A economia comportamental tal e qual como a própria disciplina de UX, funciona muitas vezes como um lembrete para as equipas de projeto. Uma memória de que os processos de tomada de decisão dos utilizadores, são guiados por diferentes tipos de fatores, alguns conscientes e outros inconscientes. Fatores esses que podem ser utilizados, para o bem e para o mal, e que importa muito tomar consciência para os saber utilizar.
Desenhar uma qualquer interação, seja numa plataforma de comércio online ou qualquer outro produto digital é um processo de alquimia. Uma mistura inteligente entre os objetivos de negócio da empresa e os objetivos dos utilizadores. Uma dança de vontades, algumas delas que nem os intervenientes sabem que têm. Ainda assim, o UX pode ser um instrumento importante para equilibrar esta poção mágica para os negócios que é a experiência do utilizador, garantindo também que no final do dia os utilizadores conseguem também atingir os propósitos que os trouxeram até ao nosso produto.
Este artigo é uma tradução e adaptação do artigo original Behavioral Economics (BE) integrado na parceria de Educational Partner entre a Interaction Design Foundation e o DXD.
Será que os anúncios a pastas de dentes, recomendadas por supostos dentistas, nos convencem a preferir estas em vez de outras? Como usar algumas estratégias de Marketing, como os produtos grátis e as percentagens de clientes satisfeitos?
Pode o design aprender algo com a Economia Comportamental? E pode usar as estratégias desta disciplina de forma ética? Será possível respeitar os utilizadores enquanto os ajudamos a escolher este produto em vez de outro? E, ao mesmo tempo, como colocar essa informação do seu lado sem provocar uma sobrecarga?
Índice
- Economia Comportamental: o que é
- O poder e as deficiências da escolha humana
- O desafio do design de interação
- Em resumo
- Referências adicionais
- Sugestões de formação
- Dossiê temático
Economia Comportamental: o que é
A Economia Comportamental é a disciplina que observa como fatores emocionais, sociais e de outras naturezas afetam a tomada de decisões das pessoas, que não é sempre racional. Como os utilizadores nem sempre têm preferências estáveis nem agem no seu melhor interesse, os designers em particular, mas também as equipas de produto em geral, podem guiar as decisões deles através de uma arquitetura de escolha estratégica – isto é, a estrutura de preço.
O poder e as deficiências da escolha humana
Antes dos avanços do século XX na psicologia e neurociência, o pensamento humano era considerado, sobretudo, um processo racional de análise lógica das situações para encontrar soluções ótimas. A Economia Comportamental dá a volta a essa ideia e prova que as pessoas não conseguem pesar os prós e os contras de forma tão cirúrgica.
Os psicólogos Daniel Kahneman e Amos Tversky foram pioneiros nesta área, nos anos 1970, isolando “ilusões cognitivas” que afetam o julgamento e determinando a tendência humana para tomar decisões irracionais perante a incerteza.
Aqueles psicólogos descobriram que o valor potencial de ganhos e perdas – não avaliações racionais de resultados – é o que guia a tomada de decisões. Esta escola de pensamento afirma que a dor da perda é bastante mais profunda do que o prazer de ganhar algo igualmente valioso. O pensamento humano é naturalmente balizado por limites no conhecimento, na capacidade de processar e nas opiniões. Por isso, os designers devem considerar a aversão dos utilizadores a pensar demasiado e enquadrar opções selecionadas com ponderação.
O que é fundamental na Economia Comportamental é perceber que existem dois sistemas de pensamento a funcionar nas pessoas. Um deles opera através de processos intuitivos, baseados na experiência e relativamente inconscientes. O outro envolve processos analíticos controlados e depende da capacidade cognitiva da pessoa, de enviesamentos do momento e da influência da sociedade.
Utilizando princípios da Economia Comportamental, os designers apresentam a informação certa (e na quantidade certa) para cativar os utilizadores e guiá-los através dos calls-to-action desejados. Por exemplo, a Netflix usa predefinições para ajudar os utilizadores a escolher o seu plano de subscrição desejado.
O desafio do design de interação
No UX design, os designers exploram um facto humano único – o cérebro é um “sovina” cognitivo por natureza. Não gosta de ser inundado com informação, por isso, o poder de escolher pode ser um esforço. Tomar decisões complexas é desgastante, mesmo que os utilizadores possam ter todo o tempo do mundo. Independentemente da sua inteligência, vão procurar soluções mais simples e vão aplicar heurísticas (como atalhos de julgamento), de forma subconsciente, para minimizar o esforço. Mesmo que se julguem muito racionais, podem ser motivados para a ação de formas que nunca esperaram. Um exemplo comum é aproveitar a forma como as pessoas consideram o valor de um objeto em termos relativos, não absolutos, e levá-las a comprar um produto de valor elevado porque parece uma pechincha quando comparado com outros mais caros.
Ao aceder a conteúdo não familiar, como novas interfaces, os utilizadores vão basear as suas decisões em julgamentos de valor e no contexto. Por isso, para ajudá-los a fazer escolhas que os beneficiem e também ao negócio, deves otimizar a arquitetura de informação dos teus designs ao mesmo tempo que se tem em conta as dimensões éticas. As melhores soluções de design funcionam sempre no melhor interesse dos utilizadores e de quem as providencia. Uma distinção fundamental é a diferença entre manipular os utilizadores e aplicar princípios de Economia Comportamental de forma ética. Soluções de comércio eletrónico respeitáveis são um exemplo da abordagem ética, que inclui as seguintes estratégias:
- Enquadrar: mostra a âncora certa para criar um quadro de referência. Ancorar é uma forma de ativação em que o primeiro número que os utilizadores vêem serve como referência para julgar o valor de outros objetos. À medida que esta primeira peça de informação impacta a tomada de decisão dos utilizadores, podes motivá-los a comparar com ela outras ofertas favoráveis mostrando um objeto mais caro.
- Padronizar: dá aos utilizadores os padrões certos para ajudá-los a decidir o que fazer ou comprar. Limita as escolhas apenas àquelas que são apropriadas para cada passo ou categoria. Se mostrares aos utilizadores mais do que 4 opções, vão começar a sentir-se assoberbados. Quanto às funcionalidades extra de um objeto, os utilizadores vão preferir uma estrutura de preço superior (à qual retirar opções) em vez de uma inferior (à qual adicionar opções).
- Reciprocar, ou o poder do que é grátis: oferece coisas grátis. É uma forma garantia de colocar produtos nas mãos dos utilizadores, além do que cria obrigações (por exemplo, “se gostares deste artigo, por favor, partilha-o”).
- Simplificar: remover obstáculos aos processos. Por exemplo, as compras com um clique da Amazon. Da mesma forma, insere obstáculos para desencorajar comportamentos indesejados.
- Provas sociais: faz com que os utilizadores sintam que vão ser consumidores de um artigo popular, o que, no geral, também potencia a sua sensação de segurança. O mesmo efeito tem o poder da autoridade através das recomendações de especialistas ou celebridades.
- Ativação através de atributos: pergunta aos utilizadores que funcionalidades querem, para ajudar a guiá-los para objetos desejáveis.
- Escassez: apela ao medo de perder e aumenta o valor de objetos limitados na cabeça dos utilizadores.
- Saliência: apela aos clientes com características adicionais relevantes antes de comprarem.
- Proteção: mantém os utilizadores no caminho certo para as ações desejadas e faz ajustes facilmente.
- Apelar à aversão à perda: usa incentivos verbais para destacar potenciais ganhos e diminuir resultados negativos (por exemplo, uma taxa de sucesso de 90% soa mais apelativa do que uma taxa de insucesso de 10%).
Deves apresentar funcionalidades para simplificar a experiência de utilizador e evitar a sobrecarga de informação. Acima de tudo, enquadra as opções de forma ética para oferecer mudanças significativas através de design centrado nos utilizadores e de ajustes apropriados para ações desejadas por todas as partes interessadas.
A página principal do WordPress usa provas sociais: ao destacar que, incrivelmente, 35% da Internet é construída com WordPress, fazem com que as pessoas confiem mais na plataforma.
A jornada de compra da Amazon usa saliência: quando compras um disco externo, mostra-te um plano adicional de recuperação de dados antes de finalizares a compra.
Em resumo
A Economia Comportamental mostrou que a tomada de decisão não é sempre racional, mas sim afetada por fatores emocionais, sociais e de outras naturezas. Está até provado que, perante a incerteza, a tendência humana é para tomar decisões irracionais.
O design deve ajudar as pessoas a tomar decisões que as beneficiem, sem esquecer os benefícios para o negócio. Existem estratégias que respeitam estes objetivos sem comprometer a ética, como: enquadrar (framing), padronizar (defaulting), reciprocar (o poder do que é grátis), simplificar, dar provas sociais, ativação através de atributos, a escassez, a saliência, a proteção e a aversão à perda.
Referências adicionais
Consulta este artigo profundo e rico em exemplos sobre design persuasivo, incluindo elementos de design comportamental.
Esta peça de fundo explora considerações adicionais acerca de Economia Comportamental.
Sugestões de formação
A Interaction Design Foundation pode te ajudar aprofundar este tópico. Aproveita a parceria entre a IxDF e o DXD para conseguires aceder a formações especializadas, com alguns dos melhores e mais reconhecidos profissionais da área. Para explorares muito mais a relação do UX com os negócios e as ferramentas que precisas para tirar partido dessa simbiose perfeita, aqui ficam algumas sugestões de formações sobre o tema na plataforma da IxDF.
- Get Your Product Used: Adoption and Appropriation
- Data-Driven Design: Quantitative Research for UX
- Journey Mapping
Dossiê temático
Este artigo integra o dossiê “UX é bom para o negócio. Porquê?” uma iniciativa do DXD em conjunto com a Interaction Design Foundation. O dossiê explora essencialmente a relação e o impacto positivo do UX no negócio das empresas. Uma vez por mês o DXD publicará um artigo integrado neste dossiê, utilizando os conteúdos da IxDF e ajudando a plataforma na sua tradução para português. Consulta todos os artigos do dossiê e descobre como o UX pode ajudar os negócios e a economia.
Tradução e revisão © Filipa Moreno
Fotografia © Jamie Street (Unsplash)