É curioso que um artigo sobre a escrita enquanto exercício de pensamento tenha demorado tanto a ser escrito aqui no DXD. Era um texto que tinha que ser escrito no momento certo e 4 anos de existência do blog pareceu-me um belo tempo de reflexão. Agora sim, acredito que é a altura certa.
Para que este texto fosse escrito, foi necessária uma viagem complexa (pelo menos para mim) sobre que benefícios pode trazer a escrita ao trabalho de design no dia a dia. Esta reflexão mistura-se em grande medida com o próprio caminho e evolução do DXD e por isso não é de estranhar que o texto fale um pouco sobre os dois assuntos de forma intercalada e em alguns numa relação quase umbilical.
O propósito do DXD
O DXD foi lançado oficialmente no ano de 2020, um mês antes daquilo-que-nós-sabemos-o-quê. Nasceu de uma necessidade prática de organizar dezenas (eventualmente centenas) de conteúdos sobre design que fui produzindo ao longo dos anos para muitos contextos diferentes. Projetos para clientes, formações profissionais, artigos avulso, comentários em comunidades online e redes sociais ou simplesmente, textos sem nenhum propósito em especifico.
Pelo caminho, achei que pegar em muito destes conteúdos e reflexões (umas com mais qualidade que outras, naturalmente) e lançar simplesmente online, não traria o valor a comunidade que também gostava de trazer, provocando a reflexão sobre temas que a todos nós dizem respeito.
A ideia de um blog foi ganhando forma de forma mais ou menos orgânica. A era dos blogs tinha passado alguns anos. Quem ainda se lembra de termos como “blogesfera” ou plataformas como o Blogspot? Os blogs caíram em desuso. Tornaram-se uma coisa vintage e que ainda por cima, para além de imagens podiam ter textos com mais de 140 caracteres. Que sacrilégio!
Percebi que o DXD teria que ser um lugar de investigação e reflexão. Uma oportunidade para ir mais longe (ou pelo menos tentar) das parangonas mais comuns sobre os tópicos relacionados com User Experience (UX), User Interface (UI) e Product Design, as áreas dentro do design em que tenho trabalhado ao longo dos últimos anos. Percebi que isso me obrigaria a explorar com toda a arte (ou falta dela) a escrita enquanto meio de comunicação.
O poder das palavras
Podia claro ter optado por qualquer outro formato de comunicação. A bem da verdade a escolha foi a escrita, mas na altura em que o DXD foi para o ar, a decisão de utilizar a escrita como meio de expressão não foi muito refletida. Simplesmente aconteceu. Com o tempo percebi o poder das palavras na comunicação em geral, mas muito em particular para qualquer designer.
Quem já teve que passar pelo exercício de escrever um texto, seja para que propósito for, não interessa, sabe bem o desafio que é. Organizar numa linha de pensamento de forma mais ou menos linear, para explicar temas que muitas vezes nem nós sabemos como explicar, ideias que se misturam e se cruzam com ligações inusitadas. Tudo isto ao mesmo tempo que o texto enquanto peça de comunicação também se torna interessante, porque se não, por mais sofisticado que seja o tópico será sempre penoso chegar até a última palavra do dito texto.
Por mais complexo que seja o exercício, o poder das palavras supera tudo isso. As palavras escritas são eternas. Podemos encontrar referências por tudo o que é lado e em todas as áreas. Seja em formatos impressos ou mais recentemente na história da humanidade, formatos online. As palavras eternizam as ideias (especialmente quando são relevantes). Só isso explica que, por exemplo, mais de 30 anos depois da edição do livro seminal de UX, o Design of Everyday Things de Don Norman, este ainda seja o livro (mais uma coisa vintage) mais referenciado na área de UX. Sem as ideias e as palavras que lhes deram corpo, isto nunca seria possível.
Ainda sobre o poder das palavras. As palavras escritas potenciam a partilha, especialmente em comunidades com uma relação tão próxima como é a comunidade de design. As palavras criam algo em comum que a comunidade pode conhecer e discordar (e ainda bem). Podem ser debatidas ideias e contrapostas com outras ideias. E este é um poder inimaginável.
Designer-escritor e o escritor-designer
Ainda sobre palavras e o design. Não é por acaso que vemos cada vez mais livros editados por designers sobre design ou sobre qualquer outra coisa. A escrita é efetivamente um exercício valioso para a atividade de design. Não só porque obriga a uma reflexão estruturada sobre o tema que se quer escrever, mas também por ser um exercício de escolha muito profundo. Duas características fundamentais da atividade de qualquer designer: reflexão sobre os verdadeiros problemas a resolver e capacidade de síntese.
Tudo isto faz-nos olhar para a escrita com outros olhos. Não só pela perspectiva do entregável, ou seja, no final do processo de escrita teremos sempre um texto para comunicarmos da maneira que bem entendermos. Mas desafia-nos a olhar para a escrita também enquanto processo de aprendizagem. Para qualquer designer o maior ganho em escrever pode não estar só no texto final, mas principalmente no caminho que vai ter que percorrer para lá chegar e o processo de reflexão que vai vivenciar pelo caminho.
Já me perguntaram algumas vezes se utilizo ferramentas de inteligência artificial na criação dos textos do DXD. E a resposta é sempre, não. Não, por menosprezar o valor dessas ferramentas poderosas, muito pelo contrário. Mas sim, porque a escrita funciona para mim também como um exercício de desenvolvimento pessoal que em muito tem valorizado e enriquecido a minha atividade enquanto designer.
É importante contudo e para terminar, salientar um aspeto. Cada pessoa é única. Tem os seus gostos e saberes. E quando falamos sobre processos de desenvolvido pessoal, é fundamentalmente não esquecer desta individualidade. Claro que a escrita pode ser uma ferramenta e processo relevante. Apesar disso cada um de nós escolhe os seus instrumentos. Não temos que padronizar nada. O que funciona para umas pessoas, pode não funcionar para outras e está tudo bem. Afinal de contas as pessoas também são como a escrita. Existem várias formas de contar uma história e todas podem ser extraordinariamente interessantes.
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