Será que não temos mentores a mais?

As palavras “mentoria” ou “mentores” entraram definitivamente no léxico da comunidade de design em Portugal. O conceito ganhou espaço (e ainda bem) e podemos ver em inúmeras conversas online a ideia com cada vez maior acolhimento. Plataformas como o ADPList contribuíram também em muito para que isto acontecesse. Se o processo de procura de mentoria é mais simples, muito provavelmente o conceito tende a conseguir chegar a mais e mais pessoas e com isso tende-se a banalizar. Por si só, tudo isto é fantástico!

O reverso da medalha desta banalização é aquele que muitos vezes encontramos quando um conceito ganha tamanha visibilidade. Vamos olhar para um exemplo não relacionado com a mentoria, mas que certamente muitos de nós ainda temos frescos na mente. Quem se lembra daquela altura em que tudo estava relacionado com design thinking? Era a expressão da moda e estava por todo o lado. As agências vendiam “processos” de design thinking. Os clientes procuraram “coisas” design thinking. Existiam cursos sobre design thinking que nunca mais acabavam.

Não quer isto dizer que o conceito do design thinking devesse ser odiado. Muito pelo contrário. Até porque é uma ferramenta incrível. Mas o processo de banalização de um conceito, faz claro, com que possam existir muitas perspectivas diferentes sobre o tema, umas mais estruturadas que outras, umas mais conhecedoras que outras e isto tende a ser um desafio para a qualidade e consistência das práticas, realmente baseadas no mindset de design thinking.

É mesmo assim. Não há nenhum mal nisso. O ganho desta banalização (que não é pequeno) é vermos conceitos como estes ganharam uma maior visibilidade quer na comunidade de design quer fora dela muitas vezes. Até porque no final do dia podemos estar atentos aos desafios que esta banalização traz e falar sobre eles.

A mentoria é incrível

Voltando ao tópico da mentoria. Conseguimos já ver alguns efeitos da banalização do conceito e por isso pode ser uma excelente altura para falar sobre eles. Para que fique claro, refletir sobre os desafios relacionados com um determinado tópico não quer dizer, estar contra ou a favor. Essa é uma visão demasiado redutora. Muito preto ou branco. Podemos gostar ou não gostar de determinada coisa e ainda assim podermos ter uma opinião crítica sobre.

Para deixar claro. Acredito que a mentoria é uma ferramenta extraordinária. A ideia de que posso conseguir o apoio de alguém com muita experiência na área do design, para me ajudar com tópicos específicos da minha carreira é algo de valor incalculável. Por outro lado, imaginar que alguém que tem a responsabilidade de gerir projetos de design que impactam a vida de milhares de utilizadores (muitas vezes), encontra ainda tempo para apoiar o percurso profissional de outros colegas, só nos pode deixar a todos enquanto comunidade muito orgulhosos.

Cuidado com os falsos mentores

Mas… e aqui é que começa a parte desafiante. As palavras têm poder. Elas expressas ideias. Transmitem significados. E a palavra “mentor” tem um significado forte. Por exemplo, se procurarmos pela palavra “mentor” no Priberam, vamos encontrar dois significados: “Pessoa que, pela sua sabedoria ou experiência, ajuda outra como guia ou conselheiro.” e “Pessoa que inspira outras.”. Isto são definições muito fortes e com uma tremenda responsabilidade para quem presta esta mentoria e se identifica como tal.

Quando analisamos a lista de pessoas que se voluntariam a prestar esta mentoria no ADPList, exclusivamente em Portugal, vemos um grupo incrível de pessoas, que disponibilizam o seu tempo à comunidade, mas também vemos pessoas com um percurso profissional ainda curto para prestar esta mentoria. Mais uma vez a mentoria é algo incrível mas acarreta consigo uma responsabilidade. Não é uma conversa de café. Quem procura este tipo de mentoria tem muitas vezes a expectativa de que do outro lado está alguém que já passou por muito na carreira e me pode ajudar a ultrapassar melhor algumas etapas.

Mentor não é profissão

Outro fenómeno interessante com o tópico da mentoria e que passamos a ter, por exemplo no Linkedin, os mentores profissionais. Sou o Ruben Ferreira Duarte, Lead Product Designer e Mentor (não sou mentor nem de mim próprio). Mentor não é profissão. Quer dizer, pode ser, mas não é bem nesse sentido que aqui estamos a falar, até porque para se chegar a esse nível serão precisos muitos anos de experiência e centenas de projetos no currículo.

O ponto importante aqui é, só há mentor se existir trabalho (muito) real de projeto. Alguém que não tem um currículo robusto e um punhado valente de anos de experiência em projetos de design a sério, será que terá o conhecimento de causa e as ferramentas para ajudar alguém no seu percurso profissional, fazendo muito mais que uma conversa de café? Creio que não. Seja como for. Vale o que vale.

Fotografia © Ludde Lorentz (Unsplash)