A legislação é um instrumento fundamental de qualquer sociedade. Construída de forma democrática pelas instituições eleitas, a legislação representa em última análise as regras do jogo daquilo que é viver em sociedade numa série de temáticas. Não são documentos meramente decorativos de importância relativa. As leis são para levar a sério, mais que não seja pelo facto de que o seu incumprimento pode levar a consequências legais bastante gravosas quer seja para cidadãos de forma isolada ou para qualquer tipo de organização, pública ou privada.
O tema da acessibilidade digital tem nos últimos anos sofrido um reforço legislativo em termos nacionais bastante considerável. O mais recente quadro de referência legislativa no que toca a acessibilidade digital, começou a ser reforçado em 2018 com o Decreto-Lei n.º 83/2018 referente ao setor público. A última evolução deste esforço do reforço de leis no que toca a acessibilidade digital, deu-se em 2022 com a publicação do Decreto-Lei n.º 82/2022 desta vez com aplicação ao setor privado.
Evolução do quadro legislativo
No que toca ao setor público, Portugal sempre foi dentro do contexto da União Europeia um pais bastante avançado. Seja pelo quadro legislativo ou por outro tipo de iniciativas, como é o caso dos Selos de Usabilidade e Acessibilidade, o setor público do Estado Português sempre procurou criar serviços digitais realmente inclusivos. Com um sucesso relativo é certo, pois segundo dados do Observatório Português da Acessibilidade Web, muito existe por fazer. Ainda assim o esforço é real e de salientar.
Com a publicação do Decreto-Lei n.º 82/2022 que transpõe para a legislação nacional a Diretiva (UE) 2019/882 é chegada a hora de também as empresas ganharem novas responsabilidades no que toca a acessibilidade digital dos seus produtos e serviços. O decreto-lei referente ao setor privado é um avanço muito grande porque afirma de uma vez por todas que também as empresas têm, mais que não seja por força da lei, um papel a desempenhar na construção de uma sociedade mais inclusiva através do digital.
Ajuda à compreensão das leis
Contudo (e porque existe sempre um se não) qualquer lei, por mais relevante que possa ser, deixa muitas vezes algum espaço a várias interpretações. Especialmente para pessoas que não contactem diariamente com estes documentos, um decreto-lei pode muitas vezes ser um texto muito hermético, quase impossível de decifrar. Sabendo disto, num estorço extraordinariamente meritório, o Diário da República, a publicação onde são editados todos os documentos legislativos da República, disponibiliza em alguns dos seus conteúdos um “resumo em linguagem clara”. Estas versões dos documentos legislativos, que não têm valor legal e não substitui a consulta do decreto-lei, são uma grande ajuda para que qualquer pessoa possa compreender em concreto as principais ideias de qualquer decreto-lei.
No caso da acessibilidade digital para o setor privado, sendo o Decreto-Lei n.º 82/2022 o principal documento legal a ter em conta, este resumo em linguagem clara, vem ajudar de sobre maneira as empresas a compreender as suas obrigações nesta matéria. É justo dizer que esta versão em linguagem clara é não só um instrumento para ajudar a compreensão, bem como uma ferramenta com valor económico para as empresas. O resumo em linguagem clara do decreto-lei pode ser encontrado online no Diário da República mas também o aqui transcrevemos.
Resumo em linguagem clara
O que é?
Este decreto-lei transpõe para a ordem jurídica interna a Diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho, relativa aos requisitos de acessibilidade de produtos e serviços, estabelecendo as disposições aplicáveis para garantir a sua adequação em território nacional.
O que vai mudar?
Âmbito de aplicação
Este decreto-lei aplica-se a:
- Equipamentos informáticos para uso geral dos consumidores e sistemas operativos para esses equipamentos informáticos (computadores, smartphones e tábletes), bem como a leitores de livros eletrónicos;
- Terminais de autosserviço (por exemplo, terminais de pagamento, caixas automáticos, máquinas de emissão de bilhetes);
- Equipamentos terminais com capacidades informáticas interativas para serviços de comunicações eletrónicas (por exemplo, routers e modems), bem como para serviços de comunicação social audiovisual (por exemplo, equipamentos de televisão que envolvam serviços de televisão digital);
- Terminais de autosserviço interativos que prestam informações, excluindo terminais instalados como parte integrante de veículos, aeronaves, navios ou material circulante;
- Serviços de comunicações eletrónicas (por exemplo, serviços de telefone móvel, acesso à Internet);
- Serviços de acesso aos serviços de comunicação social audiovisual (por exemplo, aplicações em linha, set-top box, aplicações descarregáveis, aplicações móveis);
- Serviços bancários (inclui métodos de identificação, assinatura eletrónica e serviços de pagamento);
- Livros eletrónicos e programas informáticos dedicados;
- Serviços de comércio eletrónico;
- Atendimento de chamadas de emergência para o «112»
Acessibilidade e livre circulação
Os operadores económicos (fabricantes, importadores, distribuidores e prestadores de serviços) apenas devem colocar no mercado produtos e serviços que cumpram os respetivos requisitos de acessibilidade previstos no presente decreto-lei.
Aos operadores económicos não deve ser impedida a disponibilização de produtos no mercado nem a prestação de serviços em território nacional, desde que cumpram o previsto neste decreto-lei.
Fiscalização
A fiscalização do cumprimento das normas constantes deste decreto-lei compete a várias entidades, de acordo com as suas atribuições. Entre elas:
- À Autoridade Nacional de Comunicações (ANACOM);
- À Autoridade de Segurança Alimentar e Económica (ASAE);
- À Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC);
- À Autoridade da Mobilidade e dos Transportes (AMT);
- À Autoridade Nacional da Aviação Civil (ANAC);
- Ao Instituto da Mobilidade e dos Transportes, I. P.
A violação das normas previstas neste decreto-lei, nomeadamente das obrigações impostas aos agentes económicos, constituem contraordenações puníveis com coima, sem prejuízo da eventual responsabilidade civil.
O produto das coimas aplicadas pela prática dessas contraordenações é repartido da seguinte forma:
- 40 % para o Estado;
- 10 % para a entidade que levanta o auto;
- 30 % para as entidades responsáveis pela instrução dos processos de contraordenação;
- 10 % para o Instituto Nacional para a Reabilitação (INR, I. P.);
- 10 % para o fundo de apoio à pessoa com deficiência.
O INR, I. P. é o organismo responsável pelo acompanhamento da aplicação do regime previsto no presente decreto-lei, e respetiva monitorização.
Que vantagens traz?
Este decreto-lei:
- Contribui para o aumento da disponibilidade de produtos e serviços acessíveis no mercado interno e, também, melhora a acessibilidade à informação relevante, influenciando e permitindo uma sociedade mais inclusiva e facilitadora da autonomia das pessoas com deficiência;
- Garante o correto funcionamento do mercado interno da União Europeia, eliminando e impedindo quaisquer barreiras à livre circulação — que distorcem a concorrência efetiva no mercado interno — que possam existir decorrentes de legislações nacionais divergentes;
- Fomenta o bom funcionamento do mercado interno pela harmonização do mercado de produtos e serviços acessíveis, facilitando o comércio e a mobilidade além-fronteiras.
Quando entra em vigor?
O presente decreto-lei entra em vigor no dia 13 de dezembro de 2022 e produz efeitos a partir de 28 de junho de 2025 relativamente aos produtos colocados no mercado e aos serviços prestados aos consumidores a partir desta data, sendo que as obrigações relativas aos requisitos de acessibilidade referentes ao atendimento de chamadas de emergência para o «112», produzem efeitos a partir de 28 de junho de 2027.
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