o utilizador para o nível seguinte – seja o que isso for para ti.”.
Podes medir o valor dos teus esforços de design monitorizando as conversões. As conversões tendem a ser medidas em termos monetários através dos números de:
- Quantos produtos vendemos?
- Qual foi o valor das vendas? Ou seja, ganhamos lucros? Se sim, quanto ganhamos?
- Quanto é que as pessoas doaram para a nossa campanha?
Como tu e a tua organização definem conversão pode depender de muitos fatores diferentes. Sejam quais forem esses valores é fundamental que exista um entendimento comum e partilhado dessa definição. Na consolidação de uma definição comum, poderão ser tido em conta, fatores como:
- Qual é a tua proposta de valor e como se encaixa no contexto dos utilizadores?
- Que ação ou sequência de ações tiveram de fazer os utilizadores para tirar o máximo partido da proposta de valor?
O design centrado na conversão (Conversion Centred Design, CCD), ou otimização da conversão, diz respeito ao conjunto de ferramentas e processos que os marketers (e não só) usam para aumentar a conversão. Como designer, entregas valor a quem usa os teus produtos e serviços (clientes, utilizadores ou parceiros) e a quem promove esses produtos (negócios, organizações sem fins lucrativos, empreendedores).
Quando falamos nos promotores do produto, referimo-nos muitas vezes aos donos do negócio, que procuram valor em termos de vendas e lucros. Mas a otimização da conversão é igualmente importante para organizações sem fins lucrativos e projetos em que o valor não é definido em termos monetários. Por exemplo, para uma organização de conservação da natureza como a WWF, o valor pode ser qualquer um destes objetivos:
- Quanto dinheiro a organização conseguiu angariar?
- Quantos voluntários se inscreveram para trabalhar para a missão?
- Quantas pessoas passaram a conhecer a missão?
- Quantas pessoas assinaram a petição para mudar as leis de proteção ambiental?
É preciso uma aldeia…
Habitualmente, monitorizar e otimizar a conversão são vistos como responsabilidades da equipa de marketing. Em organizações lideradas pelo design, as linhas entre departamentos estão esbatidas. Nenhum departamento consegue trabalhar sozinho. Quando desenhas para a conversão, vais trabalhar de perto com pessoas de diferentes equipas da empresa ou da organização para:
- Identificarem todos os elementos da customer journey do produto ou serviço, por exemplo, a comunicação de marketing, o sistema de cobrança, os requisitos legais, o apoio ao cliente.
- Compreender as dores dos clientes, como o produto se encaixa nas suas vidas e se existem lacunas entre aquilo de que o cliente precisa e o que tem atualmente.
- Descobrir quem são os concorrentes e por que os clientes passam para eles.
- Compreender os critérios de sucesso do negócio e como se traduzem no teu trabalho como designer.
- Determinar as métricas de conversão de que precisas para monitorizar e como podes medir.
- Identificar formas de otimizar a conversão, por exemplo, através de melhorias ao produto, alterações na comunicação ou até através de novos modelos de preço.
- Garantir que as tuas soluções são viáveis, isto é, que a equipa pode implementá-las sem ir à falência.
- Medir o retorno do investimento, vulgarmente também denominado de ROI, das tuas atividades de design.
Em resumo
O UX Design é uma disciplina vasta e em constante evolução que vai buscar conhecimentos a diferentes áreas, incluindo o design industrial, a interação entre pessoas e computadores, a antropologia e a psicologia entre muitas outras.
Segundo Peter Morville, existem 7 fatores subjetivos que influenciam a experiência do utilizador. O produto ou serviço deve ser útil, utilizável, fácil de encontrar, credível, desejável, acessível e valioso. O que é valioso difere muito consoante os produtos, os clientes e os negócios. Como UX designer, não deves só priorizar os utilizadores do produto, mas também entregar valor aos promotores do produto (que são, em geral, os donos do negócio, mas também podem ser organizações sem fins lucrativos).
À primeira vista, pode parecer que os promotores do produto e os clientes têm valores contraditórios. O negócio procura gerar receitas e os clientes tentam poupar tanto dinheiro quanto conseguirem. Os promotores do produto investem tempo e dinheiro na organização – em produtos, serviços, research, operações e infraestrutura organizacional. Os produtos que desenhares para os teus clientes também sustentam a organização. Um negócio que não gera receitas, ou uma organização que não consegue pagar as contas, não vai sobreviver. Sem o negócio, não consegues entregar valor aos consumidores finais. Os objetivos de negócio e dos clientes estão, por isso, interligados.
As conversões são medidas quantificáveis de valor. Como designer, quando otimizas para a conversão tens como objetivo aumentar o valor tanto para os clientes como para o negócio. A otimização da conversão não é só responsabilidade de um departamento. Vais ter de trabalhar de perto com pessoas de departamentos tradicionais para entregar a melhor experiência de cliente.
Referências adicionais
Modelo UX Honeycomb original, de Peter Morville.
Lê o caso de estudo de como o Zoom venceu o Skype no seu próprio campo:“Microsoft’s Skype struggles have created a Zoom moment”.
Sugestões de formação
A Interaction Design Foundation pode te ajudar aprofundar este tópico. Aproveita a parceria entre a IxDF e o DXD para conseguires aceder a formações especializadas, com alguns dos melhores e mais reconhecidos profissionais da área. Para explorares muito mais a relação do UX com os negócios e as ferramentas que precisas para tirar partido dessa simbiose perfeita, aqui ficam algumas sugestões de formações sobre o tema na plataforma da IxDF.
- User Experience: The Beginner’s Guide
- Data-Driven Design: Quantitative Research for UX
- Perception and Memory in HCI and UX
- Human-Computer Interaction: The Foundations of UX Design
- Mobile UX Design: The Beginner’s Guide
Dossiê temático
Este artigo integra o dossiê “UX é bom para o negócio. Porquê?” uma iniciativa do DXD em conjunto com a Interaction Design Foundation. O dossiê explora essencialmente a relação e o impacto positivo do UX no negócio das empresas. Uma vez por mês o DXD publicará um artigo integrado neste dossiê, utilizando os conteúdos da IxDF e ajudando a plataforma na sua tradução para português. Consulta todos os artigos do dossiê e descobre como o UX pode ajudar os negócios e a economia.
Tradução e revisão © Filipa Moreno
Fotografia © Matt Flores (Unsplash)