O final de qualquer ano é um momento muito profícuo para se falar de tendências. Chegados mais ou menos ali a dezembro, é tempo de começarmos a ver numa série de setores de atividades aquilo que poderão ser as “tendências” para o ano a seguir. No que toca à indústria digital o tema ganha ainda uma maior visibilidade. Tendências disto, tendências daquilo e volte e meia já quase que nem é preciso ir para o ano a seguir para conseguirmos adivinhar o que vai acontecer na indústria.
O exercício de tentar antever e perspetivar o horizonte da indústria é algo muito valioso. Isso é incontestável. Contudo, é importante ter cuidado quando se procura definir ou elencar aquilo que possam ser eventualmente as tendências de alguma coisa. Na sua concepção mais simples, tendências pode indicar aquilo que são alguns dos padrões de coisas que estão a ou para acontecer. Para se conseguir identificar estes padrões é fundamental que exista algum tipo de research estruturado, para que as eventuais “tendências” sejam mais que opiniões pessoais.
Tendências não é um tema fácil
Tentar elencar aquilo que poderão ser ou não as “tendências” num determinado setor, tem tudo para correr mal se não for feito de forma estruturada. Seria importante desde já meter os pontos nos is: este artigo não é sobre tendências (mil desculpas pelo título enganador). As ideias que são apresentadas no texto não resultam de uma pesquisa estruturada e uma análise analítica de dados.
Aquilo que aqui é apresentado como “tendência”, não são mais que algumas constatações no contacto direto com diferentes comunidades e profissionais, misturadas com um punhado de visões pessoais e estruturadas a gosto numa listagem organizada por tópicos, que em muitos espaços de trabalho fazem parte do dia a dia das equipas de UX e da sua relação com outras equipas de projeto.
Experiência de utilizador e User experience
Antes de continuar seria talvez importante marcar aqui alguns pontos de ordem no que pode querer dizer user experience (UX) nos dias que correm. User experience tornou-se uma buzzword equando se fala do tema, é sempre interessante tentar diferenciar o seu significado de alguns outros conceitos.
Quer se goste quer não, em qualquer produto digital poderemos falar de experiência de utilizador ou user experience com dois sentidos. O primeiro numa interpretação lata do termo “experiência de utilizador”, definindo esta ideia como tudo aquilo que o utilizador vai experienciar quando está a utilizar um determinado produto. O segundo sentido, diferente do primeiro, associando a ideia de “user experience” à disciplina que tem por missão, pesquisar, definir e desenhar todos os momentos das experiências que vão ser vividas pelo utilizador nos produtos digitais.
A verdade é que um conceito pode existir sem o outro. Todos os produtos digitais têm alguma experiência de utilizador mesmo que ela não tenha tido a intervenção da disciplina de user experience. Por norma, quando não existe um trabalho sério, estruturado e continuado da disciplina de user experience a experiência de utilizador tende a ser terrível, ou simplesmente, muito pouco diferenciadora de outros produtos digitais (e isto nunca é bom para uma marca).

UX é coisa séria
Uma outra ideia importante quando falamos de UX é retirar de uma vez por todas, o tema de uma aura abstrata ou de um discurso de generalizações que a generalidade (passe a redundância) ninguém discordará. UX é coisa muito séria para os negócios e para as pessoas. É um conceito definido e documentado através de várias normais e convenções internacionais das quais devemos ter uma grande atenção à ISO 9241-210 (2019). Esta norma estabelece uma base comum de entendimento para tudo o que diz respeito com a “Ergonomia da interação homem-sistema: Design centrado no ser humano para sistemas interativos”.
A dita norma internacional, para além de ser uma referência que todos os profissionais devem ter sempre à mão, ela é também uma fonte de conhecimento absolutamente fundamental. Na norma, estão descritos palavra por palavra quase todos, se não mesmo todos, os conceitos mais comuns do quotidiano das equipas de UX. Contexto de uso, eficiência, eficácia, satisfação, acessibilidade, ergonomia, usabilidade, user experience, user interface, protótipo, são alguns dos muitos conceitos para os quais podemos encontrar definições nesta ISO.
Para além de tudo isto, poderemos também encontrar nesta norma internacional, o elenco claro de todos os fatores que podem, ou devem, ser tidos em conta quando estamos a pesquisar, definir e desenhar a experiência de utilizador de um qualquer produto digital. Refere a norma que a experiência de utilizador incluí por definição tudo que diz respeito a:
- Emoções
- Crenças
- Preferências
- Percepções
- Reações físicas e psicológicas
- Comportamentos (antes, durante e depois)
O mundo mudou, blah, blah, blah…
Dizer que o mundo mudou, as marcas mudaram ou que os consumidores mudaram, é uma coisa que qualquer profissional que trabalhe em digital está cansado de ouvir. De tantas vezes que o ouvimos, nos mais variados espaços, torna-se quase sacrilégio tentar em algum momento contrariar isto (eventualmente até podíamos tentar, mas não o vamos fazer aqui).
Quando olhamos para o trabalho de user experience no dia a dia, esta ideia de mudança constante e permanente, pode querer dizer muitas coisas diferentes. Entre todas essas coisas, existe uma talvez que será difícil de contrariar. O UX é cada vez mais um trabalho multidisciplinar. Multidisciplinar não só no sentido que abrange e que se relaciona com muitas equipas e pessoas diferentes, mas também porque dentro da própria disciplina existem cada vez mais especialidades.

Poderíamos dizer que o trabalho de UX, pode ser cada vez menos visto como um armário muito arrumadinho e com todas as ideias bastante alinhadas e organizadas entre si e mais como uma grande panela onde colocamos imensos ingredientes e que no final dão uma bela sopa (ou que pelo menos tentamos sempre que dê).

Alguns dos ingredientes da sopa de UX
Voltando ao tema das “tendências”, mesmo sabendo a complexidade e dificuldade do exercício, importa tentar elencar, especialmente para alguém que esteja a começar a entrar na disciplina de UX, alguns daqueles ingredientes que poderão fazer parte da sopa de UX hoje em dia ou quem sabe num futuro próximo.
Seria importante olhar para esta lista com algum cuidado. Ela não resulta de um exercício de pesquisa estruturado, mas sim, da consolidação de muitos contactos com diferentes equipas e profissionais, nacionais e internacionais. É em suma, uma lista de ideias e conceitos que andam muitas vezes nos imaginários das equipas e dos profissionais, umas vezes mais organizados que outros. Alguns dos ingredientes com os quais poderíamos hoje fazer uma bela sopa de UX e que podem de alguma forma nortear o trabalho da disciplina (40 tópicos):
- Branding
- Human-centered design
- Citizen-centered design
- Assumptions vs Evidences
- UX Maturity
- UX Return of investment (ROI)
- UX Metrics
- Ergonomia
- Inclusive design
- Acessibilidade
- Usabilidade
- Psicologia
- Cognitive design
- Empatia
- Design thinking
- Service design
- Design systems
- DesignOps
- ResearchOps
- Systemic design
- Content strategy
- Storytelling
- Information architecture
- Linguagem clara
- UX writing
- User research
- Testes de usabilidade
- Atividades de guerrilha
- Emotional design
- Agile
- Squads empowerment
- Minimum viable product (MVP)
- Minimum loveable product (MLP)
- Problem solving
- Work breakdown structure (WBS)
- Democratização do UX
- Ética
- Formação e mentoria de equipas
- Responsabilidade social
- Direitos e deveres no trabalho

O futuro é um lugar incerto
É muito difícil dizer o que será o futuro da indústria digital em geral e do trabalho de UX em particular. Os tempos mais recentes demonstraram que a globalização não é um conceito abstracto e que sem esperarmos, surgem imprevistos que podem transformar por completo o nosso quotidiano.
Apesar disso e com todas as reservas possíveis e imaginárias na utilização da palavra “nunca”, vale a pena acreditar que existem coisas que nunca vão mudar. As marcas, as empresas, as organizações e até mesmo os Estados sempre vão precisar de parceiros (pessoas) capazes para os acompanhar na mudança. Pessoas e equipas com uma visão larga da economia, da sua evolução e que através da tecnologia (ou outras ferramentas) conseguem ajudar a construir os produtos, serviços e negócios do futuro. É certo que mesmo isto é futurologia, mas afinal de contas, o próprio design em geral e o UX em particular, também se faz de tentar imaginar o futuro.
Fotografia © Max Griss (Unsplash)